Antes do início das eleições municipais de 2020 tentei identificar o perfil de pessoas engajadas ou ligadas de algum modo na causa animal (praticamente com atenção restrita a cães e gatos) que se candidataram a vereador ou prefeito. A tarefa de avaliar mais de 500 mil candidatos(as) seria praticamente impossível se não tivesse optado por um recorte simples: analisei apenas candidatos(as) que usavam a alcunha de protetor(a) ou proteção no nome que aparece na segura e confiável urna eletrônica.
Parte do apelido dos(as) candidatos(as) daria uma dimensão, mesmo que incompleta, do que poderia vir pela frente em apenas um dos aspectos (a proteção de cães e gatos) de uma causa tão ampla e complexa como é a causa animal.
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A eleição desses(as) candidatos(as) também poderia trazer uma noção do valor que o eleitorado atribui à “causa animal” quando decidiu votar em um(a) candidato(a) que indicava ser protetor(a) dentre diversas bandeiras possíveis: a da mobilidade, a da saúde, a da educação, a da segurança etc. As eleições municipais tendem a ser muito disputadas e com os votos se dispersando em muitos candidatos – com raríssimas exceções. Alguns, proporcionalmente ao eleitorado de suas cidades, terão votação expressiva e outros, mesmo com poucos votos, conseguirão uma vaga. O protetor mais votado que analisamos teve 5.834 votos e o menos votado contou com apenas 220 votos.
O perfil que se sobressaiu entre os 259 candidatos(as) que usaram o apelido de protetor(a) ou proteção na urna é de candidata do gênero feminino (78%), de cor branca (69%) e filiada a um partido de direita (55%).
Não tinha àquela altura como cravar a ideologia dos participantes da eleição, mas deu para inferir que candidatos(as) que se filiaram à partidos de direita, centro ou esquerda tinham alguma afinidade mínima com esses partidos e, portanto, definimos que candidatos(as) filiados(as), por exemplo, ao REPUBLICANOS eram de direita, filiados(as) ao MDB, de centro, e filiados(as) ao PT eram de esquerda. Há uma margem de erro nessa avaliação a ser considerada, mas, mesmo assim, já era possível ver alguns sinais de que uma parte das ações da causa animal, a proteção de animais “de estimação”, “de rua” ou em outras situações vulneráveis, como bandeira principal de candidatos(as) aos cargos de vereador(a) e prefeito, estava concentrada num determinado perfil: uma mulher, branca e, muito provavelmente, de direita querendo ingressar ou se manter na vida pública.
FORA O ATRASO DA APURAÇÃO, NÃO HOUVE SURPRESAS
Dito e feito: os resultados da eleição deste ano apontaram 39 candidatos(as) vitoriosos(as) com o nome de protetor na urna (apenas 15% daqueles 259 candidatos que acompanhamos) e o perfil se confirmou com 30 eleitos(as) no gênero feminino, de cor branca e em partidos de direita. Havia apenas um prefeito na disputa com a alcunha de protetor, mas ele não conseguiu se eleger. Todos os 39 eleitos são, portanto, vereadores e eles conquistaram 45.282 votos em todo o país.
Os votos se concentraram numa parte do Brasil, pois haverá vereadores eleitos com a alcunha de protetor(a) apenas nos Estados de São Paulo (62%), Minas Gerais (23%), Paraná (8%), Rio Grande do Sul (5%) e Rio de Janeiro (3%). Isso não quer dizer, vale insistir, que em outras regiões do país candidatos(as) ligados à causa animal não tenham sido eleitos(as) no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, eu apenas não os(as) identifiquei.
