💥 É proibido o comércio de fogos de artifício de estampido no Estado de São Paulo, você sabia?


Eu não escrevi soltura, escrevi comércio, percebeu? Sem comércio também não tem soltura ou pelo menos pode reduzir bastante a procura e interesse por esses produtos.

Se o governo do estado de São Paulo proíbe a comercialização, o armazenamento e transporte de fogos de artifício de estampido (e não apenas a soltura) desde 2021, mas não fiscaliza os estabelecimentos comerciais que os vendem, é a famosa “lei pra inglês ver” ou melhor, para “tranquilizar” parte da população interessada nessa questão.

As mesmas pessoas que se indignam com a população que continua adquirindo e soltando fogos, que se ressentem com tutores que não protegem adequadamente seus animais e que continuam apoiando os mesmos políticos que fazem leis “protetivas” ilusórias.

Não é somente a proibição legal e tampouco a reclamação que vai mudar alguma coisa. Sem foco no que importa e sem fiscalização de estabelecimentos para a retirada desses produtos do comércio, por exemplo, nunca haverá um “fim de ano sem fogos”, não adianta entupir as redes sociais de imagens e frases impositivas.

Também seria bom se fôssemos parando de presumir que as pessoas sabem o que estão fazendo (ou não fazendo, quando é a omissão que causa danos), passando a julgar menos e consequentemente agindo no sentido da orientação acolhedora (não opressora), da prevenção, da disseminação de informações relevantes que possam contribuir no auxílio daqueles que precisam e que estão abertos a reverem suas atitudes e crenças. 

Geralmente, representantes do Estado acabam por criar mais desinformação do que informação e assim, ainda que não seja a intenção, coloca-se pessoas umas contra as outras. Ao mesmo tempo, parte desse grupo social, que são as pessoas que sempre reclamam de leis que não funcionam, seguem votando e elegendo esses chamados defensores da causa animal (em grande parte, compostos de policiais cuja mente foi doutrinada no modo castigo e cadeia) que ocupam as cadeiras públicas através de votos desse fiel eleitorado, ano após ano, sem fazerem uma campanha educativa sequer que seja de conteúdo efetivamente protetivo (afinal a bandeira que carregam não é e nunca foi a da proteção efetiva a algum ser, tampouco a da educação, mas da punição). A prioridade é fazer marketing nas redes sociais com conteúdo para milhares de curtidas e comentários, é claro, quando muito alegando que é “proibido soltar fogos ruidosos” (nenhuma palavra sobre a proibição do comércio) ou o famoso “cadeia para maus-tratos” e ponto.

É preciso compreendermos que não existe proteção de algumas vidas com punição de outras. O foco da punição é a exclusão social de alguns seres humanos e não a proteção dos animais. Punir pessoas e proteger animais da violência são coisas completamente distintas. A violência contra os animais não deixará de existir porque alguns humanos podem ser privados temporariamente de sua liberdade física. As questões individuais e, consequentemente, sociais, são muito mais complexas e profundas do que esse reducionismo populista de que cadeia é a solução para tudo aquilo com o que não queremos (ou não sabemos mentalmente) lidar.

Mas no tema do comércio e soltura de fogos de artifício com estampido não se fala de prisão (ufa!), é que o assunto prisão como escolha política me toca profundamente, de tão absurdo que me soa, me empolgo e já vou escrevendo, mas volto ao que me trouxe aqui.

A lei estadual (SP) de nº 17.389/21 foi questionada no Judiciário Paulista pelo Sindicato das Indústrias de Explosivos do Estado de Minas Gerais (pela questão do comércio interestadual), cujo resultado foi favorável em parte ao Sindicato no que diz respeito à invasão de competência legislativa (é da União a competência privativa para legislar sobre comércio interestadual, trânsito e transportes). No mais, é perfeitamente possível a proibição do comércio dentro dos limites do estado de São Paulo, sem que haja cerceamento de atividade econômica no sentido de grandes perdas.

Posteriormente, a mesma lei, em sede de recurso no Supremo Tribunal Federal (RE 1419760 / SP), teve reconhecida a validade (ou constitucionalidade) da proibição de comercialização, armazenamento e transporte de fogos de artifício, se destinados a uso no próprio território do estado de São Paulo.

Segue trecho copiado do site do STF sobre a referida ação, com participação da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo: “comercialização, armazenamento e transporte são atos instrumentais ou etapas logísticas dos atos de queima e soltura. A conclusão é lógica: se são vedadas a queima e a soltura (vedações declaradas constitucionais), de nada servem os atos de comercialização, armazenamento e transporte, afora para a prática de ato ilícito”. Por isso, a forma mais efetiva de coibir os atos de queima e soltura de fogos de artifício, que são de difícil fiscalização, é o exercício do poder de polícia sobre os atos instrumentais / preparatórios (comercialização, armazenamento e transporte), desde que dirigidos ao uso do produto no território estadual”.

A proibição da queima, soltura, comércio, armazenamento e transporte de fogos de artifício de estampido está amparada na proteção do meio ambiente (onde se inclui a proteção da fauna) e controle de poluição sonora (proteção à saúde pública, que abrange a saúde humana e a saúde animal).

Alguns municípios também possuem legislação (municipal) nesse sentido, como São Paulo e Guarulhos, por exemplo, e na hipótese de conflito com a legislação estadual vale a norma mais protetiva à saúde (seja humana ou animal) e ao meio ambiente.

