😮 Bolsonaro e Lula entraram numa churrascaria. E daí?


Um tweet do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixa claro que ele e a esquerda, que ecoa a questão reiteradamente, estão muito preocupados com o quanto a população brasileira paga pela carne de animais sencientes abatidos para consumo humano, uma prática desnecessária, covarde e cruel. Ora, até aí nenhuma novidade, porque foi assim durante todos os anos de administração petista, a começar com o problemático programa Fome Zero (que ainda será alvo de atenção da nossa parte). Vale muito a pena, então, refletirmos um pouco quando Bolsonaro e Lula entram numa churrascaria.

O Partido dos Trabalhadores (PT) não demonstrou ter interesse pela causa animal enquanto esteve no poder. Apenas no embate contra Jair Messias Bolsonaro (ex-PSL), nas últimas eleições de 2018 tivemos, nas propostas do partido, já com o Lula fora da campanha por ter sido injustamente preso em operações nitidamente políticas para desbaratá-lo do que poderia ter sido mais uma vitória eleitoral sua, a criação de um órgão federal de proteção animal pelo então candidato Fernando Haddad (PT). E, pelo que consta, foi o único candidato a propor algo do gênero entre os candidatos de esquerda.

Muito se deve ao fato da filha do professor ser vegana (ver vídeo abaixo) e, por conta disso, ter influência sobre o que pai pensa nessa área. Eu mesmo encontrei o ex-prefeito (com certeza um dos melhores prefeitos que a cidade de São Paulo já teve) jantando num restaurante popular vegano ano passado (2018). Votar no Fernando Haddad, para mim e para muitos animalistas abolicionistas, foi uma escolha óbvia, apesar do PT não ter para si a bandeira da proteção animal assim como sempre teve orgulho de levantar outras bandeiras igualmente progressistas.

O vídeo está disponível e pode ser visto ao clicar na frase acima “assista a este vídeo no Youtube”!

Bolsonaro, por sua vez, representou não só a repulsa total pela democracia (ironicamente, já que eleito graças ao regime democrático) e a obsessão pela violência, que grande parte do seu eleitorado já exibira durante o processo de impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff (PT) que sucedeu um golpe político arquitetado por Michel Temer (PMDB) e aliados do baixo-clero. Ele também era o anti-PT perfeitamente encarnado. Toda sua medíocre e longeva vida pública de político profissional se escorou em críticas vazias aos adeptos da ideologia de esquerda (como se isso fosse um tipo de crime) por intermédio do ódio, do escárnio e da ignorância. A influência que seus filhos exercem, diferentemente da filha do ex-prefeito, como todos podemos ver, é prejudicial para a nação e para a causa animal, consequentemente.

Em vídeo, Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, fala da caça ao javali.

E era só isso que ele (e os filhos políticos), tinha a oferecer para seus milhares de eleitores que o elegeram deputado por quase 30 anos, porque todo o resto da complexidade da administração pública, agora como presidente, foi empurrada para um time dito “técnico” em seus ministérios (daí você observa a atuação dos ministros e se dá conta da falácia tão mal disfarçada especialmente na figura de Ricardo Salles). Ao longo do seu mandato de presidente, ele também incluiu em seu repertório o uso abundante de mentiras como método (os filhos ajudam, claro). Sua tara indisfarçável por militares e torturadores é questão para a psicanálise, mas ela também serviu para construir sua imagem autoritária e zombeteira. O estilo “gente como a gente” faz parte dessa zombaria, afinal ele mora em um condomínio de luxo e vive de altos rendimentos pagos pelo povo. Daí que a boçalidade de Bolsonaro realizou, enfim, o desejo de morte de milhões de seus eleitores: seja de gente, seja de animais.

Veganos e ativistas pelos direitos dos animais que votaram em Bolsonaro, seja pelo antipetismo, seja por discordarem do que pensa e faz a esquerda brasileira de modo geral, ajudaram diretamente a nos colocar numa situação em que os parcos direitos dos animais não humanos estão ainda mais severamente ameaçados (em todas as esferas e não só a federal, já que seu estilo contaminou todo o meio político). Bolsonaro curte fervorosamente tanto os rodeios quanto a caça e também churrascos. Bolsonaro pesca (mata peixes, para ser mais explícito) em áreas protegidas. Bolsonaro enxerga os bichos como pragas se estes não forem úteis de algum modo àqueles que sustentam seu governo politicamente, ou seja, os ruralistas e a bancada da bala.