Valeria uma abordagem especial para os 39 eleitos, mas por uma questão de disponibilidade, vou me concentrar nos três primeiros colocados e, depois, comentar sobre o contexto da eleição em São Paulo que teve nada menos que cinco candidatos, ligados à proteção de cães e gatos, eleitos e um deles com grande votação. Nenhum deles precisou, diga-se, se declarar protetor…
RELAÇÃO DOS VEREADORES ELEITOS
NOME | ESTADO | CIDADE | PARTIDO | VOTOS |
---|---|---|---|---|
GELEIA PROTETOR | SP | GUARULHOS | PSDB | 5.834 |
PROTETORA CAROL DEDONATTI | PR | FOZ DO IGUAÇU | PP | 2.709 |
KATIA FRANCO PROTETORA | MG | JUIZ DE FORA | PSC | 2.697 |
DRIKA PROTETORA | MG | UBERLÂNDIA | PATRIOTA | 2.653 |
DOMINGOS PROTETOR | RJ | PETRÓPOLIS | PSC | 2.560 |
CHANDELLY PROTETOR | SP | VOTUPORANGA | PODE | 2.521 |
CECI PROTETORA | MG | MONTES CLAROS | PP | 1.786 |
SIDICLEY PROTETOR DE ANIMAIS | MG | MONTE CARMELO | PSD | 1.621 |
DAIA PROTETORA | MG | LAVRAS | PSD | 1.508 |
VANDERLEI PROTETOR DOS ANIMAIS | MG | CONGONHAS | MDB | 1.481 |
TATIANE LOPES PROTETORA | SP | LIMEIRA | PODE | 1.472 |
ALESSANDRA PROTETORA ANIMAIS | SP | PIRACICABA | REPUBLICANOS | 1.459 |
JORDAN PROTETOR | RS | CACHOEIRINHA | PDT | 1.330 |
SANDRO DO PROTEÇÃO | PR | FAZENDA RIO GRANDE | PROS | 1.241 |
NILCE PROTETORA DOS ANIMAIS | SP | OURINHOS | PSD | 1.122 |
TELMA PROTETORA | SP | CAÇAPAVA | PSD | 1.108 |
ALEXANDRA ANDRADE PROTETORA | SP | GUARATINGUETÁ | PL | 1.075 |
CÉSAR ROCHA PROTEÇÃO ANIMAL | SP | VALINHOS | DC | 1.032 |
DEBORA DAU PROTETORA | MG | ARAGUARI | PSC | 1.009 |
JANA PROTETORA | SP | AMPARO | PDT | 730 |
ARLENE PROTEÇÃO ANIMAL | RS | FARROUPILHA | PP | 669 |
SIMONE PROTETORA DOS ANIMAIS | MG | LUZ | PP | 621 |
ZELIA PROTETORA DOS ANIMAIS | SP | AMÉRICO BRASILIENSE | PL | 618 |
MARA PROTETORA DE ANIMAIS | MG | SÃO JOÃO DEL REI | PSC | 609 |
DIEGO PROTETOR | SP | TREMEMBÉ | PL | 608 |
JILMARA KIRINO PROTETORA | SP | POÁ | AVANTE | 554 |
PROTETORA ROSE STORARI | SP | SERRANA | MDB | 551 |
REGIANE PROTETORA | SP | SANTA ISABEL | PODE | 539 |
CLAUDIA PROTETORA DOS ANIMAIS | SP | DOURADO | PTB | 474 |
KEILA PROTETORA | SP | IGARAÇU DO TIETÊ | PSL | 459 |
MARISA PROTETORA DOS ANIMAIS | SP | BARRINHA | PL | 411 |
LILIAN PROTETORA | SP | CEDRAL | MDB | 360 |
JOISIANY CEBER PROTETORA | SP | TUPI PAULISTA | DEM | 308 |
JANAINA PROTETORA | SP | QUELUZ | PL | 286 |
CANDINHA PROTETORA DE ANIMAIS | SP | NOVA GRANADA | REPUBLICANOS | 277 |
MARILZA PROTETORA DOS ANIMAIS | PR | PRIMEIRO DE MAIO | PSD | 266 |
THAYNARA PROTETORA | SP | SÃO BENTO DO SAPUCAÍ | PSL | 254 |
ANGELA PROTETORA | SP | CACHOEIRA PAULISTA | MDB | 250 |
SIRLEI PROTETORA | SP | NEVES PAULISTA | PSD | 220 |
O PROTETOR MAIS VOTADO: GELEIA PROTETOR
Curiosamente, o candidato mais bem votado entre o que carregavam a alcunha de protetor(a) nas urnas contraria os três pontos do perfil básico que traçamos antes das eleições: ele é homem, preto e está num partido de centro. GELEIA PROTETOR (Vlademir João Carlos Galdino), na cidade de Guarulhos (SP), aparentemente não indica ter tradição na área de proteção de cães e gatos na cidade em que foi eleito conforme foi possível verificar em seu perfil no Instagram e Facebook.
