🗞️ Como fica a defesa dos Direitos Animais em ano de eleição?

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP)
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP)

O presente texto-notícia tem por finalidade comentar episódios políticos e jurídicos sobre o tema da caça a partir de ocorrências em âmbito estadual.

A Constituição do Estado de São Paulo, promulgada em 1989, proíbe a caça sob qualquer pretexto. Em 1990 esse dispositivo foi questionado pelo Procurador Geral da República no Supremo Tribunal Federal (STF) através de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de nº 350 ante a provocação da Associação Brasileira de Caça e “Conservação”.

Em agosto de 2017, teve início o julgamento dessa ação e o ministro relator Dias Toffoli (STF) votou no sentido de julgá-la parcialmente procedente unicamente para restringir o alcance da expressão “sob qualquer pretexto” na Constituição Paulista, entendendo que “nela não se inclui a destruição para fins de controle e a coleta para fins científicos” conforme dispositivos da Lei Federal de nº 5.197/67. Desde então o julgamento da ADI 350 está suspenso em virtude de pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.

Paralelamente a isso, em junho de 2018, o então governador do estado de São Paulo, Márcio França, sancionou a lei de nº 16.784 proibindo a caça de “animais domésticos ou domesticados, silvestres, nativos ou exóticos e seus híbridos (…) exceção feita aos animais sinantrópicos” e permitindo o “controle populacional, manejo ou erradicação de espécie declarada nociva ou invasora”, ou seja, permitindo a caça, que deveria ficar restrita exclusivamente ao estado (a lei, portanto, apenas retirava essa modalidade de caça das mãos do particular – pessoas físicas ou jurídicas não governamentais o que caiu no STF através de ação que comento logo adiante).

Essa lei estadual (SP) de nº 16.784/2018, parcialmente em vigor, prevê a chamada caça de controle prevendo multa se for praticada “contra animal pertencente a espécie rara ou ameaçada de extinção; com emprego de método ou instrumento capaz de provocar destruição em massa; em áreas protegidas, ou unidades de conservação”.

Vê-se, portanto, que a referida lei estadual foi elaborada e sancionada no sentido de regulamentar a caça e não de proibi-la como fez o texto da Constituição Paulista, além de restar claro, por uma leitura atenta, que não possui viés protetivo-animalista mas estritamente ambientalista, já que para o animal, uma vez condenado à morte, tanto faz se o golpe fatal é dado pelo agente público ou privado (o que certamente não exclui a temerária situação de caçadores armados, fato que lamentavelmente já ocorre).

O legislador paulista de 2018 optou, por escolha política, desconsiderar a Constituição do Estado de São Paulo que já dispunha textualmente em seu artigo 204 “fica proibida a caça, sob qualquer pretexto, em todo o Estado”, por consequência, ignorar possíveis estudos técnicos no sentido da total ineficácia do chamado controle populacional por meio do extermínio de animais (e, ao fazê-lo, desprezou a real proteção dos animais, a ética, o direito animal ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o direito à vida, o direito à vedação da crueldade).

Não obstante, menos de um mês do início de sua vigência, a citada lei paulista de nº 16.784/2018 também foi objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade no STF (ADI nº 5977) por iniciativa do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), julgada parcialmente procedente por maioria de votos, o que na realidade não influenciou em nada a situação dos animais no sentido protetivo. Essa legislação não protege os animais da caça.

Portanto, a legislação vigente já permite o controle populacional, manejo ou erradicação de espécie declarada nociva ou invasora (controle esse que hoje é feito através da caça, ou seja, de modo antiético e ineficaz). Ao que parece, a ineficácia desse tipo de “controle populacional” acontece, em certa medida, porque as autoridades públicas continuam sem enxergar novas possibilidades que excluem essa cultura desnecessária e violenta da matança de animais.

Saiba mais: PODCAST SABER ANIMAL #001 – CAÇA

A excepcionalidade da caça no sistema jurídico brasileiro continua possível para particulares “desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente”, assim como a caça para fins científicos, em conformidade com as leis federais de nºs 9.605/98 e 5.197/67.

Portanto, é falsa a alegação de que agora está havendo “golpe contra os animais” na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) por ocasião de projeto de lei, apresentado também em 2018 (PL 558/18) que versa sobre o mesmo tema.  

Apelar na causa animal para a eterna e enfadonha responsabilização de partidos políticos é fugir de um debate qualificado e concreto que precisa ser enfrentado (controle ético dessa população animal, p. ex.), especialmente por quem se propõe a defender os animais no parlamento! Onde estão as propostas? Falar de especismo em certos locais e momentos é ficar no raso, é usar de evasiva.

Às vezes bastam um ou dois cliques e alguns poucos minutos de leitura para checarmos as informações que nos chegam através da internet. Em ano de eleição, vale tudo nas redes sociais. Acreditamos que esse cuidado é absolutamente indispensável para todo e qualquer ativista que milita pelos animais e ainda assim podemos nos equivocar. Nós do Saber Animal procuramos estar sempre atentos e, sempre que possível, fazer a diferença em meio ao turbilhão de informações.

O Projeto de Lei (PL) de nº 558/2018 foi aprovado em 8.9.2020 na forma do substitutivo apresentado pela Comissão de Meio Ambiente. Por oportuno, compartilho informação que também consta nas redes sociais da ALESP: o PL nº 558/18 teve seu requerimento de urgência (para ser posto em votação) apresentado em 24.4.2019, sendo votado na sessão ordinária do dia 8.9.2020 sem qualquer oposição, sem discussão, sendo assim aprovado o tal requerimento. Pelo que pude acompanhar, nenhum parlamentar se manifestou contrariamente ao tal PL que, por sinal, ainda segue tramitando na ALESP (distribuído em 9.9.2020 para a Comissão de Constituição, Justiça e Redação e possivelmente ainda será incluído em pauta para recebimento de emendas).

Ainda que existam as famosas articulações políticas, o que não se nega, quando ela acontece dentro das regras do jogo democrático não podemos falar em golpe. Talvez “má escolha” dos que ali foram colocados pelo povo paulista, mas isso é uma outra história. O trabalho parlamentar é desenvolvido conforme o Regimento Interno da Casa, com observância à sistemática jurídica aplicável à Administração Pública. O nome da omissão deliberada de todos os partidos e parlamentares com relação a representação dos animais não humanos, à garantia dos seus direitos, chama-se falta de vontade política, não golpe.

O trâmite do PL 558/2018 ainda não terminou e ele não amplia a caça! Quem afirma o contrário está espalhando fake news. Pelo contrário, a sua redação atual exclui as espécies da fauna silvestre nativa brasileira da sua incidência. Está tudo acessível no site e nos canais da ALESP.

A caça continua restrita às mesmas hipóteses legais e em caráter excepcional conforme exposto, de modo que essa nova proposição legislativa estadual busca regulamentar prática que atualmente já existe no estado de São Paulo, qual seja, a modalidade de caça para o chamado controle populacional de espécie silvestre exótica declarada nociva ou invasora.

Atualização em 05/11/20: o PL 558/18 foi sancionado e tornou-se a Lei Estadual nº 17.295, de 22/10/2020 que teve sua eficácia suspensa mediante liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de SP, a requerimento do partido AVANTE, ou seja, está temporária e totalmente proibida a caça no Estado de SP, até segunda ordem do Judiciário Paulista, inclusive a citada lei nº 16.784, de 28/06/2018, de Roberto Tripoli – PV. As deputadas e deputados paulistas que se elegeram com a bandeira da defesa animal irão fiscalizar o cumprimento da ordem judicial?