🗞️ Há um século a legislação brasileira considera a senciência animal

gato sem raça definida
Belle, a gata

Diego, Margarida e outros 21 gatos representados por sua guardiã humana são autores de um processo judicial movido contra duas construtoras onde se busca indenização por danos morais e materiais.

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Sim, os gatos podem! E mais do que se decidir se gatos podem ou não figurar no polo ativo de uma ação (um tanto irrelevante essa discussão), espera-se que se reconheça os direitos de todos os gatos (e de quaisquer outros animais necessitados)! Engana-se quem pensa tratar-se de uma aventura jurídica ou de “polêmica”, tampouco que os animais não teriam direitos porque são coisas para o Direito.

Saiba mais: REESTABELECIDO O DIREITO À LIBERDADE DO INDIVÍDUO GATO, por Vanice Cestari

É que o Direito é uma área ampla do conhecimento jurídico que se desdobra em diversas especialidades e a temática dos Direitos Animais não pode ser explicada sob a ótica dos civilistas, pois estes atuam na esfera de interesses privados humanos, sobretudo na defesa patrimonial (reproduzindo os dogmas do antigo Código Civil de 1916). Exemplificando em outras palavras: não se consulta um civilista para questões jurídicas ambientais, assim como não é recomendável consultar um pecuarista para opinar sobre os direitos dos animais e assim por diante.

Embora um tanto inovadora a ação judicial cujos autores são gatos (por certo a tutora é pessoa física e não membro de ONG) e talvez esse seja o motivo maior de estranhamento de profissionais do direito não familiarizados com a defesa animal, a questão posta tem mais a ver com aplicação e interpretação legal, presença ou ausência de preconceito e conhecimento técnico (e menos com falta de previsão legal para a garantia dos direitos dos animais).

Isto porque, há um século, a legislação nacional brasileira (art. 5º do Decreto nº 14.529/1920) já reconhecia que os animais não humanos (na linguagem moderna) são seres sencientes porque passíveis de sofrimento provocado por condutas humanas e assim, não havia possibilidade de autorização do uso de animais para diversões humanas em casas públicas.

A capacidade de sofrer maus-tratos, abuso e crueldade desde sempre foi considerada pelos legisladores pátrios, sendo que em 1934 a proteção do Estado foi estendida a todos os animais, sem qualquer distinção de espécie e atividade exploratória. Ora, coisas ou bens não sofrem, certo?

Decreto-Lei nº 24.645/34 (em vigor)

Art. 1º Todos os animais existentes no país são tutelados do Estado.

Art. 2º, § 3º Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais.

Desse modo, a possibilidade jurídica dos animais estarem presentes em juízo por meio de seus representantes legais é expressamente permitida desde 1934 e, posteriormente, a vigente Constituição da República (1988) elevou a tutela dos animais ao patamar de norma constitucional, prevendo direitos fundamentais aos animais.

Portanto, a propagação da ideia obtusa de que “animal é coisa” para o Direito só pode vir de pessoas leigas, de profissionais conservadores do direito, de civilistas ou desconhecedores do sistema jurídico como um todo ou, é claro, dos interessados na perpetuação da exploração animal para manutenção de privilégios e interesses próprios.

Saiba mais: CARTA POLÍTICA ANIMALISTA, por Vanice Cestari

Espera-se que a sociedade, os operadores do direito e o Poder Judiciário, quando acionado, respeitem e façam valer os direitos dos animais sem mais delongas, abandonando o elevado grau de discriminação chamado especismo, à semelhança do sexismo e do racismo.