Ao ouvir ou ler a palavra corrupção, provavelmente a primeira coisa que vem à mente é desvio de dinheiro público. Aquelas cenas clássicas de milhares de reais sendo apreendidos pela polícia, os carrões de luxo sendo guinchados de mansões que indicam um elevado padrão de vida etc. Pois bem, num país em que isso ocorre tantas e tantas vezes nas mais variadas instâncias de poder político e financeiro, seja na figura de agentes públicos ou privados, pode ser normal que assim seja.
Mas a palavra corrupção não se limita a isso. É uma coisa quase antiquada, eu sei, mas vamos ao dicionário. Existem muitos dicionários diferentes, então, vou escolher um, o Houaiss, para identificar as acepções (palavras podem ter diversos significados) da palavra corrupção para avançarmos nesta discussão que o Saber Animal vem tratando já há algum tempo de formas variadas:
CORRUPÇÃO (1344 cf. IVPM)
substantivo feminino
ato, processo ou efeito de corromper(-se)
1 deterioração, decomposição física, orgânica de algo; putrefação ‹c. dos alimentos›
2 modificação, adulteração das características originais de algo ‹c. de um texto›
3 fig. depravação de hábitos, costumes etc.; devassidão
4 ato ou efeito de subornar uma ou mais pessoas em causa própria ou alheia, ger. com oferecimento de dinheiro; suborno ‹usou a c. para aprovar seu projeto entre os membros do partido›
5 emprego, por parte de grupo de pessoas de serviço público e/ou particular, de meios ilegais para, em benefício próprio, apropriar-se de informações privilegiadas, ger. acarretando crime de lesa-pátria ‹é grande a c. no país›
6 jur disposição apresentada por funcionário público de agir em interesse próprio ou de outrem, não cumprindo com suas funções, prejudicando o andamento do trabalho etc.; prevaricação
Viram? Apenas na quarta acepção temos algo que é aquilo que imaginamos ser o mais comum em nossa sociedade. Sim, a corrupção acontece em larga medida. Depois do monstro da inflação que tomou conta do nosso imaginário nos anos 80 e início dos 90 do século passado, o monstro da corrupção assumiu o seu lugar de modo acachapante. Os problemas dos brasileiros, então, podem ser basicamente resumidos em uma única palavra: corrupção.
Só não é tão simples assim… Na verdade, trata-se de uma narrativa, como tantas outras, que predomina na imprensa, nas novelas, nas rodas de conversa, por ter sido este o inimigo escolhido (pelas elites que controlam o país) para nos ocuparmos disso. Cada época tem o seu vilão. As emergências climáticas, por exemplo, nunca pintaram por aqui (a despeito da ECO-92) com essa mesma força que a corrupção tem, para ficar num único exemplo, e vejam o estrago que elas (as emergências climáticas) estão fazendo, ceifando vidas humanas e não humanas de forma cada vez mais acelerada em incêndios, inundações, secas e toda sorte de desequilíbrio nos mais diversos ecossistemas.
As primeiras acepções da palavra corrupção tem mais relação com aquilo que quero destacar com esse texto. Em especial a segunda, que indica que algo original foi adulterado, no caso, a causa animal e, em certa medida, também o veganismo:
2 modificação, adulteração das características originais de algo ‹c. de um texto›
A causa animal é internacionalmente reconhecida. Ela basicamente combate a exploração animal que se dá das mais variadas formas e tem forte caráter emotivo, pois envolve as vidas de pessoas não humanas que são exploradas e tiradas literalmente aos bilhões todos os anos em todo o planeta. Ver animais sendo abatidos ou torturados para a satisfação dos caprichos humanos deixa muitos completamente destroçados emocional e psiquicamente. É no ativismo que justamente muitos encontram forças para seguir em frente depois de tomarem conhecimento das atrocidades que fazemos com as outras espécies.
A causa animal, portanto, cobra um alto preço de seus adeptos: ver ou testemunhar tanto sofrimento é algo que deixa marcas profundas em todos nós.
