🗞️ Celebridades como Xuxa, definitivamente, não ajudam a imagem do veganismo

Imagem propositalmente invertida com a Xuxa segurando um cartaz que estimula a adesão ao veganismo
Xuxa fazendo ativismo. A imagem foi propositalmente invertida.

O que são celebridades? Ora, são pessoas famosas por algum motivo. Segundo o dicionário Houaiss, uma celebridade pode ser alguém “distinto pelo saber, mérito e demais qualidades louváveis” ou também alguém que “foge ao comum”, ou é só “estranho, extravagante, singular”. Aqui no Brasil, como em outrora distribuíam títulos de nobreza à rodo, distribui-se com grande facilidade este adjetivo: ce-le-bri-da-de. São tantas que temos celebridades de, digamos, calibres diferentes: não à toa nos referimos a algumas delas como subcelebridades, pois não chegam aos pés das verdadeiras celebridades.

Latino, por exemplo, que convive com macacos para lhe trazer “conforto”, é uma subcelebridade. Suas músicas são ruins e se estão nas nossas mentes é porque de algum modo temos algum afeto por elas (é triste, mas é isso mesmo).

Já Maria da Graça Meneghel, a Xuxa, não, esta é uma autêntica celebridade por ser… famosa. Tudo bem que sua fama se deve ao fato dela ter sido apresentadora por décadas de um programa de TV destinado às crianças, sem caráter educativo algum, que era uma espécie de cabaré adaptado ao universo infantil que refletia os desejos de muitos marmanjos da época em verem mulheres jovens dançando de modo sensual – mesmo que cercada de crianças! É… poderíamos dizer que os anos oitenta eram assim mesmo, mas quantos traumas e abusos estão guardados de quem viveu tudo isso de perto? Difícil saber…

Pois bem, eis que com o tempo, até mesmo para celebridades que preenchem o requisito “distinto saber”, chega uma certa irrelevância ou esquecimento, pois novas celebridades (e subcelebridades) surgem aos montes. Afinal, são elas, principalmente, que movimentam os canais de fofocas com suas novas conquistas amorosas, compras extravagantes ou gafes engraçadas.

Algumas celebridades são inofensivas e não saem de seu mundinho de origem: as futilidades, convenhamos, não fazem mal a ninguém e podem mesmo até trazer alívio (como um escape) para várias pessoas com vidas verdadeiramente difíceis. Para ser sincero, não tenho nada contra com quem segue ou acompanha a vida de celebridades. Algumas, de fato, têm carisma (que elas convertem em grana, obviamente) e conseguem, com certo talento (e antidepressivos), manter multidões ligadas em suas vidas. As redes sociais potencializaram isso ao máximo e hoje as próprias celebridades expõem suas vidas e, em alguns casos, o que pensam.

Para contornar essa irrelevância, algumas celebridades abraçam causas concretas e muito importantes para a sociedade para, de algum modo, continuarem sendo lembradas e requisitadas. Então, um misto de nostalgia e ativismo ativam uma nova persona que arruma uma pauta para lutar por ela e fazer a diferença!

Estilo Capitã Planeta

Gisele Bündchen, uma modelo atualmente aposentada, se tornou uma forte defensora do meio ambiente e, em especial da Amazônia. Eu colocaria Gisele na categoria de celebridades inofensivas, mas ao arrastar milhões de seus seguidores com sua visão do que seria a preservação ambiental, algo parecido saído de uma música da Xuxa, temos um problema real: ela demonstra não entender do assunto.

Ok, digamos que ela realmente se interessa pelo assunto e queira ajudar, mas ela poderia gastar alguns trocados da sua fortuna e contratar uma equipe, ou uma empresa inteira se quisesse, para assessorá-la nessa intrincada temática. Mas não, o que temos é um show de superficialidades que pode mobilizar pessoas a fazerem algo até totalmente oposto ao pretendido se não se somarem a esses esforços uma conscientização e, neste caso, incluir na pauta o fim da exploração animal, afinal, ela própria testemunhou as fazendas cheias de gado que são as responsáveis pelo desmatamento acelerado.

