A bandeira do veganismo com as cores verde, branca e azul formando a legra v.
Bandeira vegana

🗞️ O veganismo entra em lista antiterrorista dos ingleses


Quando falamos que é muito importante encarar o veganismo e tantas outras formas de ativismo como autênticos atos políticos e necessários para o exercício da cidadania, que não se resumem a votar (ou não) em dia de eleições, a tendência é termos pessoas não vendo essa relação ou limitando-se a identificar o veganismo apenas como dieta. Pois bem, um documento oficial antiterrorista, de junho de 2019, distribuído para professores e autoridades locais na Inglaterra, com longa lista de organizações, movimentos e símbolos, coloca no mesmo saco símbolos e grupos violentíssimos de neo-nazistas (desculpem o pleonasmo) com pacifistas preocupados com a natureza e os direitos dos animais, como os veganos ou os antiespecistas.

Esta tática, a de misturar criminosos comuns com perseguidos políticos não é algo novo, ela já foi usada em tribunais da Revolução Francesa (1789) e também na Rússia dos dias de hoje, que coloca opositores do presidente Vladimir Putin na cadeia através de falsas acusações de crimes. O documento abaixo expõe, de modo categórico e inequívoco, como um governo (o inglês, no caso) enquadra movimentos e símbolos da luta animalista (e vários outros de uma esquerda aguerrida e combativa) como um perigo para o Estado que tem como um dos seus pilares econômicos a exploração animal.

A ideia de um documento como este é estimular as pessoas a denunciarem, ativamente (há um método para tanto: corra, esconda-se e ligue para a emergência!), qualquer tipo de ameaça terrorista no horizonte. Daí que cidadãos reunidos para escancararem os abusos contra os animais, como é o caso do Anonymous for the Voiceless, que está presente na lista e que, pacificamente, exibe vídeos com imagens de animais em total sofrimento e agonia em locais públicos, mereceriam ter suas vidas devassadas como se fosse cometer um atentado. O documento, um acinte contra a liberdade de expressão, que ainda vigora nas terras da Rainha Elizabeth II, foi tornado público pelo jornal The Guardian.

Mas não para por aí, outro documento, vai mais no sentido de dar o contexto do movimento e ele se propõe a explicar o que se pode fazer com jovens e adultos vulneráveis (no sentido existencial e não social) para protegê-los e evitarem o ingresso deles em grupos ativistas, inclusive os de viés pacifista. Ou seja, o direito deles de se manifestarem contra determinados posicionamentos está sendo visto como proto-terrorismo. Isto, na verdade, é bem sério e preocupante, porque muitas pessoas atrelam suas identidades às causas que mais lhe são caras e deixam até marcas em seus corpos tatuando frases ou símbolos de luta contra as mais diversas formas de opressão, além das vestimentas. Então eis que de uma hora para outra, você que sente grande compaixão por animais é visto como uma pessoa perigosa… Porque mesmo dentro de uma perspectiva de não violência, eles creem que as pessoas serão estimuladas a praticarem a desobediência civil.

Este outro material, da polícia, também trata de neonazistas, da alt-right (eufemismo para a nova extrema-direita), de satanistas (!) e de grupos islâmicos extremistas, mas também expõe como perigosos os interessados nas emergências climáticas (aglutinados na conhecida Extinction Rebellion) e nos direitos dos animais (classificados como Animal Rights Extremism). O manual indica que professores e autoridades locais devem ficar de olho no seguinte comportamento dos jovens (muitos deles inspirados no ativismo de Greta Thunberg):

  • O que estudantes estão vendo online
  • Na participação deles em atos presenciais (direct actions)
  • Interesse em grupos de ativistas pelos direitos dos animais
  • Na tomada de consciência de hábitos de vida mais saudável (!)
  • Fazerem discursos contra consumo de produtos testados em animais ou mesmo comer carne
  • Portar e ostentar adesivos ou vestir roupas com apoio a grupos de proteção animal

Quando questionadas por jornalistas sobre esse posicionamento, as autoridades inglesas disseram que promoverão um recall desses documentos para ajustá-los e eliminar eventuais erros. Mesmo que determinados símbolos e grupos sejam retirados e afastados de grupos realmente perigosos, já temos uma pequena amostra da mentalidade de uma elite muito interessada em manter o status quo e que usa o terrorismo como forma de fomentar o medo em seus cidadãos e ficarem permanentemente em luta contra forças ocultas.

Alguns grupos listados como perigosos nos documentos de policiamento antiterrorista:

Alguns símbolos apontados como ameça:

Vale ressaltar que a Inglaterra vive (como no Brasil) uma onda conservadora, a mesma que, através de manipulações por redes sociais, estimulou milhões de cidadãos a votarem pela saída do país da União Europeia. Parte de ações ligadas as famigeradas fake news que corroem as bases democráticas de qualquer nação moderna foram desmascaradas recentemente, vejam só, por um ativista gay e vegano, o inglês, Christopher Wylie, ex-funcionário da empresa Cambridge Analytica. Neste escândalo mundial que envolveu o uso em permissão de dados de milhões de pessoas no Facebook, foi possível criar formas muito sofisticadas de manipulação de eleitores.

Saiba mais: Ouça o Podcast Saber Animal #005 – PL “Animal não é coisa”. E leia o texto Duas meninas e um objetivo em comum: salvar a(s) vida(s), por Vanice Cestari.

Por essas bandas vemos pouca mobilização pelo clima ou mesmo pelos direitos dos animais, mas se fazem bem presentes ativistas lutando por melhorias nos transportes públicos. Como é o caso do Movimento Passe Livre, os mesmos que, sem querer, dispararam a onda conservadora em junho de 2013 ao protestarem contra o aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus na capital paulista. Agora, com os mais novos recentes aumentos das tarifas, eles voltaram às ruas e estão sendo duramente reprimidos pela polícia. A indiferença para com eles é a mesma que alimenta a sanha de governos autoritários capazes de gerarem documentos como estes da Inglaterra. Por aqui ainda não tomamos conhecimento de políticas similares documentadas, mas certamente elas até poderiam soar brandas ante a barbárie que povoa a mente de autoridades que acham correto espancar, cegar e até matar jovens que buscam direitos e garantias. Mas, curiosante, foi justamente num governo de esquerda, já em derrocada, que se aprovou uma dura lei antiterrorista e, por aqui, meios legais não faltam para que ativistas sejam perseguidos e calados.