Ativistas da causa animal, além de pressionar a sociedade por mudanças, também buscam nos políticos e nos candidatos (nossos representantes dentro do sistema democrático) alguma forma de diálogo para que pautas relevantes à causa animal sejam levadas a sério e se convertam, quando for o caso, em uma lei ou em ações por parte do Poder Executivo. Ora, eis que muitos notaram, então, que existe um eleitorado que estava sendo quase que praticamente ignorado e que seus votos poderiam ser angariados caso a causa animal encontrasse eco no Senado, no Congresso, nas Câmaras Municipais…
Dito e feito! O que estamos testemunhando agora em 2020 é uma verdadeira onda de pessoas aderindo à causa animal das mais variadas formas. E já que é assim, listo dez pontos que devem ajudá-lo(a) a se orientar e ver as vantagens e desvantagens desse contexto. Vamos lá!
1. O linchamento Aqui e Agora
Não é tão difícil assim encontrar vídeos na internet em que ditos protetores de animais interpelam supostos agressores de forma violenta e que beiram o linchamento. Eles gritam, cercam, chamam para a briga, expõem as pessoas e seus endereços na internet… Uma devassa completa! A violência só tem limite com a chegada da polícia em muitos dos casos. O espetáculo não tem relação com a segurança e proteção dos animais: ele serve apenas de material para marketing político, quando essas figuras, que lançam mão desse tipo de artifício, vão explorar esse material para angariar votos.
Essa postura autoritária (e que às vezes se personifica numa autoridade!), que exige uma satisfação imediata após uma série de ameaças, sempre esteve no gosto do eleitorado reacionário do país que, quero crer, não é a maioria nesta nação. Emula-se, isto é, imita-se também o formato de telejornais policiais em que a miséria alheia é explorada até a última gota – de sangue ou não. Foi assim com o caso do cão Manchinha morto por um segurança de um supermercado, por exemplo. Sua morte tem sido explorada exatamente nesse sentido.
Também não é possível verificar se o número desse tipo específico de agressores de cães e gatos em ambiente doméstico ou em estado de abandono seja tão elevado assim sem algum estudo sério sobre o tema. O mais provável é que esses agressores de animais configurem uma minoria dentro da sociedade. O espetáculo armado por esses candidatos, e até por políticos já eleitos, dá uma outra dimensão a esses casos durante essas abordagens sensacionalistas.
Daí que o ódio e desejo de morte para humanos agressores de animais não humanos é uma forma de corrupção da causa animal.
2. Levantando peso e votos
Se antes tínhamos as famigeradas mulheres-frutas que davam ênfase da cintura para baixo dos seus corpos na luta por votos, hoje temos muitos candidatos homens que se exibem da cintura para cima, inundando as redes sociais com suas imagens, para conquistar votos de mulheres que se importam com os animais e também se encantam com os candidatos. Vale lembrar que o Fernando Collor de Mello ganhou muitos votos por ter sido considerado bonito à época!
O vazio político em ambos os casos é o mesmo: se as mulheres-frutas não tinham propostas e queriam apenas serem eleitas, os homens que exibem seus músculos querem a mesmíssima coisa. A diferença é que as mulheres exploravam o interesse dos homens em seus corpos e os homens exploram os animais e os interesses das mulheres em seus corpos. As mulheres-frutas, ora vejam, tinham pelo menos uma vantagem moral sobre os supostos protetores homens da atualidade: não exploravam os animais.
A corrupção da causa animal aqui vem na apropriação da ação de proteger animais resgatando-os de situações humilhantes ou degradantes que parte de protetores (os não acumuladores) que buscam a adoção dos animais resgatados ou que eles sejam destinados a santuários ou abrigos adequados. Usar o resgate de um animal não humano como material de marketing político é abjeto…
O perfil desse tipo de candidato geralmente é de homem, branco, hétero e de direita que, nitidamente, não cultiva valores compatíveis com a causa animal tais como: o antirrascismo, o antisexismo e o antiespecismo.
3. Farejando populistas
Você deve se lembrar de um sem número de políticos que posam para fotos segurando criancinhas. Esse é um gesto batido, mas símbolo de que o candidato se importa com o futuro da nação, afinal, as crianças vão herdar todas as nossas ações daqui a alguns anos. Situação idêntica acontece com os animais: muitos políticos seguram cachorros no colo e posam para fotos na busca pela conquista do voto para ingressar no mundo político ou apenas buscam reeleição. Os animais, como as crianças, não sabem que vivenciam esse contexto político e não têm saída a não ser posarem ao lado de pessoas interessadas tão somente em poder.
