🏫 Objeção de consciência: quando direitos humanos e direitos animais se entrelaçam

Noções básicas sobre direitos humanos e proteção dos animais deveria começar desde logo nas instituições de ensino.

Há diferentes facetas do direito à liberdade que consta do rol dos direitos fundamentais assegurados na nossa Constituição da República, daí a importância de conhecermos com seriedade e maior profundidade os direitos humanos, transpondo as crenças infundadas e falaciosas de que direitos humanos é tema voltado para o interesse da defesa de criminosos.

É bem interessante essa época que vivemos, onde muitos daqueles que ganham maior notoriedade pública, exatamente por achincalharem os direitos e as garantias das pessoas humanas, são os primeiros a exigirem que seus direitos e garantias individuais sejam respeitados pelos poderes constituídos no primeiro sinal de ameaça.

Também há aqueles que se apresentam como defensores ou simpatizantes da causa animal, mas não defendem as causas humanas (direitos humanos) – e muitas vezes até fazem questão de discursar contra os direitos humanos – a mola propulsora da eleição de muitos que, na realidade, pouco ou nada fazem pelos animais e muito menos para as “pessoas comuns” necessitadas da efetivação dos seus direitos humanos.

Isso mostra a incoerência que pode existir no comportamento humano quando não se tem uma clareza maior daquilo que defendemos, uma observação mais abrangente daquilo que pensamos. Não existe essa separação do meu direito humano e do seu direito. Se o seu for violado, o meu também é (ou será) e vice-versa. Também não existe essa opção excludente de conquistar direitos animais e desprezar direitos humanos (ou efetivar direitos humanos e violar direitos animais). Em alguns casos, conhecer e fazer valer os direitos humanos pode ser a base para respeitar os direitos animais.

Mas um pouco do conhecimento que trago hoje para compartilhar, dentro do vasto tema do direito à liberdade, é o direito à liberdade de consciência de qual goza todo ser humano, sem qualquer distinção.

Em virtude do direito de ampla (mas não absoluta) liberdade, pode ocorrer casos em que, por questões políticas, filosóficas ou religiosas (sistemas de crenças, de um modo geral), uma pessoa não se sinta confortável em praticar determinado ato que contrarie ou ofenda, de algum modo, as suas próprias convicções.

Nesse ponto, vale destacar que o direito à liberdade não é absoluto (há limites que esbarram no direito de outrem – vide caso do deputado federal Daniel Silveira), e aproveitando a recente citação do Ministro Luís Roberto Barroso (STF) onde se discute outro direito de liberdade (liberdade de expressão), foi dito, nesse caso, que tal liberdade não é um salvo conduto para práticas ilícitas (e acrescento eu: assim como a liberdade de crença, um outro desdobramento do direito à liberdade, que também não deve invadir território que fere direito de outrem).

A liberdade de consciência está vinculada com a dignidade da pessoa humana e é um direito humano fundamental. Todas as normas que definem direitos e garantias fundamentais tem aplicação imediata, conforme sábia previsão constitucional, ou seja, não são dependentes de nenhum outro ato legislativo para serem respeitadas.

Isto significa que, ainda que houvesse necessidade de posterior regulamentação (e pessoalmente sustento que não cabe regulamentação para o exercício da liberdade de consciência), esse ou outro direito fundamental pode e deve ser exercido imediatamente.

Dentro desse tema, quando se fala em vivissecção ou experimentação em animais vivos no ensino, é comum ouvirmos no meio ativista a expressão “objeção de consciência” como forma de tentar preservar a vida animal, mas talvez a grande maioria desconheça que tal medida não é exclusiva de estudantes, de um ou outro grupo social; pode haver casos de médicos, soldados alegarem, enfim, qualquer pessoa.

Não existe “direito à objeção”, propriamente dita, sem vinculação a um direito anterior, pois todos temos os mesmos direitos e deveres de cidadãos. Caso contrário, bastaria alguém alegar alguma objeção para deixar de cumprir aquilo que todos devam cumprir mediante lei, como o pagamento de impostos, por exemplo.

A possibilidade de objeção (ou oposição) decorre de um direito fundamental anterior que é o direito humano à liberdade de consciência, um direito de todos. É… “esse tal de direitos humanos” já não parece tão mal assim… Um dos direitos relacionados às liberdades humanas (sim, elas também existem e são importantes) é a liberdade de consciência e, para que esta liberdade seja exercida em uma situação específica (no caso de um aluno que se opõe a praticar experiências em um animal vivo, por exemplo, que é a metodologia de ensino oferecida pela instituição que frequenta), basta alegar essa oposição ou objeção.

A liberdade de consciência é um direito individual constitucionalmente assegurado e, em um primeiro momento, é recomendável que, neste exemplo dado, o aluno insurgente faça essa comunicação formal (por escrito) à instituição de ensino, visando maior segurança jurídica enquanto vigorar a prestação do serviço educacional. Bem simples assim.

