🤔 Por que as “principais” ONGs “veganas” e os “principais” ativistas “veganos” estão todos errados?

O personagem Willy Wonka, interpretado por Gene Wilder, no filme A fantástica fábrica de chocolate (1971)

A pergunta lhe parece absurda, insensata e descabida? Ora, ora… Quando falam por aí, para ficarmos num exemplo que servirá de paralelo mais adiante, do quão absurdo são os ganhos dos grandes bancos brasileiros você tende a concordar, não é mesmo? Com exceção dos Faria Limers, nunca vi ninguém defendendo com unhas e dentes a capacidade de um banco ganhar dinheiro. Símbolos máximos do capitalismo, os bancos, talvez com exceção das fintechs (tipo o Nubank) que sabem como conversar com seu público alvo e atraem defensores ferrenhos, ninguém parece gostar tanto assim de bancos ou coisa que o valha. Mas o marketing é tão poderoso, mas tão poderoso que, veja só, algumas das marcas mais queridinhas e valiosas do Brasil são justamente… Bradesco e Itaú.

Em 2019, o Itaú, o Bradesco, o Banco do Brasil e o Santander faturaram 81 bilhões de reais limpinhos! Falta nessa conta a Caixa Econômica Federal, que ainda não tinha informado o seu naco, então, esse valor pode até ser bem maior. Impressionante, não? Se somássemos outros agentes do sistema financeiro certamente teríamos mais, mas paramos por aqui com essa cifra pra lá de expressiva.

(Imagine quantos animais seria possível salvar com 81 bilhões de reais? Pois é…)

Agora, se eu te disser que o setor da alimentação faturou 700 bilhões de reais (bilhões!), você ficaria impressionado? Difícil saber o quanto o setor lucrou, porque lucro e faturamento líquido são coisas distintas, mas já dá pra ter uma ideia razoável e posso chutar, com uma chance real de acerto, que os agentes envolvidos com alimentação lucram até mais que os banqueiros no Brasil! Não posso cravar, pois os bancos não fornecem facilmente o seu faturamento líquido (por quê?), mas é esse o meu palpite, afinal o comércio informal e os pequenos e médios negócios, os verdadeiros motores da nossa combalida economia, não necessariamente possuem conta bancária e também podem não figurar nesse bolo dos 700 bilhões de reais que, a princípio, reflete basicamente os ganhos da grande indústria da alimentação (aquela consolidada, formal e com inúmeros privilégios e incentivos fiscais!).

Agora, voltemos àquela pergunta capciosa do título: por que as “principais” ONGs “veganas” e os “principais” ativistas “veganos” estão todos errados? Mas antes de respondê-la, ou tentar respondê-la, vale explicar a razão para tantas aspas numa mesma frase. Não, meu teclado não está quebrado, apenas achei por bem usá-las numa maior frequência, porque quando vemos pessoas atribuindo a si mesmas e aos seus amigos um grau maior de importância que a própria causa animal, posso perceber que se trata de: ou autopromoção ou uma impressão equivocada de quem vive numa bolha cercada de seguidores que distribuem likes sem lá muito critério e que veem fadas sensatas por toda parte.

Bom, as “principais” ONGs “veganas” e os “principais” ativistas “veganos” que saíram aí com um tal de “veganismo estratégico” acham que empresas podem mudar se as pessoas apresentarem demandas sociais diferentes. Sim, isso pode acontecer em vários setores da economia e é algo que, de fato, acontece historicamente, mas não é o caso das empresas que exploram e matam animais.

Peguemos uma situação totalmente hipotética de uma rede de, sei lá, fast-food que por alguma razão decidiu fazer o bem depois de ajudar a tornar uma parte enorme da sociedade obesa e, consequentemente, doente (incluindo aí até mesmo o câncer). Eles, então, criam um dia super especial, cheio de good vibes, e pegam parte da arrecadação de suas várias lojas espalhadas por aí para uma ação mega positiva. Poderia ser algo como ajudar pessoas acometidas por uma doença praticamente incurável, vai.

Nossa, que ação bacana! Você ficou morrendo de vontade de ajudar, né? Mais aí, você, interessado no assunto, se dá conta que eles exploram e matam animais, mas tem um dia do ano que, com a grana de clientes altruístas que poderiam estar fazendo o bem de tantas outras formas, acreditam que optando por comer nessa rede, num dia específico do calendário, fazem mais do que poderiam fazer se, por exemplo, incentivassem o consumo em casa mesmo ou na vizinhança, nem precisa ir muito longe, de uma alimentação verdadeiramente saudável como é o caso da vegana.