Assim como é possível ver milhares de crianças ainda espalhadas pelas ruas das cidades tentando conseguir alguns trocados para sustentarem a si mesmas e suas paupérrimas famílias, também vemos milhares de cães, gatos, cavalos, jumentos abandonados perambulando pelas ruas em busca de comida, abrigo e algum afeto. Se sempre houve a promessa histórica por parte da esquerda brasileira em acabar com esse flagelo das crianças de rua, agora temos a direta e a extrema-direita, historicamente alheia às crianças, se importando, falsamente, com os animais que padecem de cuidados. Não que políticos e candidatos políticos de esquerda também não acenem timidamente à causa animal, mas não é pauta relevante e digna de atenção de suas lideranças.
Nesse sentido, o espetáculo grotesco da cerimônia de sanção da Lei 14.064/20, que ocorreu no dia 29/9/20, conhecida como Lei Sansão, traz à luz mais um aspecto da corrupção da causa animal. O nome da lei é uma referência a um cão que teve suas patas traseiras decepadas e que, vejam só, participou também da cerimônia que sancionou a lei em sua “homenagem”. Cães, como sabemos, não precisam desse tipo de coisa… Enfim, o que vale notar é que as falas do Presidente e do Deputado Federal autor do Projeto de Lei se coadunam justamente no espírito punitivista de ambos.
Não sei o Sansão vai entender aqui, né? Au, au! Quer dizer parabéns, Sansão. [O Presidente Jair Bolsonaro (sem partido), falando com um cão em cerimônia oficial no Planalto.]
A intenção da Lei é que autores de maus tratos contra cães e gatos, apenas cães e gatos mesmo, possam ficar até cinco anos na prisão se condenados. O Brasil, vale lembrar, é o país com a terceira população prisional do mundo! Jovens, pretos e pobres constituem a grande maioria dos detidos – milhares a espera de um julgamento. Trata-se tão somente de populismo uma lei que visa colocar mais pessoas na cadeia e que ignora as razões para que os maus tratos aconteçam e que ignora totalmente o sofrimento animal que também ocorre na indústria da carne, na pesquisa dita científica (incluindo cães e gatos), na indústria da moda etc.
Todos sabemos que há um clamor por parte da sociedade que quer pôr mais e mais gente nas cadeias mesmo sabendo que elas não resolvem os problemas, na verdade, elas até os amplificam – veja o PCC, por exemplo. Esse espírito reacionário ganhou corpo e volume desde 2016, quando da ascensão de um político obscuro e caricato de extrema-direita que faz parte do baixíssimo clero da nossa política partidária.
A bajulação para com a Primeira Dama, Michelle Bolsonaro, que chegou a colocar um apelo em suas redes sociais para que o marido presidente sancionasse a lei, foi só mais uma das diversas cenas patéticas da cerimônia. Não menos patético foi uma live do Presidente Jair Bolsonaro que tratou do assunto, vejam só o simbolismo da coisa, com uma criança de dez anos sobre se pessoas que agridem animais deveriam passar mais tempo na cadeia.
“Dá para você entender o que são dois anos de cadeia? Dá para você entender uma pessoa ficar dois anos atrás das grades porque uma pessoa maltratou um cachorro? Lógico que temos pena do cachorro, ficamos tristes, a pessoa tem que ter uma punição, mas dois anos… Dois a cinco anos? (…) Três anos de cadeia, em média, é pouco ou muito para quem maltrata um cachorro?”, perguntou o presidente à criancinha. A criancinha respondeu: “Eu acho que é muito pouco, viu? Porque coitados dos animais, gente. A gente tem que cuidar do animal, não tem que maltratar ele”.
Esta lei já foi esmiuçada por Vanice Cestari em 5/9/20, quase um mês antes, e pode ser plenamente compreendida em um contexto muito mais amplo que o noticiado pela imprensa e ecoado por ativistas e simpáticos à causa animal.
Saiba mais: DA SÉRIE PROJETOS DE LEIS CAPENGAS, por Vanice Cestari.
O populismo, então, é uma via para a corrupção da causa animal. Fique atento!
4. Plataformas obscuras com listas de candidatos(as)
Não chega a ser novidade algo do tipo, mas pintou no cenário um conjunto de sites que indicam quais candidatos(as) são confiáveis ou não dentro da causa animal. Alguns sites oferecem cartas compromissos para que tais candidatos(as) assinem e não se desviem de suas intenções iniciais quando buscavam os votos para a primeira eleição ou mesmo a reeleição.