Apesar de já ter se candidato em 2016, apenas como Geleia (sem o protetor no nome de urna), conforme é possível verificar pelo apoio que recebeu do ex–deputado federal Ricardo Tripoli, na mesma cidade de Guarulhos, não me deparei com qualquer outro registro de suas ações desde àquela época até o início da nova campanha. Ser protetor de longa data seria algo que poderia ter lhe dado natural notoriedade e teria justificado sua expressiva votação: foram 5.834 votos, sendo o décimo mais votado em sua cidade.
Mas parece que bastou para ele, além de ter tido novamente o apoio de Ricardo Tripoli e do Roberto Tripoli este ano, apelar ao expediente que apontei como uma forma de corrupção da causa animal no texto anterior que escrevi antes do pleito: aquelas idas às periferias para abordar pessoas que são denunciadas por maus-tratos de animais bem ao estilo do jornalismo policial sensacionalista e que proporciona verdadeiras sessões de linchamento moral (flertando com o linchamento físico), bastaram para convencer o eleitorado guarulhense dessa vez.
Atualização 01/06/21: O vídeo (ID 1652015598287243) da campanha do então candidato a vereador Geleia Protetor, ao qual me refiro no parágrafo acima, está indisponível em seu Facebook.
Isto me leva a crer que ele seguiu a cartilha da extrema-direita na produção do material para a campanha e sua acolhida num partido como o PSDB de hoje (o de João Doria e companhia), que está muito mais próximo da direita (e extrema-direita) do que do centro-esquerda como já esteve no passado, expõe as áreas cinzentas das demarcações ideológicas dos partidos políticos brasileiros e da nossa própria pesquisa que se limitou a indicar se o candidato se filiou a um partido de direita, esquerda ou centro.
O eleitor quando abre mão de pesquisar ativamente em sua cidade e se deixa levar apenas por conteúdos compartilhados por terceiros em redes sociais não consegue ter uma visão clara do complexo cenário político (e de crise de representatividade) em que estamos e isso facilita demasiadamente ações das mais diversas, entre elas as de caráter populista.
Apesar de eleito, até o momento da finalização deste texto, a candidatura de Geleia Protetor continua aguardando julgamento pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para ser totalmente validada.
UM CLÃ CHAMADO TRIPOLI
E por falar em Ricardo Tripoli (PSDB), dois de seus familiares se candidataram em São Paulo, capital, e conseguiram se eleger. O clã, que também conta com Giovanna Tripoli (candidata derrotada à deputada estadual pelo PSDB em 2018, mas também com expressiva votação: mais de 40 mil votos), contou com Roberto Tripoli (PV) e Xexéu (Reginaldo) Tripoli (PV). Ambos se elegeram vereadores com 46.219 e 30.495 votos, respectivamente.
Saiba mais: COMO FICA A DEFESA DOS DIREITOS ANIMAIS EM ANO DE ELEIÇÃO?, por Vanice Cestari
A proteção de cães e gatos em São Paulo segue em alta para o eleitorado. Infelizmente não me deparei com alguma pesquisa que esclarecesse o interesse da população pela causa. Mas tendo em vista o sucesso de celebridades que atuam com salvamentos e a linha punitivista, não é de se estranhar que um caldo de desejo por punição e resgates formem o interesse do eleitorado que sente aflição com o sofrimento de cães e gatos nas ruas, com criadores, acumuladores ou até mesmo tutores.
Sofrimento apenas de cães e gatos em determinadas situações, que fique claro, pois os outros animais, em especial os destinados ao consumo como alimento, não são do interesse da população que, inclusive, há não muito tempo, rechaçou a ideia da segunda-feira sem carne em repartições públicas do Projeto de Lei do ex-deputado estadual (SP) Feliciano Filho (PATRIOTA) em 2018. Feliciano também tentou emplacar o fim do uso de animais vivos em pesquisas pelas universidades do Estado de São Paulo (USP, UNIFESP e UNICAMP). Ambos os projetos, mesmo com a aprovação de seus pares deputados, foram vetados pelo ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), um aliado e representante histórico do agronegócio paulista.
A SEGUNDA MAIS VOTADA: A PROTETORA CAROL DEDONATTI
Já a segunda posição de protetora mais votada, esta sim ocupada por uma candidata que atende ao perfil básico da nossa pesquisa, está nas mãos de uma mulher, branca e filiada a um partido de direita. A PROTETORA CAROL DEDONATTI (Carolina Dedonatti), do PP, em Foz do Iguaçu (PR), foi, inclusive, a candidata mais votada de sua cidade! Pelo menos em seu perfil no Facebook e Instagram foi possível verificar que ela tem algum tipo de engajamento relacionado com a proteção de cães e gatos, compartilhando imagens desses animais não humanos que precisam de auxílio para o custeio de gastos veterinários, além de promover eventos relacionados (adoção e arrecadação).
