👍 Youtube: Será que todos os veganos pensam igual?

Cenário do programa Spectrum do canal Jubilee. Cinco linhas traçadas no chão as indicações de concordância e discordância sendo indicadas

Mesmo entre grupos muito parecidos existem divergências. Isso não é novidade para ninguém que já participou de algum grupo na vida (e não me refiro apenas aos tóxicos grupos de WhatsApp).

O canal Jubilee, no Youtube, que se propõe a, entre outras coisas, inspirar pessoas a viverem mais profundamente, tem um programa chamado Spectrum (já na sua segunda temporada) no qual eles colocam cinco pessoas, todas elas com algum tipo de afinidade, numa grande sala dividida em seis áreas. Um situação bastante semelhante a esses questionários que aparece vez outra na internet para que nós possamos dar nossas opiniões sobre os mais variados temas. Uma premissa é dita aos participantes e eles têm que responder se concordam totalmente, concordam, meio que concordam, meio que discordam, discordam ou discordam totalmente se deslocando pela sala e parando sobre as linhas desenhadas no chão.

É legal de ver! Pelo histórico do programa, eles já abordaram vários temas: se pessoas soropositivas pensam da mesma forma, se indígenas têm as mesmas opiniões, se pessoas negras partilham das mesmas ideias, se apoiadores do presidente americano Donald Trump (o equivalente ao Bolsonaro deles) concordam com tudo o que ele faz e diz, se mães adolescentes possuem as mesmas concepções de mundo etc.

A ideia é saber o quão você acha de algo e não apenas o que você acha.  Opinião todo mundo tem, mas argumento… bom, isso é outra história e, felizmente, os participantes não fogem da argumentação ao fim de cada rodada. O programa vai nessa linha o tempo todo: primeiro eles buscam a opinião da pessoa (o nível de concordância ou discordância), depois os participantes do programa podem justificar suas escolhas e aí a coisa fica mais interessante!

Veja abaixo o episódio (em inglês):

No episódio “Do All Vegans Think The Same?”, ou em tradução livre, “Todos os veganos pensam o mesmo?”, busca-se perceber uma gradação entre um grupo que, aparentemente, compartilha os mesmos valores – tendo mais em vista a percepção externa do público em relação ao veganismo que, geralmente, não é das melhores. Não chega nem a ser um spoiler, porque, é claro, as pessoas pensam de modo variado e os posicionamentos, às vezes, tendem a ser mais ou menos incisivos a depender do que cada um pensa do assunto veganismo.

Logo de cara, o programa nos apresenta um grupo com grande diversidade étnica e de gênero. O que é um grande ponto positivo, pois imagine se apenas homens brancos e héteros fossem selecionados? Além de não refletir a diversidade cultural e de gênero da gigantesca população dos Estados Unidos, a diversidade nas respostas seria seriamente prejudicada (apesar de ainda não serem as mesmas mesmo em um grupo homogêneo) justamente pelas ausências de experiências de vida totalmente diferentes entre os participantes nesta temática específica.

Veja abaixo os participantes: Richard, Nikki, Shawn, Elizabeth e Tyra:


Spectrum, segunda temporada, episódio 9: Todos os veganos pensam o mesmo?

Proposta inicial: “Nós convidamos 5 veganos para ver suas variedades de crenças e valores”.

As linhas nas imagens a seguir estão divididas da seguinte forma, da esquerda para a direita: Discordo totalmente, discordo, meio que discordo, meio que concordo, concordo, concordo totalmente.

As premissas apresentadas foram as seguintes e a cada uma delas, nas imagens, veja o posicionamento dos participantes:

1. Você pode ser vegano por razões além das éticas;

2. Eu não compraria ou cozinharia alimentos não veganos para pessoas que eu gosto/amo;

3. Você continua sendo vegano mesmo se você se permite, eventualmente, algumas exceções [que pode ser o consumo de produtos de origem animal, com insumos ou testados em animais];

4. Você já sofreu bullying por ser vegano;

5. Se você veste couro [de origem animal, claro], você não pode se considerar um vegano; e

6. Você é uma pessoa melhor se você é vegano.

A última premissa (“Você é uma pessoa melhor se é vegano”) gerou uma boa discussão, pois reparem que até a audiência via Instagram repudia essa noção (78% discordam) e os participantes também – lembrando que são todos veganos. Richard é o único a concordar totalmente com a premissa e ele se explica dizendo que, individualmente, se considera uma pessoa melhor do que ele mesmo já foi quando não era vegano. Ele não estende isso às outras pessoas e faz todo sentido, afinal, seria algo fora do escopo do programa: ele não precisa convencer ninguém ali.