O que pega nesse ponto não é nem o gesto de ajudar o eleitorado a identificar candidatos do seu interesse, mas de eliminar a etapa de avaliação crítica do candidato que deve ser feita exclusivamente pelo eleitor. Se candidatos são oferecidos e entregues a você com uma espécie de selo de qualidade é altamente recomendável desconfiar!
Cartas compromissos não tem valor legal algum. Elas não orientam votações e são puramente simbólicas. Temos casos de prefeitos de grandes cidades que assinaram cartas compromissos indicando que ficariam em seus cargos até o fim do mandato, mas na primeira possibilidade de participar de uma nova eleição eles pulavam fora alegando que havia um clamor popular para que um prefeito se candidatasse a governador, por exemplo.
O próprio teor da carta compromisso não passa pelo escrutínio da sociedade (e nem mesmo dentro do movimento da causa animal) e podem ter origem obscura, não sendo possível identificar seus autores e suas intenções. A seleção dos candidatos e candidatas também pode não ser transparente e os critérios para figurar na lista podem ser de qualquer ordem. É simplesmente impossível saber.
Assinar uma carta, em que ela própria pode ser, de largada, uma corrupção da causa animal quando propõe coisas que prejudicam os animais não humanos de qualquer espécie ou quando fazem candidatos a se comprometerem com questões fora de suas alçadas, não garante que o candidato será honesto e cumprirá com suas promessas (as condizentes e as possíveis de serem cumpridas, diga-se).
Pesquise ativamente pelo(a) candidato(a), não deixe essa responsabilidade que é sua na mão de outras pessoas que você, provavelmente, nem conhece ou que só conheceu através de redes sociais…
5. O veganismo estratégico na política?
Não poderia deixar de falar de uma espécie de posicionamento que também é muito conhecido e se dá pelo tal veganismo estratégico. Aliás, algo bastante parecido com o toma lá, dá cá que observamos na política nacional.
Esse “veganismo” é uma corrupção do veganismo. Às vezes é difícil perceber como isso se dá por conta do jogo de palavras: veganismo é bom e estratégia é algo que pode ser bom também. Veganismo + estratégia só pode ser algo que tende a dar certo. Certo? Errado… O veganismo estratégico propõe, entre outras coisas, a suspensão do boicote, ferramenta essencial dos ativistas para mobilizar a sociedade e torná-la consciente, de marcas que exploram os animais para que se mergulhe de cabeça no consumo de produtos “veganos” com origem em empresas que administram os maiores matadouros do mundo!
Daí que muitos candidatos podem estar se apresentando como veganos e isso, por si só, não é garantia de que eles sejam veganos de fato, pois é impossível saber dos seus hábitos de vida, e ser vegano(a) não significa que essa pessoa se importa com animais (pessoas entram e às vezes saem do veganismo alegando seus motivos diversos). Há veganos e veganas que só se preocupam com a sua própria dieta.
Saiba mais: POR QUE AS “PRINCIPAIS” ONGS “VEGANAS” E OS “PRINCIPAIS” ATIVISTAS “VEGANOS” ESTÃO TODOS ERRADOS?, por Fabio Montarroios.
Nessas eleições de 2020 temos pelo menos três ou quatro candidatos que se declaram como veganos em seus nomes que aparecerão na urna. É um número ínfimo e que talvez apenas demonstre o pouco apelo que o veganismo tem na sociedade brasileira ou que, como mote para eleições municipais, não é capaz de atrair o eleitorado vegano que talvez esteja mais atento aos candidatos protetores de animais.
6. Desconfie do que chega pelas redes sociais
Números expressivos de milhares de seguidores em redes sociais, infelizmente, funcionam hoje como uma espécie de selo de qualidade. É estranho, mas é assim mesmo. Basta alguém ou alguma empresa ter milhares de seguidores para ela ser mais relevante que outras com menos seguidores.
Conseguir seguidores de modo orgânico, isto é, sem pagar um centavo pelas postagens ou pelos likes, em redes sociais é algo que leva tempo (anos) para acontecer e demanda muito empenho e dedicação (uso intenso das redes sociais).