Em algumas de suas postagens se nota um tom agressivo quando diante de eventos que envolvem maus-tratos. A linha punitivista parece ser a preferencial dos protetores, especialmente daqueles alinhados à direita e à extrema-direita.
A Protetora Carol Dedonatti também contou com a indicação de um político ligado à proteção de cães e gatos: o deputado estadual de São Paulo, Bruno Lima (PSL), em uma postagem em seu canal, ele aparece recomendando a então candidata. Na mesma imagem é possível ver uma longa lista com nomes de outros candidatos para o qual ele gravou um vídeo similar de recomendação de voto. Todos eles, possivelmente, também ligados à proteção de cães e gatos e alinhados com a linha punitivista do próprio deputado que tem como bandeira permanente a prisão para agressores e abusadores. Tal postura se refletiu em âmbito federal com a sanção da lei Sansão conforme já abordamos em outro momento aqui no Saber Animal. Ela também recebeu o apoio de outro deputado que tem seu nome ligado à proteção de cães e gatos, o deputado federal Ricardo Izar (PP).
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Agora, um candidato do PSL pedindo voto para candidata do PP não parece algo tão estranho, afinal, ambos os partidos estão no campo da direita e, coincidentemente, os dois partidos já abrigaram o presidente Jair Bolsonaro que atualmente está sem partido algum (ele fracassou na tentativa de criar seu próprio partido em tempo para as eleições municipais). Conta também o fato que, no Brasil, os partidos se arranjam em coligações em cada município e também não é nada muito estranho ver partidos de direita, centro e esquerda apoiando uma mesma chapa para prefeito… Foi o caso, por exemplo, da candidata eleita JANA PROTETORA (Janaina Pereira de Oliveira), na cidade de Amparo (SP), que mesmo estando no PDT, um partido de esquerda, recebeu apoio do deputado paulista Bruno Lima, que está num partido de direita (ou extrema-direita).
Apenas Jana e JORDAN PROTETOR (Jordan Maurício Silva da Silva), também no PDT, na cidade de Cachoeirinha (RS), foram protetores eleitos estando num partido de esquerda. Eram 64 (25%), dos 259 candidatos(as) com o nome de protetor na urna, que também estavam em partidos de esquerda na disputa. Apenas 5% dos eleitos estão em um partido de esquerda, pois os demais estão na direita (77%) e no centro (18%). E como já disse e vale dizer novamente, mesmo estando em partidos com orientação de esquerda, direita ou centro, os(as) candidatos(as) não necessariamente têm a mesma ideologia.
A TERCEIRA MAIS VOTADA: KATIA FRANCO PROTETORA
A toada é a mesma, a candidata eleita na cidade de Juiz de Fora (MG) também recebeu apoio de um político já ligado à proteção de cães e gatos. O deputado estadual Noraldino Junior (PSC), eleito por Minas Gerais, aparece com KATIA FRANCO PROTETORA (Katia Aparecida Franco), do mesmo partido, agradecendo os votos dados a ela, uma candidata de sua confiança.
Me pareceu uma mensagem padrão e a presença de mais um deputado em cena pode indicar que há uma busca pela formação de uma base de apoio para as próximas investidas desses deputados nas eleições que estão por vir para mais um mandato, afinal estamos falando de políticos profissionais e não aventureiros. A proteção de cães e gatos vai se consolidando como uma forma, principalmente, de assegurar votos nos âmbitos municipal, estadual e federal dentro de uma articulação muito bem orquestrada.
Mas uma coisa me chamou a atenção em relação a candidata eleita Katia Franco em relação aos outros dois primeiros protetores mais votados: ela parece demonstrar interesse pelo veganismo e em suas postagens no Facebook foi possível se deparar não apenas com receitas de pratos veganos, mas com uma lamentação, por exemplo, com porcos sendo transportados vivos para um matadouro.