“Na sombra de uma árvore / Deitar e rolar / O paraíso é aqui mesmo / É só recomeçar / Tratar bem os bichos / As flores acariciar / Nunca fazer guerra / Não poluir o ar”. Letra de Novo planeta (1991), cantada por Xuxa, é a trilha sonora perfeita para a sonhadora Gisele…

No documentário Years of Living Dangerously, da National Geographic, Gisele tem o seguinte diálogo com o Paulo Adario, do Greenpeace, ao sobrevoarem uma floresta desmatada:

Paulo: “Tudo começa com estradas madeireiras. A estrada fica e o fazendeiro vem e corta as árvores restantes.”

Gisele: “E o gado nem é natural na Amazônia! Não era para estar aqui!” 

Paulo: “Não, definitivamente não! Imagine a destruição dessa bela floresta para a produção de gado. Quando você come um hambúrguer, percebe que ele vem da destruição da floresta tropical? É chocante, não é?”

Gisele chora e não age no sentido de mudar seus próprios hábitos. Por ora, nem ela e nem o Greenpeace levantaram a bandeira do veganismo. Suponho ser melhor esperar sentado.

Ela, se quisesse, poderia militar no campo que mais conhece e tem notoriedade e que é, justamente, um dos segmentos que mais provoca dano ambiental ao planeta: o da moda. Sua escolha me parece estar mais alinhada a uma calculada estratégia de marketing: manter-se em perspectiva sem perder gordos contratos publicitários. Ora, e não é à toa que Gisele Bündchen se tornou embaixadora da empresa Natura, que diz ser “sustentável”.

Uma nave em chamas

Xuxa segue um caminho parecido ao de Gisele Bündchen. Para continuar sendo lembrada atualmente não apenas como a Rainha dos Baixinhos, ela resolveu abraçar a causa animal e o veganismo… E, coincidentemente, ela também é embaixadora de uma marca “sustentável”, a Bio Veit Smile.

Tudo bem, ela faz o que quer, mas não teria sido melhor ela ficar no campo em que poderia ter mais impacto e pegar um dinheirinho de sua fortuna e tentar ajudar pessoas que discutem a educação e a vida das crianças à sério? Não foi o que aconteceu agora… E não sem demora, uma horda de bajuladores, ligados ao veganismo e à causa animal, grudaram nela e deram corda para essa “nova fase”.

Saiba mais: POR QUE AS “PRINCIPAIS” ONGS “VEGANAS” E OS “PRINCIPAIS” ATIVISTAS “VEGANOS” ESTÃO TODOS ERRADOS?, por Fabio Montarroios

Em uma entrevista recente ao programa Fantástico, Xuxa não fez nenhuma menção ao veganismo, ao qual ela se entregou de corpo e alma, e nem indicava seu ativismo de alguma forma simbólica. O assunto ficou relegado a um podcast que dava continuidade à conversa. Ou seja, a audiência de milhões de brasileiros não soube de sua nova postura. Algo bem estratégico para uma emissora que mantém no ar, desde 2015, a campanha “Agro: A Indústria-Riqueza do Brasil”.

Se as pessoas com as quais ela teve contato para falar sobre o assunto tivessem noção do quão problemática é essa aproximação, pediriam para ela ajudar a causa animal com doações. Xuxa poderia usar sua popularidade para abrir espaço para quem entende do assunto, a meu ver. Porém, celebridades não costumam compartilhar seu brilho: elas querem tudo para si, pois é a partir dessa fama recauchutada que novos contratos e oportunidades de negócio surgirão.