Notadamente, muitas páginas surgem e depois de apenas pouco tempo e poucas postagens elas já possuem milhares de seguidores. Isto só é possível de modo artificial (pagando por likes e seguidores à empresas que prestam esse tipo de serviço através de processos automatizados) ou impulsionando. De uma forma ou de outra é preciso dinheiro para custear essas ações. Páginas de grupos sem identificação clara e que espalham mensagens fofinhas de animais por aí há aos montes e muitas delas possuem origem incerta. Não é possível saber quem está por detrás delas. E mesmo quando isso é possível não se sabe como elas são mantidas e financiadas.
É um mundo sinistro que contribui de modo acelerado para a corrupção da causa animal e da nossa própria democracia, transformada muitas vezes em postagens que basicamente desinformam ou manipulam pessoas verdadeiramente interessadas na causa animal ou mesmo no veganismo. O cuidado com essas páginas deve ser o mesmo para páginas que propagam fake news, pois seus métodos são similares, quando não os mesmos.
7. Cuidado com candidatos(as) que usam apelidos
Em todo o país são 258 candidatos a vereador e 1 a prefeito cadastrados no Tribunal Superior Eleitoral que usam nos nomes que aparecerão nas urnas eletrônicas no dia da votação em novembro a alcunha de PROTETOR ou PROTETORA.
Obviamente há mais candidatos que também se identificam ou atuam na causa animal e que não usaram nada que pudesse identificá-los imediatamente. De todo modo, esta amostragem serve para percebermos que dos 553.380 mil candidatos a vereador e prefeito em todo o país, apenas uma minúscula fração está disposta a atrelar seu mandato de forma mais forte à causa animal. Eles, provavelmente, representam outros protetores em suas cidades e tentam também angariar votos das pessoas que se importam, basicamente, com cães e gatos que estão abandonados nas ruas.
É um número relativamente baixo, especialmente pensando que se trata de todo o país! Mesmo assim, fica evidente, pelo menos nos Estados de São Paulo e Minas Gerais, que concentram o maior número de candidatos com a alcunha de protetor(a), há um número razoável deles que enxergaram na causa a possibilidade de acesso ao poder legislativo.
Mas é justamente aí que mora o perigo: como saber se o candidato(a) é, verdadeiramente, protetor(a)? Será necessário, no mínimo, pesquisar. E mesmo que o resultado da pesquisa seja positivo, ainda será necessário avaliar o que o candidato ou candidata pretende fazer se eleito(a), se ele ou ela sabe quais são as atribuições de um vereador ou prefeito, se ele tem um passado limpo, qual a sua trajetória na causa que diz representar etc. E os outros animais que não nasceram cães ou gatos?! Esses “não merecem” proteção? São alguns fatores que uma breve pesquisa ajuda a elucidar. É importante que a pesquisa seja feita pelo nome do(a) candidato(a) e não pelo apelido.
Muitos protetores de animais trabalham e atuam com sinceridade e grande entrega à causa. Alguns atingem um nível até perigoso de abnegação da vida pessoal devido a sua devoção aos animais. Mas muitos “protetores” também são apenas acumuladores de animais e ao invés de ajudá-los os prejudicam ainda mais, fazendo os viver em espaços exíguos e sem as mínimas condições para uma vida saudável.
Ocorre que eles não promovem a adoção da grande maioria desses animais depois que os resgatam, o fazem de modo inadequado por falta de orientação ou falta de condições materiais e não conseguem custear os gastos com veterinários, limpeza e alimentação permanentes. Essas pessoas, mesmo que bem intencionadas, precisariam elas próprias de ajuda social do Estado para poderem se tratar e identificarem o que as levam à acumulação de animais.
Infelizmente, os protetores ao não preservarem a vida dos animais que pretendem ajudar, colocando-os em situações degradantes e comumente ignorando a proteção as outras tantas espécies de animais, também corrompem a causa animal…
8. Não existe democracia sem os partidos políticos no Brasil
Você se lembram um pouco das jornadas de junho em 2013? Provavelmente sim, a depender da sua idade, afinal elas mexeram de tal modo com o país que é praticamente impossível esquecê-las.