Jair Bolsonaro defende o abuso de animais em vídeo. Ao fundo o seu sinistro filho, Carlos Bolsonaro.

O presidente (com “p” minúsculo mesmo) Jair Bolsonaro foi, em suma, a pior das piores opções para quem se importa minimamente com os animais e com os direitos humanos. Se não bastasse, Bolsonaro sente desprezo por indígenas, pelo meio ambiente, por movimentos e causas sociais legítimas, por direitos trabalhistas e previdenciários, por professores, escolas e universidades e por tudo aquilo que possa soar minimamente razoável e verificável. Seu guru e autoproclamado filósofo, Olavo de Carvalho, orgulha-se de caçar ursos na Virgínia (EUA) e de dizer todo tipo de aberração. Bolsonaro sente repulsa por tudo aquilo que possa parecer e oferecer alguma dignidade.

Uma pessoa pública que despreza os direitos humanos não tem absolutamente nada a oferecer à causa animalista abolicionista. Nada! E esse é o caso de Bolsonaro e toda sua família e aliados que estão no meio político ou empresarial. Isto vale também para todos aqueles que foram eleitos na mesma onda reacionária que nos atingiu como um tsunami. E, infelizmente, foram muitos os eleitos e muitos outros fatalmente ainda estão por vir em 2020…

Dito isto, devo observar que os últimos anos de governo da esquerda não foram nem um pouco bons para os animais não humanos, apesar de não tolherem totalmente as discussões sobre o assunto como o presidente que agora está pretende fazer. Graças aos governos petistas, mas não apenas, claro, já que se trata de um crescimento nas últimas quatro décadas, a indústria da carne no Brasil se tornou nada menos que uma potência mundial, isto é, a meta que muitas empresas almejam. Com crédito fácil e disponível via BNDES, tudo de ruim aconteceu: trilhões de animais morreram; o prejuízo ao meio ambiente é incomensurável; e se promoveu, a precarização do trabalho, da arrecadação de impostos e da saúde. Sem falar na insegurança alimentar que essa situação gera, pois drenando todos os recursos financeiros e naturais, a pecuária e a indústria da carne consegue deixar os frigoríficos cheios de cadáveres para “alimentar” os que podem pagar, ao mesmo tempo em que promove a escassez de alimentos verdadeiramente saudáveis: frutas, legumes, verduras e grãos.

O apoio da BNDESPAR à JBS teve início em 2007, por meio de participação acionária e, posteriormente, debêntures conversíveis. À época, a JBS era uma empresa pouco internacionalizada, com receita de aproximadamente R$ 4 bilhões ao ano. Hoje [2016] a JBS é uma empresa brasileira líder global no setor de proteínas, com vendas anuais de R$ 163 bilhões e presença em todos os continentes. (Nota JBS. BNDES, 2016)

Os governos de esquerda (e muitas vozes da esquerda) consideram que matar animais para alimentar pessoas se trata de uma conquista social por conta da possibilidade de, finalmente, se alimentar “de verdade” ou da “fartura” que a carne de animais simboliza quando está na mesa de pessoas pobres que antes não tinham acesso aos produtos da indústria da carne, mas, infelizmente, eles ignoraram o fato das populações adoecerem e morrerem comendo produtos industrializados (os alimentos processados e ultra processados ou in natura cheios de hormônios e agrotóxicos ingeridos pelos animais que depois são transferidos a quem os comem) e aos danos indeléveis à natureza. Aderindo a essa situação, não se impediu que atrocidades contra o meio ambiente de décadas passadas continuassem, deixando, assim, de servirem à vida para servirem aos interesses dos pecuaristas, dos fazendeiros e da indústria da carne.

O produto agropecuário cresceu mais de quatro vezes no período de 1975 a 2016, o índice de produto passou de 100,0 para 437,6. Nesse período, produção de grãos passou de 40,6 milhões para 187,0 milhões de toneladas, e a produção pecuária expressa em toneladas de carcaças aumentou de 1,8 milhão de toneladas para 7,4 milhões de toneladas; suínos de 500 mil toneladas para 3,7 milhões toneladas, e frangos, de 373 mil toneladas para 13,23 milhões de toneladas. (…) Nas décadas de 1970 e 1980, a terra foi o principal fator de crescimento do produto agropecuário. A partir dos anos 1980, até o período atual, o capital passou a ser a principal fonte de crescimento da agricultura. (Crescimento e Produtividade da Agricultura Brasileira de 1975 a 2016. IPEA, 2018)