Muitos acadêmicos, professores, pesquisadores, ou responsáveis pelas instituições de ensino, talvez na defesa de seus pares ou até mesmo por não se depararem corriqueiramente com essas questões (especialmente quando envolvem, de algum modo, a defesa dos animais), talvez ainda criem falsas polêmicas, obstáculos ou maiores dificuldades sobre um direito (liberdade de consciência) há muito consolidado.

Então, em alguns casos pode ser necessária a propositura de ação judicial a fim de garantir a observância desse direito que está fundamentado em dispositivos constitucionais, especialmente o artigo 5º, incisos VI e VIII.

Aliás, professores ou pesquisadores que praticam vivissecção ou testes em animais também podem alegar objeção perante seus empregadores caso, em algum momento, venham a se conscientizar da crueldade desses atos e não mais desejarem praticá-los, com fundamento no mesmo artigo constitucional. Não se ouve falar desta possibilidade porque certamente muitos a desconhecem.

No caso de oposição de estudante às práticas de vivisseção ou experimentação em animais vivos perante a instituição de ensino, também caberia citar o artigo 225, inciso VII (que proíbe a crueldade contra os animais); os artigos da Constituição que tratam do direito à educação (respeito ao pluralismo de ideias – ou seja, é vedada a imposição, seja pelo professor, seja pela instituição de ensino, de uma única visão didático-pedagógica); a dignidade da pessoa humana e por fim, mas não menos relevante, o pluralismo político (que, inclusive, é um dos fundamentos da República) onde se inclui diferentes concepções ideológicas, filosóficas (como é a defesa dos direitos animais – muito além de uma orientação de consumo).

Tudo isso está previsto na nossa Constituição Federal e todo esse regramento tem aplicabilidade imediata, ou seja, é instantaneamente exigível. Nada disso precisa de regulamentação ou de mais legislação.

É absolutamente fundamental essa compreensão para que você, que acompanha o Saber Animal, saiba discernir o que é prontamente exigível de quem de direito e saiba se abster de engajamentos inócuos ou esperanças vazias, podendo contribuir com uma real transformação social através de maior compreensão dos fatos e conscientização política, começando por si próprio.

Não existe conscientização e tampouco libertação sem educação. Conhecendo melhor nossos direitos (os direitos fundamentais de todo cidadão), podemos disseminar esse conhecimento para maior alcance e benefício daqueles que necessitam. Não existe essa história de defender direitos animais e ignorar os direitos humanos.

Quanto melhor o sistema educacional, mais chances de haver mudanças dentro das instituições, abrindo o campo para o surgimento de novas práticas que incluem o respeito aos animais, à natureza, ao ser humano… 

Saiba mais: PRIMEIRO LABORATÓRIO DE SAÚDE PÚBLICA DO PAÍS SEM EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL, por Vanice Cestari

Podemos observar que o pleno gozo do direito à liberdade de consciência (direito humano) de um aluno, ou de um professor (usando esses mesmos exemplos), pode ocasionar a efetivação do direito animal de não ser morto ou torturado para fins de pesquisa ou ensino no âmbito acadêmico, especialmente se a objeção individual inspirar um movimento institucional mais abrangente e organizado, politizado no bom sentido.

Os direitos animais podem ganhar mais espaço na sociedade através do respeito aos direitos humanos, do diálogo, da democracia, da tolerância com quem pensa diferente da gente. Certamente esse é um bom caminho. Vamos parar de nos iludir esperando mudanças do externo: de políticos, do prefeito, do governador, deputados, presidente…?

Muitos não observam que a chamada libertação animal potencialmente pode vir de diferentes movimentações, originando-se com iniciativas individuais, muitas vezes anônimas, aqui e ali. Isto porque os mais desatentos estão sempre apostando suas fichas em leis (quase sempre inúteis ou péssimas, especialmente quando temos um primor de Constituição como a nossa) e na política no mau sentido.

Saiba mais: ILHA DOS CACHORROS, por Fabio Montarroios

Logo, o ativismo em defesa dos animais deve apostar muito mais nos estudos, em pesquisas sérias, na disseminação de conhecimento de fontes fidedignas, onde há acesso à argumentos sólidos, ao embasamento jurídico correto, do que em reclamações rasas, genéricas ou intolerantes, na dependência de políticos que quase sempre também desconhecem ou desrespeitam os direitos humanos e a própria legislação existente!

Por essas e outras, cá estamos com o Saber Animal, neste espaço onde compartilhamos conteúdos inovadores, valorizando a educação, compartilhando diferentes concepções de justiça através de uma abordagem mais inclusiva, buscando despertar sensibilidade, compaixão, sem dispensar a democratização de conhecimentos jurídicos, pois falar com legitimidade e conhecimento real é fundamental quando se busca a defesa de direitos.