Tentaram algo parecido em São Paulo há não muito tempo, mas em “favor dos animais” e não deu certo. Um deputado estadual quis fazer valer, em “restaurantes, lanchonetes, bares, escolas, refeitórios e estabelecimentos similares que exerçam suas atividades nos órgãos públicos”, a famigerada segunda-feira sem carne e a gritaria foi grande. Muitos não admitiram a ideia de que seriam impedidos de comer pedaços de um animal morto quando quisessem em tais espaços públicos, inclusive na segunda-feira. Apesar de apoio e da aprovação de muitos deputados que acharam a ideia, talvez, simpática e que poderia render votos no futuro, o pragmático governador do Estado de São Paulo vetou, porque, ora, ele era um representante dos ruralistas e não queria abrir um “precedente complicado“.

Essa ideia, de um dia da semana sem carne, se assemelha consideravelmente da situação hipotética que comentei mais acima, com uma rede de fast-food aliviando a barra vez ou outra, especialmente em seu intuito de permitir um “sacrifício” ou praticar uma “ética flexível” (sic) para as pessoas, ansiosas em querer espalhar o bem, poderem em um dia do ano ou um dia da semana praticar algo misericordioso pelos outros e pelos animais não humanos, mas nos outros dias e momentos estão liberadas para tocar o terror sem dó! A grande vantagem de ações e campanhas assim é que elas, de algum modo, aliviam a consciência das pessoas que as praticam. Mas melhor que isso, elas tornam marcas mais valiosas ou, quando usada por políticos, angaria votos de simpatizantes da causa animal e de ativistas sinceramente preocupados, mas que se veem sem saídas e acabam achando que é melhor apoiar o ruim do que deixar o pior prevalecer. De qualquer jeito, o saldo será negativo – especialmente para os animais.

Os dados da ABIA (Associação Brasileira da Indústria de Alimentos) não me deixam mentir no que tange os ganhos com a exploração animal: “As categorias que mais se destacaram em vendas reais foram as carnes, com aumento de 11,1%; derivados de cereais, chá e café, 5,6%; desidratados e supergelados (pratos prontos e semiprontos congelados e alimentos desidratados), 4,9%; e o grupo de diversos (molhos, temperos e condimentos, sorvetes e salgadinhos), 3,4%”. E reparem só nos alimentos com o menor desempenho no setor: “Tomando como base a evolução das vendas reais, as categorias com as maiores quedas foram o açúcar, 10,8%; óleos e gorduras, 4,7% e derivados de frutas e vegetais, com 4,1%”.

Saiba mais: A CRESCENTE MERCANTILIZAÇÃO DO VEGANISMO SEM ABOLIÇÃO ANIMAL, por Vanice Cestari

É disso que surge a situação igualmente bizarra quando poderosas empresas despontam no horizonte ofertando produtos “veganos” para a alegria dos “veganos”. Os produtos da Seara ou mesmo da Marfrig têm origem num dos extremos da exploração animal (a matança de bilhões deles) e elas apenas ganham mais quando atendem a carnistas e, claro, veganos em busca de opções quando legitimamente saem às compras. A linha “Incrível” da Seara ou a “Revolution” da Marfrig não podem ser veganas por mais que ostentem terem apenas vegetais como base para seus produtos ultraprocessados. Apenas e tão somente no plano do marketing é possível que determinadas operações ocorram: no site dedicado à linha “Incrível” da Seara não é possível encontrar nenhum link que aponte para a empresa Seara. Sabe por quê? Porque no site da Seara você se depara com um sem número de pedaços de animais mortos preenchendo todo tipo de prato. Um vegano, mesmo o mais iniciante, ficaria chocado com tal contraste – menos os “veganos estratégicos”, claro, porque esses desenvolveram habilidades especiais de não ficarem mais chocados com as ações das empresas que matam e destroem aquilo que eles dizem querer defender.