Saiba mais: PARA ALÉM DA “OPERAÇÃO CARNE FRACA”: ESCRAVIDÃO ANIMAL E HUMANA NA INDÚSTRIA DA CARNE, por Vanice Cestari

As vastas terras que poderiam ser utilizadas para o plantio de toda sorte de verduras, frutas e legumes orgânicos na agricultura familiar se transformaram em monoculturas e plantações cheias de venenos que contaminam o solo e as águas para sempre. A dinheirama que poderia financiar as mais diversas atividades econômicas com viés social foi destinada ao crescimento da agropecuária de modo sistemático, inclusive com a abertura de pastagens para destruir todas as formas de vida e que ainda servem de pretexto para acossar indígenas em suas reservas.

Das esquerdas, portanto, esperava-se garantia de direitos e não apenas uma frágil ascensão econômica à milhares de pessoas que, antes dos governos petistas, tinham que se conformar com a total miséria. O problema é que a dita bonança se escorava, em grande parte, não em crédito fácil para consumo, mas na exploração animal e na destruição da natureza – que se prolonga e se agrava até hoje. Comemorar a troca de uma miséria por outra não é só pouco inteligente, mas também uma postura suicida como podemos ver na emergência climática, nos crimes ambientais e nos piores cenários à frente antes mesmo de 2050.

Bolsonaro e Lula são diametralmente opostos na área dos direitos humanos e sobre isso não há dúvidas. Apesar de Lula, ainda líder sindical, ter dito em 1979 que admirava “a disposição, a força, a dedicação” de Adolf Hitler em entrevista à revista Playboy, ele o fez num contexto bem diferente do de hoje, em que o presidente Jair Bolsonaro insulta a memória de milhões de judeus no próprio Museu do Holocausto e diz besteiras sobre o Nacional Socialismo, empurrando para o colo da esquerda, quando não há mais dúvidas sobre esta questão em qualquer lugar do mundo (acadêmico ou não) que ainda crê que a Terra é redonda. Nunca veremos, espera-se, Lula flertando com a tortura, ao contrário de Bolsonaro que o faz com regular frequência. Seria ainda muito pouco provável ver Lula fazer pouco da democracia como Bolsonaro e sua família fazem periodicamente. E, pelo que consta, Lula nunca foi visto defendendo milícias; já a família Bolsonaro até medalhas concedeu a esses criminosos extremamente perigosos.

Mas se comparamos Bolsonaro e Lula em relação aos direitos dos animais não humanos e até mesmo ao respeito ao meio ambiente, ambos poderiam, gostosamente, rir e beber até não poderem mais, depois de se fartarem com cadáveres grelhados numa elegante e elitista churrascaria de Brasília.

O antipetismo não arrefeceu e continua por aí em grupos de Whatsapp, em redes sociais animadas por robôs que deturpam a realidade e em parte da imprensa que alavancou a narrativa de que qualquer coisa seria melhor que o PT. Se Lula surgir novamente no horizonte político eleitoral, apesar disso ser muito difícil, pois a perseguição política a ele não terminou (provavelmente se dará enquanto ele estiver vivo), a chance de se ter espaço para a causa animal na administração pública federal diminuirá enormemente. Não pelo Lula talvez continuar não demonstrando interesse pela causa animal, mas pela extrema-direita sair ainda mais fortalecida quando o antipetismo centralizado na figura de Lula ganhar corpo e força novamente. Este mesmo antipetismo ajudou a derrubar uma presidente democraticamente eleita, então não se trata de um movimento totalmente desprezível. Essas forças obscuras e difíceis de rastrear são nocivas e fazem parte de um contexto que todas as nações enfrentam atualmente com o fortalecimento da extrema-direita (declarada ou não).

Uma via fundamental para a causa animal é termos políticos honestamente engajados e que não percam de vista os direitos humanos e a justiça socioambiental. Mais recentemente, desde o golpe de 2016 e a derrota de Fernando Haddad em 2018, infelizmente diminuiu-se essa possibilidade de conjugação e, pior, esses dois contextos abriram campo para políticos de extrema-direita e outros que apenas usam a causa animal como forma de conseguirem votos de pessoas que se preocupam verdadeiramente com esta pauta, para eles próprios entrarem com interesses outros ou se perpetuarem na política, afinal esse eleitorado (especialmente protetoras de alguns animais) é fiel. Muitos desses políticos, diga-se, também encarnaram o antipetismo para, quando for o caso, se reelegerem ou adotam uma postura dúbia em relação aos animais: ora os defendem (especialmente gatos e cachorros) e ora relativizam as demandas exploratórias dos mercados.

