🤑 A crescente mercantilização do veganismo sem abolição animal

Vários legumes e verdruas sobre uma mesa vistos de cima.
Foto: Michael Stern / Flickr

Se o consumo, para qualquer pessoa, é um ato político, não resta dúvida que veganismo é ato essencialmente político, pois claramente representa um braço da ética prática, portanto, em tese, não existe “produto vegano” de empresa (não-vegana) que não pauta seus princípios mercadológicos na ética abolicionista animalista.

Qualquer empresa que se sustenta à base da exploração animal, ao lançar um produto com um “rótulo” ou “selo vegano” estará contribuindo tão somente para o aumento do seu capital dentro da sua lógica de lucro máximo, ao mesmo tempo em que passa o recado ao público geral de que veganismo é mais uma tendência, uma simples moda, uma opção como qualquer outra mercadoria.

Tal forma de agir é bastante comum quando existe certa popularização de um movimento social (no caso, defesa total e irrestrita dos interesses animais que implica no consumo de alimentos, serviços ou produtos sob a ética abolicionista – sem exploração animal), ou seja, para o empresariado inserido dentro do atual sistema capitalista, o público vegano é mais um nicho lucrativo de mercado a ser explorado. É Sea World servindo refeições veganas!

Há uma diferença entre o eventual ato de se reduzir o consumo rotineiro de carne e produtos derivados de animais (prática mais usual entre bem-estaristas e ambientalistas), que pode vir a contribuir pontualmente com o não-consumo esporádico, e o ato de propagar e/ou comemorar o “crescimento do veganismo” se valendo da boa-fé das pessoas e induzindo-as em erro ao incentivá-las para que consumam um “produto não-vegano” de empresa que visa tão somente ampliar o seu mercado, já que despreza ou é totalmente alheia à valores éticos essenciais da causa animalista abolicionista, a qual tem por norte o princípio do respeito integral aos direitos ou interesses animais.

A tragédia ocorrida em Mariana e, mais recentemente, em Brumadinho, estado de Minas Gerais, é um exemplo bastante didático para se compreender a face mais vil do capitalismo e como se comportam, via de regra, as grandes empresas detentoras do capital, no Brasil e no mundo ocidental. Os grandes conglomerados industriais são os que controlam absolutamente tudo e assim ditam as regras do jogo, não havendo quem as impeça a nível governamental, pois os poderes instituídos – Legislativo e Executivo – são cooptados pelo poder econômico já que o atual sistema político-econômico é permissivo, restando ao Judiciário (parcialmente tendencioso e de certo modo conivente com o sistema em vigor) aplicar as leis, atribuindo, ou não, as respectivas responsabilizações cíveis e/ou criminais.

Sendo assim, dentro da vigente ordem socioeconômica, o veganismo (movimento ético em defesa animal que extrapola uma simples dieta) não representa absolutamente nada, talvez apenas mais uma opção preferencial praticada por um público consumidor, ainda pequeno, que tem escolhas diferentes do padrão dominante de mercado. Em outras palavras, o sistema exploratório se fortalece com a despolitização de todo e qualquer movimento social e, com o movimento antiespecista, não seria diferente, como tentam agora fazer com o veganismo sob incentivos e aplausos dos incautos.  

O argumento apresentado por alguns de que o aumento de “produtos veganos” no mercado é indicativo de crescimento do veganismo, isto é, do público vegano que (seriamente) se recusa a participar de toda e qualquer forma de exploração animal, dentro do possível e praticável – compromisso para toda uma vida – não passa de mera especulação sem qualquer fundamento, uma ideia falaciosa.

Aliás, existem relatos documentados apontando que alguns se tornam veganos apenas por um breve período de suas vidas, retornando ao onivorismo por um motivo qualquer, enquanto outros preferem adotar opções menos radicais, intermediárias, o chamado “flexitarianismo ou reducitarianismo”: exemplos práticos (e palavras horríveis) que podem acontecer quando o foco é retirado da crueldade e sofrimento animal, quando se diminui, ou se retira, a politização de um movimento social.

O raciocínio é simples: os animais não-humanos não possuem direitos dentro do sistema político-econômico vigente (não raras vezes, os humanos – pessoas já detentoras de direitos individuais e coletivos, outrora consolidados, que trabalham para a mesma indústria alimentícia, por exemplo, tem seus direitos violados pela força perversa do capital).

Animais não-humanos não possuem direito algum na indústria, estando naturalmente mais fragilizados, eis que são tidos e tratados por matérias primas, commodities, mercadorias, portanto, para atender um público “mais exigente” (público vegano) em ascendente popularidade, o que essa mesma indústria resolve fazer? Basta criar um outro produto similar, atendendo satisfatoriamente um público despolitizado e acrítico capaz de associar crescimento do veganismo com novo lançamento de produto no mercado que “tá no papo” dos oligarcas.

Mais lucro no bolso do explorador declarado, sem abdicar da exploração animal! Capitalismo acima de tudo e lucro acima de todos!

A libertação animal naturalmente passa pelo boicote individual (cujos parâmetros são a possibilidade e a praticabilidade – eticamente levados à sério), seja elaborando o seu alimento ou consumindo de pequenos produtores, agricultores, empresários, fabricantes confiáveis, artesãos, enfim, de pessoas que não fazem da exploração animal e humana o seu negócio.

E vale dizer, não se trata da defesa de um purismo – aqui um artifício intelectualmente desonesto, lançado por quem tende a se desviar, por interesses escusos, dos imperativos éticos abolicionistas. Isto porque não podemos perder de vista que a atual sociedade, na qual todos nós estamos inseridos (uns mais, outros menos), se sustenta e se mantêm sob a ótica da exploração (animal, humana e ambiental) e o fato de não ter como escapar 100% dessa situação por razões óbvias, não torna ninguém “menos vegano” porque compra um pé de alface de um produtor onívoro, por exemplo.

Todo e qualquer ativista deveria saber que, no sistema vigente, a regra que pauta as práticas industriais e empresariais é a busca incessante por maior lucro ao menor custo e esse cenário provavelmente só terá alguma chance de mudar se houver uma expressiva e forte pressão social para a readequação e adoção de novas políticas (abolicionistas) no plano ético, uma rejeição através do boicote ao consumo no plano individual e não com o simples incentivo (aumento da produção) de empresas perniciosas que, convenientemente, preferem não alterar as bases das estruturas exploratórias que as sustentam simplesmente porque isto significaria menor lucro.

Empresas antiéticas e exploradoras não servem ao movimento animalista abolicionista (movimento vegano) vez que este é pautado pela ética que nos ensina a não colocarmos nossas frivolidades e preferências pessoais antropocêntricas acima dos interesses básicos e vitais dos animais. Veganos, na medida do possível e praticável – vale dizer, sem comodismo disfarçado de impossibilidade e impraticabilidade – boicotam produtos, marcas e empresas que não se interessam em promover a libertação animal.