Esse sentimento, se fosse expresso também pelos outros dois candidatos mais votados, não encontraria acolhida nos deputados apoiadores, sobretudo pelo que se tem notícia que os atuais deputados (estaduais e federais) ligados à proteção de cães e gatos não têm o veganismo como uma de suas bandeiras. É por isso que não dá para falar de “deputados da causa animal” e o correto é indicá-los como ligados apenas à proteção de cães e gatos vítimas de maus-tratos nas ruas e residências, porque eles, como a maioria dos vereadores eleitos, quando muito têm olhos basicamente para esses animais e em certas condições.
Outro ponto a se destacar é que as personalidades dos(as) eleitos(as) é complexa e com nuances que, do ponto de vista humanista, não podem ser ignoradas dada suas implicâncias para as pessoas envolvidas e também para os animais. Katia Franco diz que a sua atividade na proteção a ajudou a sair da depressão. A situação da depressão é grave e atinge a milhares de pessoas sem que elas busquem tratamento adequado. Não posso afirmar que este é o caso da candidata eleita, mas não é uma situação de todo incomum e que às vezes resultado em casos de pessoas que alegam serem protetoras ao invés de apenas acumuladoras.
A falta de políticas públicas que ajudem protetores(as) a lidarem com seus dilemas pessoais (depressão e outros eventuais problemas) torna suas vidas ainda mais penosa e, consequentemente, a dos animais que funcionam como válvula de escape. A proteção de animais é um peso demasiadamente grande para se carregar sem apoio e não é raro ver, principalmente mulheres, agindo de modo totalmente isolado. E, infelizmente, até mesmo isto tem sido usado dentro de certas narrativas políticas para se obter votos.
UM DOS MAIS VOTADOS NA CIDADE DE SÃO PAULO: FELIPE BECARI
Nas cidades brasileiras tivemos, claro, outros candidatos que aderiram à proteção e que mesmo sem usar a alcunha conseguiram se eleger. Novamente, não temos meios de saber quais foram todos esses candidatos, pois se fosse possível tal identificação teríamos uma amostragem maior e melhor. Mas vale falar de um exemplo que, em parte, foge um pouco do perfil básico, mas que chamou muita atenção pela expressiva votação que recebeu no maior colégio eleitoral do país, São Paulo.
O candidato eleito é um homem, branco e de direita. Trata-se de Felipe Becari (PSD), que usou como nome de urna o seu próprio nome, sem apelar a seu cargo na Polícia Civil ou ao seu alegado interesse por cães e gatos. Sua candidatura na cidade de São Paulo amealhou quase 100 mil votos, tendo sido o quarto mais votado. Uma votação que chegou próxima a de um experiente e tarimbado político como Eduardo Suplicy (PT), o mais votado na cidade com mais de 160 mil votos.
Sua rápida ascensão não tem elo com questões políticas ou mesmo partidárias, pois ela surge praticamente do nada sendo explorada em suas redes sociais desde 2019 (Instagram). Investigador da Polícia Civil do Estado de São Paulo, Felipe Becari seguiu fielmente os passos do já citado deputado estadual Bruno Lima (PSL) que há dois anos conseguiu se eleger com um pouco mais de cem mil votos em uma eleição disputadíssima que contou com a participação de Janaina Paschoal (com mais de 2 milhões de votos), personagem de destaque no impeachment de Dilma Rousseff em 2016.
Vídeo com entrevista de Felipe Becari para o canal E aí, bicho?
Ambos (Felipe Becari e Bruno Lima) usaram as redes sociais de modo estratégico para exibir suas ações, na condição de policiais, ou seja, enquanto prestavam serviços ao Estado, e conseguiram assim, através delas, conquistar milhares de seguidores (principalmente seguidoras) que depois, em parte, se tornaram também suas eleitoras.
É a nova dinâmica das eleições no Brasil: o uso intenso de redes sociais permite a interação direta com o eleitorado sem qualquer tipo de filtro crítico. O conteúdo nas redes sociais, quando bem trabalhado (inclusive aquele assessorado por uma agência especializada), permite um maior alcance e, consequentemente, um maior envolvimento com os seguidores que tornarão os conteúdos ainda mais visíveis. A arquitetura própria das redes sociais explora justamente o lado emocional das pessoas fazendo com o que o engajamento nas redes seja criado através de conteúdos que geram fortes emoções. O ódio, assim como a raiva, vingança e o desejo por justiçamento, é fundamental nesse arranjo e ele é direcionado aos praticantes de maus-tratos sempre que vemos imagens de cães e gatos feridos por abusadores.