Cada um tem seu público e acho válido principalmente no intuito de inclusão. Muitas vezes em um grupo de amigos ou em uma família existe alguém que optou por ser vegetariano ou vegano, se não houver essas opções, essa pessoa vai estar isolada quando o programa for uma hamburgueria. Ou, talvez, o grupo deixe de ir à hamburgueria para comer em algum lugar que agrade a todos. O ideal é que as pessoas tenham opções. [Fernando Russell, dono de uma hamburgueria não vegana, em entrevista ao Nexo Jornal]

Agora, partindo para o plano de sustentação de narrativas falaciosas, quando uma pessoa diz que sua manifestação contrária aos ardis da indústria é apenas uma opinião pessoal, é porque ela talvez não entenda, com clareza e isenção de ânimo necessários, a diferença entre opinião e argumentação. Já tratei deste assunto aqui e deixo a referência mais abaixo, mas é evidente que marcas que visam o lucro dentro de uma sociedade capitalista e patrimonialista, sem nenhum tipo de preocupação verdadeira com o impacto social e ambiental que causam, usam termos como “sustentável” ou eventualmente “vegano” para limparem a própria barra ante o público relativamente consciente e investidores. A JBS (que valia R$ 4 bi em 2003 e passou a valer R$ 170 bi em 2016), veja só, que atua no setor que é simplesmente um dos principais responsáveis pela emergência climática na qual vivemos, é uma empresa elegível para compor o “Índice de Sustentabilidade Empresarial” (ISE). Percebem a nítida contradição aqui, certo? E, se não bastasse, até 2015 a Vale fazia parte desse índice de “sustentabilidade”. A Vale! Mas se vocês repararem bem, a Seara, por adotar de inteligência de marketing em suas ações, nem usa o termo vegano em seus produtos, pois sabe que não pode se ligar a essa palavra de forte caráter político, filosófico e simbólico, pois radioativa num ambiente dominado e orientado para a exploração e matança animal. Daí que o “veganismo estratégico” serve de fachada para o oportunismo de ambos os lados: dos “veganos” e das “empresas”. Quando uma empresa não vegana ainda assim usa o termo vegano em seus produtos, ela quer apenas esvaziar o significado dessa palavra.

Saiba mais: ATÉ UM HAMBÚRGUER É MAIS INTELIGENTE QUE VOCÊ, por Fabio Montarroios

E não adianta imaginar um cenário de crescimento de alimentos veganos suplantando a indústria da morte, pois, por mais que eles cresçam em vendas, sem a conscientização dos carnistas, que se dá via ações políticas de ativismo, a situação não sai muito do lugar, ou melhor, elas até aumentam as chances de lucros ainda maiores para quem já explora animais, conforme destaca a Bloomberg ao indicar que as ações de frigoríficos crescem apesar do sucesso dos produtos de origem vegetal nos Estados Unidos da América: “Embora substitutos à base de plantas representem apenas 1% do mercado de carne dos EUA, que movimenta US$ 86 bilhões, as vendas podem chegar a US$ 15 bilhões nos próximos cinco a sete anos, segundo a Hormel Foods, que lançou uma linha própria. Por ora, as empresas tradicionais não parecem temer a perda de clientes [para linhas de produtos veganos]. Além do movimento causado pela peste suína, a expansão da população global significa que a produção de alimentos precisa aumentar 70% até 2050, de acordo com estimativas da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês). O aumento da renda geralmente significa aumento do consumo de proteína [animal]”.

Daí que não te parece estranho que, apesar de existirem empresas e estabelecimentos que produzem produtos exclusivamente veganos, as “principais” ONGs “veganas” e os “principais” ativistas “veganos” preferem usar de sua influência e alcance para justificar e validar empresas que nitidamente não são veganas? Qual o sentido disso? Por que eles fazem isso? O que pretendem quando ao invés de louvar e enaltecer iniciativas veganas passam a buscar e observar que ativistas “veganos” (sempre homens brancos com discurso de autoridade) de outras nacionalidades, que fizeram ou fazem concessões éticas? Não seria melhor que as “principais” ONGs “veganas” e os “principais” ativistas “veganos” espalhassem o pensamento de vegans abolicionistas que almejam a libertação animal plena? E também de pessoas que se dedicam a vender produtos veganos de verdade? Veja como o depoimento do empreendedor Vicenzo Borin nesta postagem do Facebook faz todo sentido:

Quando veganos e ativistas optam pelo boicote dessas empresas (uma forma pacífica e eficaz de marcar posição e de tentativa de conscientização) e por não admitirem contradições tão evidentes quanto às oferecidas por empresas que exploram animais, eles dizem um sonoro não aos encantos do capitalismo que, a despeito de qualquer expectativa, continuará fazendo o que sempre busca fazer: incorporar todas iniciativas de subversão e transformá-las num produto para lucrar mais e mais. E quando isto não é possível, seu agente protetor, o Estado, trata de criminalizar práticas libertárias.

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E, bom, já que é para sairmos do campo da “opinião pessoal”, como parecem preferir alguns, faça, então, uma escolha simplesmente lógica: ou você é “vegano” ou você é vegano. É bem simples, na verdade.