Elas não abriram as portas apenas para movimentos golpistas que tomaram forma em 2016, promoveu-se também a ideia de que os partidos políticos no Brasil são dispensáveis e que era possível seguir sem eles. O grito “sem partido” ecoou pelas ruas e resultou na maior crise de representatividade dos últimos tempos.
É mais que evidente que isto é uma mentira, pois nosso sistema eleitoral só funciona com os partidos políticos. Essa ideia falaciosa de que “o meu partido é o Brasil” serviu apenas, naquele contexto, para insuflar o antipetismo e alavancar partidos fisiológicos e nanicos, alguns com políticos caricatos como o próprio Presidente Bolsonaro, que se elegeu pelo inexpressivo PSL, um partido de direita.
O espectro político brasileiro não é dos mais claros e um mesmo partido, a exemplo do PSL, pode ser visto de formas variadas a depender dos parâmetros que os cientistas políticos usam. Pessoalmente, considero o PSL de extrema-direita. Mas para efeito de simplificação ficarei apenas com as designações esquerda, centro e direita na análise da amostragem que faço mais adiante no item 10.
Quando um candidato se apresenta ligado a um partido reconhecidamente vinculado a uma determinada ideologia, isto diz algo sobre ele. Você imagina um bolsonarista filiado ao PSOL? Ou você pode conceber um lulista filiado ao PSDB? Isso não acontece e não aconteceria, pois os próprios partidos não permitiriam…
Saiba mais: 🎙️ PODCAST SABER ANIMAL #008 – OS ANIMAIS NO JOGO POLÍTICO
No momento que um candidato escolhe um partido para lançar sua candidatura, ele pode até ignorar ou desconhecer os aspectos ideológicos do partido que escolhe, pois isso tende a ser mais comum em eleições municipais, que reúnem um número maior de candidatos e com níveis de escolaridade relativamente baixos, mas não é possível que uma noção mínima do que o partido representa não esteja em sua mente no momento da escolha, seja por afinidade ou conveniência.
Para candidatos de primeira viagem, as questões ideológicas podem nem fazer tanto sentido, pois o alvo é eleger-se e depois ele vê o que faz… Foi assim com o Deputado Federal Tiririca (PL-SP), por exemplo, que teve ampla votação e está filiado a um partido de direita… E a própria percepção do eleitorado do espectro político brasileiro pode ser incerta e quando estimulada, como foi na década passada, colocando os partidos políticos como desnecessários, as coisas podem ser ainda piores.
É fundamental que as propostas do(a) candidato(a) tenham alguma relação com o partido político ao qual ele ou ela se filiou, do contrário, é praticamente certa a corrupção da causa animal também por essa via.
Ah, e sempre que alguém ou representantes de algum partido disserem que acabaram com a corrupção (na quarta acepção), essas pessoas estarão mentindo, pois a corrupção é parte da nossa forma de vida em sociedade. Ela não está incorporada em uma pessoa ou partido político apenas; não, ela está em todos nós e depende da nossa própria vigilância em impedir que ela se manifeste ou se propague. Só os nossos sólidos valores morais podem mantê-la contida no seu devido lugar, isto é, apenas no campo da possibilidade. É algo que você poderia fazer, mas não o fará por saber que é errado, por saber que isso prejudica pessoas e animais não humanos, que é contra as leis etc.
9. Cadê a esquerda?
Nestas eleições de 2020, é possível perceber que a maioria dos candidatos e das candidatas que se apresentam como protetores ou protetoras está filiada a partidos de centro ou de direita. A minoria se vinculou a partidos de esquerda e isto pode ter duas explicações: afinidade ideológica dos candidatos e candidatas com partidos de centro e direita ou ainda estamos todos sob os efeitos de 2013-6, com aversão aos partidos de esquerda que foram, e são, demonizados desde àquela época, representando, eles próprios, a corrupção (na quarta acepção), a desordem, a roubalheira etc.
É curioso, pois a preocupação com os animais não humanos parece fazer mais sentido dentro do espectro ideológico da esquerda, que pensa de maneira mais enfática em políticas públicas e ações do Estado para um arranjo justo e digno das pessoas sem permitir que os efeitos deletérios de uma sociedade capitalista recaiam pesadamente sobre os desvalidos, desfavorecidos e despossuídos. A preocupação com os pobres, marginalizados, minorias e vulneráveis é uma bandeira histórica da esquerda e ela poderia ser muito bem estendida aos animais não humanos.
