A polonesa Olga Tokarczuk ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 2018, mas só ficamos sabendo disso no anúncio de outubro deste ano, porque a academia sueca (responsável pela premiação) estava passando por um período de, digamos, renovação. Após escândalos sexuais que envolveram seus membros vieram à público, manchando a reputação da premiação e fazendo com que ela simplesmente não acontecesse como ocorre desde o início do século XX, uma pausa se fez necessária.
Mas ao mesmo tempo em que Tokarczuk era laureada, o austríaco Peter Handke também foi agraciado com o mais importante prêmio da literatura mundial. Só que a premiação dele ofuscou um tanto a dela. Handke era simpático ao regime do execrável Slobodan Milošević. Morto em 2006, o presidente da Sérvia que, entre outras coisas, foi acusado e julgado por crimes de guerra e contra a humanidade teve até o escritor discursando em seu funeral (e não foi para dizer umas verdades)…
Handke, portanto, não nos parece ser lá uma boa pessoa… Agora, Tokarczuk, esta não, ela é feminista, vegana e ativista pela causa animal! “Uma escritora magnífica”, na avaliação da jornalista, escritora e também ganhadora do Nobel de Literatura, a ucraniana Svetlana Aleksiévitch. Um de seus livros já chegou a ser publicado aqui no Brasil em 2014, “Os vagantes”, pela editora Tinta Negra, mas desapareceu e parece não ter repercutido.
Mas antes de prosseguir, aqui cabe um parênteses: no Podcast Saber Animal #003, já falamos um pouco da obra e da preocupação com os animais de Aleksiévitch por conta da mini-série Chernobyl, do canal HBO, mas outro autor também ganhador do Nobel tem preocupações com a forma como tratamos os animais, trata-se do J. M. Coetzee. Seu livro, A vida dos animais, atualmente esgotado, é a manifestação do seu alter ego, a personagem Elizabeth Costello, uma “vegetariana radical”.
Bom, segundo uma votação no site da própria academia, apenas 19% dos participantes leram algum livro de Tokarczuk e isto não chega a ser ruim, pois eis uma nova autora para descobrirmos, apesar de também revelar parte do percalço que uma autora engajada enfrenta, especialmente em seu país, como o ódio da extrema-direita por ela. Agora, após a premiação, uma outra editora brasileira está dedicada a traduzi-la e já começou com um baita livro: Sobre os ossos dos mortos, com tradução direta do polonês por Olga Bagińska-Shinzato. Como no Brasil de hoje vivemos uma violenta ascensão do obscurantismo, também podemos encarar essa iniciativa como uma grande lufada de ar.
Veja a sinopse:
“Em uma remota região da Polônia, uma professora de inglês aposentada costuma se dedicar ao estudo da astrologia, à poesia de William Blake, à manutenção de casas para alugar e a sabotar armadilhas para impedir a caça de animais silvestres. Sua excentricidade é amplificada por sua preferência pela companhia dos animais aos humanos e pela crença na sabedoria advinda do estudo dos astros. Subversivo, macabro e discutindo temas como mundo natural e civilização, este livro parte de uma história de crime e investigação convencional para se converter numa espécie de suspense existencial. Olga Tokarczuk oferece um romance instigante sobre temas como loucura, injustiça e direitos dos animais.” (Editora Todavia)
A escritora, ao que parece, conseguiu agitar o gênero da fábula com esse livro ao nos apresentar uma literatura bem diferente do que se poderia esperar de um gênero consagrado. Mais um motivo para lê-la! Da nossa parte, estamos ansiosos por poder compartilhar nossas impressões sobre a obra muito em breve. Enquanto isso, aguardamos ansiosamente pelo discurso de Olga Tokarczuk, agora em dezembro, na premiação oficial. Quiçá, mais palavras de auxílio a esta causa (a animal) tão complicada e ignorada pela humanidade. Quanto a Peter Handke, que também discursará, e aos abusadores da academia (já afastados), como a personagem da história de Sobre os ossos dos mortos vamos preferir a companhia dos animais.
Atualização: Sobre os ossos dos mortos está na lista de melhores livros de 2019 no suplemento literário Pernambuco.