Também não é nada razoável que qualquer um ligado à causa animal não deva apoiar outras bandeiras progressistas, pois se trata tão somente de coerência. O movimento negro precisa da nossa ajuda, assim como o movimento LGBTQI+, as feministas, os sem terra e sem teto, os ambientalistas e por aí vai. Mas é fundamental que os demais movimentos, todos eles, levantem, sem hesitar, a bandeira do abolicionismo animal, sem qualquer exceção, sob o risco deles próprios figurarem como incoerentes. E vale o mesmo para os políticos ligados à causa animal. Em suma, não dá para ser bolsonarista e apoiar a causa animal em simultâneo.

No vídeo abaixo podemos ver, por exemplo, numa discussão no Congresso Nacional sobre a votação de quebra de decoro do ex-deputado Jean Wyllys (que teve, inclusive, deixar o país por incessantes ameaças de morte contra si e familiares) por cuspir no então deputado Jair Bolsonaro no processo de votação do impeachment de Dilma em 2016, o deputado Ricardo Izar (PP) demonstra essa incoerência quando um político que teve como principal bandeira a representação LGBTQI+ não recebe apoio de um político ligado à causa animal:

O ex-deputado Jean Wyllys responde a Ricardo Izar na Câmara do Deputados

Por outro lado, neste outro vídeo, vemos o mesmo deputado Ricardo Izar ao questionar um projeto de Jean Wyllys sobre a criação de uma data que buscava celebrar e proteger religiões de matriz africana, ser automaticamente tachado de intolerante religioso por problematizar algo que envolve a morte de animais em rituais religiosos.

O deputado Ricardo Izar responde a Jean Wyllys em comissão na Câmara dos Deputados

Recentemente, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP), uma comissão parlamentar se formou para discutir a proibição da venda de animais em petshops. A criação de animais para comércio é extremamente cruel em qualquer circunstância e alimenta apenas a vaidade das pessoas em quererem ter um animal de uma determinada raça. Não demorou muito para políticos que se dizem ligados à causa animal se alinharem com empresários que defendem a venda de animais em suas redes de lojas e criadores. A única oposição séria e coerente, vale muito dizer, veio da Bancada Ativista (PSOL), que em uma nova configuração política envolve mais pessoas em único mandato, ou melhor, mandata.

Veja a opinião da Bancada Ativista sobre a CPI da Venda de Animais no Estado de São Paulo com as codeputadas Monica Seixas e Paula Aparecida.

É parte do jogo político dos humanos, mas que em nada ajuda os animais não humanos. Empresários querem lucrar, mas isso não quer dizer que eles não possam compreender uma demanda social autêntica (o fim da exploração animal) através do poder de influência que parlamentares possuem, afinal estes representam milhões de pessoas. Mas, infelizmente, o jogo é invertido: é o poder do empresariado (uma minoria na sociedade) que influencia o parlamentar e suas decisões…

Saiba mais: QUEREMOS LEIS ABOLICIONISTAS!, por Vanice Cestari

A esquerda, ou melhor, as esquerdas, todas elas engajadas na proteção dos direitos humanos e contra a barbárie que representa o governo Bolsonaro (e toda a extrema-direita e simpatizantes que orbitam a família Bolsonaro) precisam, urgentemente, aderir à causa animalista abolicionista. Nos dois tweets abaixo, dois representantes do que seria também a nova esquerda, se manifestam em favor da indústria da carne e lamentam a recente alta dos preços…

Fica evidente que novas e diversas configurações se fazem necessárias para a ampliar vozes e, principalmente, novas ideias para a esquerda não seguir ajudando na manutenção da desigualdade social, na destruição do meio ambiente, no adoecimento da população que morre, além de mortes violentas (assassinatos, trânsito etc), também por males que poderiam ter sido prevenidos com alimentação saudável e, claro, pôr fim à exploração animal que escraviza incontáveis seres vivos há milênios.

Fica aqui, por oportuno, o convite ao diálogo!

Texto atualizado em 31/12/2019.