Acho, pessoalmente falando, que essa distinção é fundamental, porque a percepção que se tem dos veganos é de que há uma superioridade moral envolvida. E ela existe de fato quando se encara os dilemas de se tratar os animais como fazemos atualmente: escravização e exploração animal pelo lucro. As pessoas, de um modo geral, acreditam que elas próprias não podem ver a si mesmas como moralmente superiores a partir das decisões que elas próprias tomam em suas vidas. Se são decisões condenáveis, as pessoas provavelmente poderiam fazer melhor do que estão fazendo (como é o caso da exploração animal, a qual não precisamos fazê-la).

Agora, apresente a seguinte hipótese a uma pessoa tranquila e que não irá lhe agredir com a situação: se você fosse um assassino (que não agiu em legítima defesa), você se sentiria moralmente superior ou inferior a um não assassino? A filósofa Hannah Arendt diz, a certa altura no seu livro A dignidade da política, que se sentar numa sala com várias pessoas e descobrir que ali há um assassino, um desconforto imediato se instauraria para todos aqueles não mataram ninguém.

O número de interações no episódio, como se pode ver pelos números que o Youtube exibe, é incrível: mais de um milhão de visualizações, 43 mil joinhas e 17 mil comentários! Isso é um forte indicativo de que o assunto envolve emocionalmente as pessoas pra valer. Durante o programa eles também exibem o que os seguidores do canal acham sobre as afirmações via Instagram: o resultado surge no canto superior esquerdo da tela junto com o deslocamento dos participantes, mas apenas com duas possibilidades: se concordam ou discordam.

Spectrum é um programa lúdico e que poderia estar em qualquer canal de televisão no Brasil (me surpreende ele ainda não ter sido copiado). Algo parecido, mas despretensioso a princípio, já aconteceu no programa Encontro, da TV Globo, conduzido pela apresentadora Fátima Bernardes. Era uma perguntinha à toa, mas ela casou uma grande comoção social quando pediram para que os participantes indicassem se eles dariam socorro imediato a um policial baleado com um quadro grave, porém estável, ou um traficante também em estado grave e morrendo. A maioria se moveu para o lado que indicava que o traficante precisava do socorro prioritário por estar numa situação pior.

A questão deixava implícito se não seria melhor deixar o traficante (um criminoso) morrer logo de uma vez e dar todo o suporte ao policial. Ou seja, era necessário fazer um julgamento dos pacientes ou deixar a imparcialidade do atendimento médico agir. Havia até um médico no programa e ele fez um contraponto às opiniões que apareciam ali entre os participantes e às perguntas da apresentadora. Ficou nítido que o programa instaurou um dilema ético e que, na violenta sociedade brasileira, em que os direitos humanos (válidos para policiais e criminosos) são solapados dia após dia, a simples hipótese incomodou e incomodou mais ainda quando a maioria esmagadora optou pelo atendimento ao traficante… A diferença é que se tratava de um grupo aleatório e não com um interesse em comum como no caso do programa Spectrum.

Mas não tenho dúvida que o aspecto lúdico tende a ser mais relevante que exibir apenas números ou gráficos, pois as pessoas precisaram usar, tanto no programa Spectrum quanto no Encontro a sua presença corpórea para afirmar ou negar algo que lhes é proposto. E para a causa animal em particular, a necessidade de marcar posição é mais que simbólica (por ir além dos números que beiram o incontável se se buscar a quantidade de animais mortos todos os dias), ela é literal.

👍 Youtube: Será que todos os veganos pensam igual?
Pertinência da abordagem
9
Formato do programa
9
Profundidade da abordagem
7
Interação do público
9
Pontos positivos
Grátis
Vários outros temas
Gerou discussão sobre o veganismo
Pontos negativos
Apenas em inglês
Falta de contraponto especializado
Posicionamento das câmeras
8.5