Não deixa de ser interessante notar que tanto Bruno Lima, quanto Felipe Becari, ainda colhem frutos da onda de 2013, pois eles não discutem necessariamente políticas públicas em suas postagens – o primeiro nas campanhas que apoiou e o segundo na campanha que fez. Todas as demais questões envolvidas com a proteção de cães e gatos ficam ausentes no discurso de ambos: as castrações, a guarda responsável, a responsabilidade das autoridades, os abrigos, a venda de animais, os criadores etc praticamente nem são elencados, muito menos debatidos.
Não que a atividade deles no âmbito da proteção de cães e gatos tenha sido de todo ruim ou mesmo sem sentido, pois há crimes vitimando animais não humanos e há pouco ou quase nenhum interesse nisso por parte das polícias (e demais autoridades dos estados e dos municípios), mas eles como legisladores não mais só resgatarão animais ou darão voz de prisão aos criminosos na condição de deputado ou vereador.
Ao mesmo tempo em que o deputado Bruno Lima e o candidato à vereador, eleito, Felipe Becari dizem se importar com cães e gatos, eles também indicam que se despontam como defensores de interesses corporativistas (no caso o dos policiais civis). Bruno Lima tem, inclusive, outros interesses: esportes, educação e, claro, segurança pública. De algum modo, entre 20 Projetos de Lei que ele é autor ou participa com outros deputados na ALESP (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo), apenas cinco deles tem relação direta com animais não humanos.
Desde 2013, com as jornadas de Junho arrebatadas pela direita e pela extrema-direita, politizar algo ou uma discussão é visto como negativo e indesejável por parte do eleitorado que tem demonstrado aversão aos partidos políticos. Daí o paradoxo: despolitizar-se como candidato político (principalmente quando se está à direita ou principalmente à extrema-direita) se tornou crucial para vir a ser um político eleito e que terá, a exemplo do deputado Bruno Lima, que fazer política para ter seus projetos aprovados por seus pares.
Outro ponto igualmente crucial é que aqueles candidatos que concentraram uma expressiva votação em São Paulo (na Capital e no Estado) indicam que a proteção de animais está sendo vista como um problema de polícia (a ser resolvido principalmente pela polícia) e sendo quase que exclusivamente abordada por essa perspectiva. Mimetiza-se, de certa forma, a famigerada guerra às drogas fazendo uma pequena guerra aos maus-tratos. O resultado já dá para adiantar: abordagens nas periferias, população pobre e preta humilhada e detida como sempre. Como se vê o eleitorado ainda espera, especialmente na figura do policial valentão pronto para a briga, a solução para problemas de toda ordem.
Mesmo a causa animal (não apenas a de proteção de cães e gatos) sendo um movimento social pouco expressivo no Brasil, ela também nos ajuda a perceber que o bolsonarismo, ao contrário do que se imaginava com os resultados obtidos nas eleições de 2020, não está necessariamente perdendo força, ao contrário, pois considerando a maioria esmagadora de candidatos eleitos sendo de direita e as expressivas votações em figuras populares (e populistas) alinhadas ao presidente Bolsonaro, não há indício de que os cidadãos estão dispostos a ter uma visão que não a punitivista contra quem pratica maus-tratos com cães e gatos.
Também não há sinal no horizonte de eleitos(as) e eleitores que se sensibilizem com os diversos usos de cães, gatos e outros tantos animais não humanos pelos diversos segmentos econômicos da nossa sociedade: a pesquisa científica, a alimentação, a moda e o vestuário etc. Os mercadores da morte contam ainda com uma grande ajuda da sociedade e dos políticos e, às vezes, eles dão uma pequena ajuda aqui e ali, mas apenas para cães e gatos em determinados contextos, que fique bem claro!
AS ESQUERDAS SEGUINDO AS PEGADAS DA DIREITA E DA EXTREMA-DIREITA
Infelizmente até mesmo o candidato a prefeito de São Paulo, que disputará o 2º turno (29/11), Guilherme Boulos (PSOL), ao se aproximar da questão, foi levado a pensar da mesma forma que candidatos de direita e de extrema-direita, vendo na proteção de cães e gatos o maior problema da causa animal. Assessorado por ONGs e ativistas que representam uma minúscula fração do ativismo da causa animal, o candidato indica que criará uma Secretaria de Defesa dos Direitos dos Animais e firma em peça publicitária que “chega de maus-tratos”.