O “Cara lá de cima” não deve ter gostado muito disso, não

Agora vejam só o que aconteceu: na última sexta-feira, 26/03/21, ao ser entrevistada por Tiago Azevedo, eis o que ela disse numa live no Instagram da ALERJ (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), a Casa Legislativa dos cariocas, e não num banal talkshow do Fabio Porchat ou da Tatá Werneck (o que ainda seria muito grave, claro):

“Eu tenho um pensamento que pode parecer muito ruim para as pessoas, que pode parecer desumano, porque, na minha opinião, eu acho que existem muitas pessoas, muitas pessoas que fizeram muitas coisas erradas, que estão aí pagando seus erros num ad eternum, para sempre em prisão, que poderiam ajudar nesses casos aí, de pessoas para experimentos, sabe? Acho que pelo menos eles serviriam para alguma coisa antes de morrer, entendeu? Para ajudar a salvar vidas, com remédios, tudo.”

E tem mais:

“Aí vai vir um pessoal que é dos direitos humanos e vai dizer, ‘não, eles não podem ser usados’. Mas se são pessoas que já estão provadas que vão viver 60 anos na cadeia, 50 anos na cadeia e vão morrer lá, eu acho que poderiam usar um pouco da vida delas para ajudar algumas pessoas, provando remédios, provando vacinas, provando tudo nessas pessoas para ver se funciona, entendeu? Essa é a minha opinião. Já que vai ter que morrer na cadeia, que pelo menos sirva para ajudar em alguma coisa.”

Abominável, não? Trata-se de um raciocínio completo e não de uma simples gafe. É o que ela realmente pensa sobre o assunto e isso é assombroso para alguém que quer vincular sua imagem como uma causa como o veganismo, que não tem nada a ver com isso! Era para neste momento, em que a celebridade celebra seu aniversário de 58 anos, a gente poder estar dando risadas de alguma bobagem qualquer que ela fez ou disse. Não, ela realmente pensa, como muitos outros já pensaram e praticaram coisas parecidas, que usar prisioneiros, que gozam da proteção do Estado na maioria dos países, para experimentos científicos é uma boa ideia… Até em tempos de guerra prisioneiros são protegidos pela Convenção de Genebra e algo do tipo não seria permitido.

Vale observar a presença ilustre de um deputado estadual, com votação expressiva no Estado de São Paulo, dando os parabéns à Xuxa, sem nenhuma crítica, no post de desculpas pelo que disse sobre usar prisioneiros em testes de remédios e vacinas

Ora, se não devemos fazer isso com pessoas não humanas, os animais, por que diabos deveriam fazer isso com seres humanos? Que veganismo é esse? Nós também somos animais!

O desconhecimento do tempo máximo de prisão no Brasil não chega a ser um problema. Ninguém é obrigado a ter esse número em mente, que é de 30 anos, decorado. Até um jornalista que tratou do assunto errou e indicou 40 anos como tempo máximo. Será que Xuxa está tão desligada da realidade brasileira que até hoje nunca se deu conta que não existe prisão perpétua por aqui? O descaso com o sistema prisional, neste caso, é emblemático, porque é preciso observar que dentro do veganismo abolicionista, o qual o Saber Animal se vincula e que ela considera radical (no mau sentido) como já disse em manifestações em vídeo próprio e até em redes sociais de ativistas veganos (também abolicionistas), não se pode perder de vista a libertação animal e a humana.

Xuxa, “a Rainhas das capas”, segundo a Revista Caras, a revista das celebridades (e subs também).
A imagem foi propositalmente invertida.

Saiba mais: DIREITA E EXTREMA-DIREITA ABRAÇARAM A “CAUSA ANIMAL” e A CORRUPÇÃO DA CAUSA ANIMAL, por Fabio Montarroios

Em seu pedido de desculpas, Xuxa cita a subcelebridade Anderson França, um… não sei bem… escritor, talvez, que é muito conhecido por ser justamente anti-vegano e que, há não muito tempo, meteu no braço de duas cantoras sertanejas uma suástica (a imagem não está mais disponível e um pedido de desculpas pela Folha de São Paulo está publicado), por elas (não sei bem a razão de ter escolhido apenas essas duas mulheres, sendo que tem gente muito mais poderosa que poderia ser tranquilidade tachada de nazista) não se declararem contra o então Secretário de Cultura do governo, Roberto Alvim, que emulou um discurso do nazistão Joseph Goebbles.