Alguns políticos de esquerda perceberam isso em 2018 quando da intensa e forte manifestação de diversos ativistas a favor do projeto de lei na Assembleia Legislativa Paulista que proibia o comércio de animais vivos por vias marítimas ou fluviais. O PL, diga-se, está parado… E, pelo que consta, pelo menos nessa mesma casa, há apenas uma candidata (num mandato coletivo) que ainda tem alguma relação com a causa animal. Ela, por exemplo, se colocou contra a comercialização de animais em Pet Shops quando esse tema foi alvo de uma CPI.
Observo também que a militância de esquerda sofre, historicamente, de agressões por parte das polícias nos Estados brasileiros. Essa sistemática opressão também afasta dos partidos adeptos ou simpatizantes da causa, pois quem quer acabar ferido ou até mesmo morto numa manifestação legítima?
Saiba mais: BOLSONARO E LULA ENTRARAM NUMA CHURRASCARIA. E DAÍ?, por Fabio Montarroios
A despeito do contexto atual, de aversão aos partidos de esquerda estimulada na última década, não é e não foi possível, em governos de esquerda, ver um interesse verdadeiro pela causa animal e talvez por isso sua baixa capacidade em atrair candidatos.
Vale sempre ressaltar que em nome do desenvolvimentismo, durante os anos de governo do PT na esfera federal, o número de animais mortos pela indústria da carne atingiu o valor estonteante de 63.380.178.432 bilhões (sem contar os peixes, o tráfico de animais, as pesquisas científicas, queimadas, desastres ambientais, abatedouros ilegais etc) de acordo com dados do Ministério da Agricultura. O Estado contribuiu para essa matança financiando abatedouros com farto crédito, por exemplo, e não se tem notícia de nenhuma política pública voltada aos animais não humanos até os últimos dias da administração do PT em nível federal.
Estamos, então, numa situação delicada com tantos candidatos vinculados a partidos fisiológicos (MDB) ou reacionários (PSL) que, de algum modo, passaram a atrair protetores de animais que parecem, em larga medida, se coadunarem com as propostas punitivistas como a da Lei Sansão ou são indiferentes ao jogo político das lideranças partidárias nos âmbitos federal, estadual e até municipal.
10. Mulher, branca e de direita
O perfil médio do candidato é o de uma mulher, branca e filiada a um partido de direita. Não dá pra cravar que os candidatos desse perfil sejam de fato de direita, por conta das questões que já abordei mais acima, mas é, pelo menos, um indício da feição que uma das pontas da causa animal, a proteção animal, tem no municípios brasileiros. Pode até ser, ainda no nível da especulação, que a própria primeira dama seja uma inspiração a essas mulheres, afinal ela é uma mulher, branca e de direita (e ela própria adotou um cachorro).
O punitivismo, o populismo, o analfabetismo político, a desinformação e as fake news, a orquestração contra os partidos de esquerda etc provavelmente ajudaram a direita e a extrema-direita a tornar o discurso da causa animal algo mais próximo de um discurso reacionário. Querer a morte, a tortura e a prisão de um agressor de animais é algo que vai nesse sentido (o desejo de prisão também ressoa na chamada esquerda punitiva) e encontra eco nas denúncias feitas por protetores de todo o país em redes sociais. Ler os comentários dessas postagens é ver o ódio em sua forma pura.
Partidos de direita: DC, DEM, PATRIOTA, PL, PODE, PP, PRTB, PSC, PSD, PSL, PTB, PTC e REPUBLICANOS. Partidos de centro: AVANTE, MDB, PROS, PSDB e SOLIDARIEDADE. Partidos de esquerda: CIDADANIA, PDT, PMN, PSB, PSOL, PT, PV e REDE. A divisão no espectro político é feita a partir de classificação segundo o site Congresso em Foco.
Num pequeno passeio pela história, não tão distante assim, até a Alemanha Nazista de Hitler (um exemplo ímpar de sistema político corrompido até a alma) tinha um severo código de proteção animal. Convenhamos, não vale a pena apoiar a extrema-direita, porque mesmo que a oferta seja a de uma proteção aos animais (dentro de uma visão deturpada do que é proteger animais, evidentemente), o custo seria o racismo, o preconceito, a xenofobia, a perseguição, as mentiras e o desejo de morte e destruição. Seria algo parecido como ver um líder de uma nação dar de ombros a uma pandemia ou dizer que não estamos vendo os animais e nossos biomas queimarem e ainda aplaudi-lo quando ele segura um cachorro no colo e sanciona uma lei inútil.