A criação de uma secretaria é um passo importante na defesa dos animais (todos eles e não apenas cães e gatos), pois indica claramente uma preocupação específica do governante, mas também sabemos que secretarias podem ser aparelhadas por militantes e ativistas que veem nas eleições também uma oportunidade de conseguir uma renda. Os animais não humanos e a causa animal propriamente dita podem acabar ficando em segundo plano dentro da burocracia que existe num órgão de governo e suas naturais disputas políticas.
Vídeo da campanha de Guilherme Boulos
A preocupação com cães e gatos nas grandes cidades é legítima, pois sabemos que eles sofrem horrores com o abandono ou mesmo com as ações de acumuladores que agem como protetores, mas se essa for a única preocupação, ela de certa forma legitimará as ações da direita e da extrema-direita que veem na “guerra aos maus-tratos” a sua principal bandeira. As esquerdas precisam encarar os maus-tratos não pela ótica punitivista e não se limitar a apenas isso.
Ainda voltando aos candidatos eleitos em São Paulo, outro ligado à proteção que contou com boa votação (26.748 votos), e é de esquerda, Toninho Vespoli (PSOL) tem pautas similares aos seus pares à direita (Felipe Becari, Roberto e Xexeu Tripoli e Rodrigo Goulart) seguindo o mesmo caminho da proteção de cães e gatos e sem atacar demais problemas da causa animal que, insisto, é ampla e complexa. É preciso fazer oposição ao uso de animais em experimentos científicos, oposição à caça, oposição ao consumo de animais como alimento, oposição ao uso de animais para transporte e trabalho no campo, oposição ao uso de animais como diversão e esporte, oposição à destruição dos habitats dos animais selvagens, oposição ao comércio de animais, etc.
Em suma, falta às esquerdas um posicionamento abolicionista e vegano perante a causa animal, pois a regulamentação / exploração tem sido do interesse da direita.
Os vereadores eleitos com a bandeira da proteção de cães e gatos na capital paulista conquistaram nada menos que 233.651 votos – ou 4% dos votos válidos da cidade inteira! Eleitorado que definitivamente faz brilhar os olhos de qualquer candidato a vereador, prefeito e deputado (estadual e federal) e até de governador e presidente. Valores similares talvez sejam encontrados em outras cidades e tudo somado dá uma medida das razões para haver tantos candidatos com essa bandeira e o quão acirrada tende a ser a disputa por esses votos nas próximas eleições.
A inusitada live, às vésperas da votação no segundo turno, com Guilherme Boulos e Luisa Mell (uma popular celebridade ligada à proteção de cães e gatos) são um sinal que apenas reforça essa avaliação, pois reuniu um candidato de esquerda e uma personalidade mais ligada à direita.
“PIOR DO QUE TÁ NÃO FICA”?
Apesar do posicionamento, sempre à esquerda, do Saber Animal, não foi possível identificar nessas diversas correntes que disputavam as eleições de 2020 uma que estivesse realmente ligada à causa animal e não apenas à proteção de cães e gatos.
Não conseguimos, pessoalmente, nos sentir representados por nenhuma delas nesse aspecto. Faltou, de um modo geral, sensibilidade aos candidatos de esquerda com a causa animal que é totalmente compatível com algumas outras bandeiras que eles já sustentam: combate ao racismo, à homofobia e ao sexismo, por exemplo. Quem apoia os direitos humanos pode tranquilamente também adotar uma postura antiespecista, pois as duas questões são convergentes.
Em São Paulo, vale voltar a falar dessa cidade que é um bom referencial para o que pode ocorrer no resto do país, tivemos cinco candidatos eleitos ligados à proteção de cães e gatos. Todos eles são homens, brancos e quase todos de direita (exceção apenas para Toninho Vespoli).
Ao término dessas eleições, um tanto menos conturbadas que as de 2018 que representaram a chegada da extrema-direita até o cargo máximo, resta saber se poderemos contar com um futuro diferente em 2022. Mas pela breve amostra que pude analisar e levando em conta alguns arranjos políticos e algumas expressivas votações, aquela máxima do deputado Tiririca (PL) poderá ser novamente subvertida, inclusive na causa animal.
Saiba mais: PODCAST SABER ANIMAL #008 – OS ANIMAIS NO JOGO POLÍTICO