Segue trecho da ementa do acórdão (trecho da síntese da decisão coletiva dos ministros) do STF sobre esse tema, que foi recebido como sendo de repercussão geral:

“Comprovação técnico-científica dos impactos graves e negativos que fogos de estampido e de artifício com efeito sonoro ruidoso causam às pessoas com transtorno do espectro autista, em razão de hipersensibilidade auditiva. (…) Estudos demonstram a ocorrência de danos irreversíveis às diversas espécies animais. Existência de sólida base técnico-científica para a restrição ao uso desses produtos como medida de proteção ao meio ambiente”.

Outras ações sobre esse tema também chegaram no STF em outros momentos, onde também se alegou prejuízos à idosos, crianças, pessoas com outras deficiências e prejuízos às diversas espécies animais, além de cães e gatos domésticos.

Em 2017, como advogada voluntária, escrevi um parecer jurídico acrescido de dados técnicos de outras áreas do conhecimento científico e entreguei aos vereadores da Câmara Municipal de Guarulhos – SP para embasar projeto de lei que proibisse não só a soltura, mas sobretudo o comércio de fogos de estampido com ruído.

À época, pesquisei o que especialistas da área da saúde (médicos, médicos veterinários), ambientalistas, bem como protetores / tutores de animais domésticos diziam sobre o tema e encontrei dados muito interessantes que inclui no parecer. Após a apresentação de tantos fatos incontroversos, junto da pressão da turma da proteção animal, foi sancionada em 2019 a lei municipal de nº 7.684/19 que proibiu a soltura desses fogos ruidosos, deixando de fora a proibição do comércio por mera “preguiça” de se indispor com comerciantes, que inclusive poderiam se tornar aliados se fosse dada a oportunidade de entenderem o quanto tais produtos específicos são prejudiciais à muitos seres. Ora, por que não, se antes mesmo de se tentar estabelecer um diálogo, as pessoas se fecham em seus preconceitos dogmáticos e interesses particulares em detrimento do coletivo?

Além da possibilidade de ferimentos graves em animais domésticos (geralmente cães e gatos) assustados pela tentativa de fuga devido aos fortes estampidos, pássaros, aves e animais silvestres também sofrem ferimentos e ficam sob risco de morte. Essa prática também coloca em risco pessoas que transitam pelas rodovias, consideradas as peculiaridades de Guarulhos que possui trechos de Mata Atlântica, como a Serra da Cantareira, que são habitats de animais silvestres, além de animais soltos próximos à rodovias, de pequeno ou grande porte como o caso de cavalos, bois…

E aqui vale transcrever trecho de um relato de Guilherme Fluckiger, oceanógrafo, em artigo que encontrei naquela ocasião: “Ainda são poucos os estudos em relação ao impacto dos fogos de artifício na fauna silvestre pela dificuldade de se mensurar em campo o estrago, mas dá para se estimar fácil o prejuízo através da observação dos próprios animais domésticos. Alguns estudos apontam revoadas em massa com abandono de ninhos de aves diurnas durante a queima de fogos, deixando os filhotes e ovos expostos e desprotegidos. Há ainda o risco de acidentes e fogo em áreas de mata. Imagine você no meio de um tiroteio. Os animais não sabem o que são os fogos e nem quanto tempo durará, para a maioria deles é algo aterrorizante e precisam fugir a qualquer custo”.

Eu mesma já observei em um lago arborizado (Lago dos Patos!) na cidade de Guarulhos, que fica exatamente ao lado de um campinho de futebol, essa situação de pássaros e pombos saírem em bando quando soltam fogos de estampido nos jogos… no mesmo lugar tem um posto fixo da guarda civil metropolitana e simplesmente é como se nada de anormal estivesse acontecendo nesses momentos, ninguém liga, ou melhor, quase ninguém, pois as aves se incomodam, fogem às pressas (aquelas que conseguem) e eu também.

Um pouco mais acima, citei que a lei do estado de São Paulo (que passou a valer também em Guarulhos – em tese – no papel – por ser mais abrangente territorialmente e, além de tudo, mais benéfica por vedar também o comércio desses fogos) foi recebida no STF em repercussão geral. A classificação de um tema como repercussão geral tem como finalidade delimitar a atuação do STF no julgamento de recurso às questões constitucionais de relevância social, política, econômica ou jurídica que transcendam os interesses subjetivos de um processo, bem como uniformizar a interpretação da Constituição Federal sem que o STF tenha que decidir diversos casos idênticos sobre a mesma questão.

Isso significa que qualquer município brasileiro (e estado, se assim for do interesse) pode legislar no mesmo sentido da lei estadual de São Paulo (n. 17.389/21), pois já está declarada a constitucionalidade dessa prática, sem que caiba alegações como violação à ordem econômica ou algo do tipo. Mas como disse, não é somente isso que mudará a vida prática e ajudará as pessoas necessitadas desse cuidado, bem como os animais domésticos, silvestres e o meio ambiente como um todo, se ações políticas educativas e fiscalizatórias (sobretudo no que diz respeito aos estabelecimentos comerciais) não forem adotadas de modo concomitante.

Depois de tanto empenho e até mesmo gastos públicos com um assunto de importância e interesse social como esse, não é possível que na prática é como se nada tivesse acontecido. Papéis com letras agrupadas nunca mudarão nada se cada pessoa não se autorresponsabilizar por aquilo que lhe compete, por menor que pareça a sua contribuição, sempre é importante, desde que seja minimamente construtiva e não destrutiva.

Uma palavra informativa, acolhedora, ao invés de discriminatória, com aqueles de nosso entorno ou alcance já pode ser o bastante. E para quem é servidor público que se conscientize da relevância e responsabilidade de sua função enquanto exemplo a ser dado a partir de suas próprias ações ou inações. Em questões sociais, todos estão certos e todos estão errados, ao mesmo tempo, em diferentes aspectos, porque somos todos corresponsáveis. Então não percamos tempo apontando culpados, simplesmente façamos a nossa parte.