Ou seja, Xuxa parece ter ficado muito tocada com o toque de um cara que fez meio que papel de assessor de imagem dela, mas não com a preocupação real de ser o “pessoal dos direitos humanos”, como o próprio Anderson França alegou ser em sua postagem no Facebook destinada à Xuxa. Me pareceu uma tentativa de alavancar a própria imagem e ela, claro, embarcou nessa.

E essa situação ultrajante, além de tudo, queima a imagem da causa animal a qual, infelizmente, ela disse estar engajada (reparem na camiseta com a palavra vegan que ela usa estrategicamente a depender da situação em que está). Pois, se ela que é vegana, e pensa muito na crueldade contra os animais, diz algo assim de prisioneiros, muitos deles enjaulados, como são os animais!, com muitos mofando por anos sem um julgamento justo, consequentemente, logo os veganos também pensam desse jeito, não?

Saiba mais: YOUTUBE: SERÁ QUE TODOS OS VEGANOS PENSAM IGUAL?, por Fabio Montarroios

Não, não, não! Mil vezes não! Esse pensamento, muitos dos que lerem este texto, sabem muito bem a origem: o ódio contra pobres, pretos, minorias e marginalizados é o sentimento primordial de nossas elites. E, pelo que consta, uma parte minoritária dessa elite é vegana. E mesmo que fosse a maioria, tratar-se-ia de um veganismo já corrompido.

Claro que uma visão punitivista também está na classe média, entre os mais pobres influenciados pelos Sikêras do jornalismo policialesco e sensacionalista, entre veganos e até no campo progressista, lamentavelmente. Não é algo exclusivo das elites, mas são elas as responsáveis por perpetuá-la.

Igual, mas talvez diferente

Felipe Neto e sua mansão, a Netoland.

Felipe Neto, novo queridinho da esquerda festiva, uma celebridade que se destacou (e ganhou muito dinheiro) à custa da curiosidade das crianças com suas tolices na internet (que tem zero caráter educacional), declarou que se tornou vegetariano, mas este prefere os embates contra políticos poderosos (e outras celebridades poderosas), os quais ele próprio já reconheceu que não é a pessoa mais qualificada para enfrentar, mas que deve fazer assim mesmo por conta do caos em que estamos (ver, por exemplo, participação no programa Roda Viva).

Seu embate contra o atual governo genocida é, em parte, “louvável”, mas seu passado, digamos, o condena, porque seu anti-petismo também abriu caminho para o que temos hoje. Ele me parece uma celebridade em real transformação e, como muitas outras delas, com talento empresarial suficiente para, quem sabe, não depender da fama pelo resto da vida como Xuxa e Gisele, por exemplo, e, talvez, sair de cena como deveria ser.

O mal é uma celebridade?

Aquelas histórias bobas de que se ouvíssemos os discos da Xuxa tocados em rotação contrária revelariam mensagens satânicas eram só brincadeira, né? (Ah, em alusão a essa “lenda urbana”, inverti as imagens em que ela aparece.) Mas, vejam só, em rotação normal mesmo, podemos ter um pequeno vislumbre do que pensa a celebridade, a Rainha, a Xuxa, ou apenas a Maria da Graça Meneghel. Não diria que seus pensamentos são demoníacos, mas revelam que a luta do bem contra o mal, que ela sempre cantou (e mal) e se posicionou, nesse caso, está totalmente perdida.

A banalidade do mal, então, venceu mais uma vez e está se tornando cada vez mais, quem diria, célebre.