O mais desolador desse cenário é que o eleitorado, em tempos de redes sociais e aplicativos de mensagens que entregam conteúdos com desinformação e mentiras, está sujeito a realinhar o seu posicionamento ideológico baseado nesse tipo de material. Decorre que quanto maior a informação e quanto maior o interesse por política uma pessoa apresentar, maior a chance dela se definir ideologicamente. Nesse sentido, forças da direita e extrema-direita, que dominam e usam amplamente esses novos recursos de comunicação, deixando de lado, então, a televisão, o rádio e até mesmo os santinhos impressos, tem grande poder de influência. Parece ter sido exatamente esse o movimento que criou a onda bolsonarista que elegeu não apenas o Presidente Bolsonaro e toda sua família, mas muitos aliados e muitos candidatos que, à época, pegaram carona em suas propostas e personalidade autoritária. Se já tínhamos um eleitorado historicamente mais ao centro e à direita no Brasil, agora ele vem sendo rapidamente empurrado para a extrema-direita.
Faça diferente desta vez, eleitor(a)!
Caro(a) leitor(a) e eleitor(a): não entregue seu voto ao primeiro candidato que aparecer se identificando como Fulano ou Fulana Protetor(a), pois não tem como saber se a tal proteção é verdadeira e mesmo que seja isso não significa que essa pessoa tenha propostas relevantes. Não entregue seu voto a políticos que dizem, agora, carregar a bandeira da proteção animal sem antes fazer uma pesquisa sobre seu passado, suas ações. Cobre desde já suas propostas palpáveis, reflita sobre elas. Não entregue seu voto a políticos ligados a partidos da extrema-direita ou que dissimulam essa condição, pois esses partidos não tem qualquer consideração pelos direitos humanos, base do sistema democrático. Não vote em políticos que fazem promessas de hospital público para animais se não demonstrarem um plano efetivo de como o Estado vai construí-lo e, depois, mantê-lo funcionando ao longo de décadas. Não entregue seu voto aos fortões ou às bonitonas das redes sociais que aparecem agarrados com cães e gatos e se dizem totalmente engajados com a causa animal, porque, reparem bem, eles geralmente não têm propostas sólidas, mas apenas repetições de propostas que discriminam animais por sua espécie, frases de efeito e clichês baratos para oferecer. Enfim, não entregue seu voto tão fácil com intuito de ajudar os animais, afinal você também pode conseguir justamente o contrário: ser mais um(a) a corromper a causa animal.
Veja o que acontece com o próprio veganismo que já foi corrompido há muito tempo… Quando pessoas, famosas ou não, anunciam que uma empresa que mata milhões de animais todos os anos também vende produtos “veganos” e por isso atende ao público vegano, isto é uma corrupção do veganismo. Quando as pessoas, famosas ou não, dizem que um lugar que vende animais mortos para alimentação ou vestimenta também tem “opções veganas” vamos do mesmo jeito para o campo da corrupção. As “opções veganas” são, invariavelmente, uma corrupção do veganismo que não está limitado aos interesses exclusivos de uma pessoa. O veganismo, em sua definição clássica, é uma filosofia de vida que implica a não-exploração de animais não humanos nas mais diversas facetas da vida humana, ponto.
Agora, o que acontecerá com um sistema político quando ele é representado por analfabetos políticos? Provavelmente mais candidatos e candidatas se aproximando da direita e da extrema-direita… O que poderemos ver com mais intensidade depois das eleições de 2020 e 2022 se o estímulo ao desinteresse pela política e por partidos políticos, agora também na causa animal, continuar sendo estimulado na sociedade pelas forças obscuras…
As eleições estão chegando: preparem-se!
Texto parcialmente revisado por Vanice Cestari em 13/10/2020.
Atualizado em 7/11/2020. Acrescentado gráfico com a distribuição dos candidatos por partidos políticos e a divisão dos partidos políticos no espectro político brasileiro com respectiva classificação.
Atualizado em 26/11/2020. Corrigido o número (e gráficos) de candidatos com a alcunha de protetor(a) para 259.