🥓 O brasileiro morre (e mata) pela boca

Festival do Bacon, no Memorial da América Latina (SP), 2017

Já se passaram três anos quando tentamos, quixotescamente, impedir a realização do 2º Festival do Bacon, realizado no Memorial da América Latina em São Paulo, no ano de 2017. O projeto Saber Animal ainda estava no papel, mas mesmo assim fomos ao patético evento apinhado de gente, que já havia ocorrido em 2016 e prosseguiu durante os anos de 2018 e 2019. Ele só não ocorreu mais uma vez este ano por conta da pandemia que todos vivemos e que alguns testemunham atônitos suas consequências. Nossas motivações foram, essencialmente, animalistas: queremos o fim da exploração animal, mas suas consequências, além de beneficiarem as próprias vítimas (os animais não humanos), também favoreceriam as populações humanas em larguíssima escala.

Evidentemente não conseguimos impedi-lo apesar de termos feito os seguintes contatos:

1. Com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) para tomar alguma providência;

2. Com o Ministério Público do Estado de São Paulo para alertar da situação;

3. Com o Memorial da América Latina para ter acesso aos contratos dos eventos;

4. Procuramos o Comitê Estadual para a Promoção da Alimentação Saudável e Prevenção de Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Estado de São Paulo para nos ajudar na empreitada; e

5. Com uma acadêmica da Universidade de São Paulo (USP) para justamente tentar aproximação com o Comitê.

Os representantes da Secretaria de Estado da Saúde, com quem falamos primeiro, deram de ombros e riram dos nossos argumentos. Foram feitos vários contatos telefônicos à época tentando achar alguém que soubesse do Comitê ou que simplesmente pudesse nos atender.

O segundo (MP-SP), por email mesmo, respondeu que não via ilegalidade alguma no evento que, curiosamente, indicava ter data de assinatura do contrato (o qual não tivemos acesso) do exato dia de sua realização como era possível ver no Diário Oficial do Estado de São Paulo.

O terceiro, o Memorial da América Latina, dificultou o quanto pôde o acesso, mesmo via Lei de Acesso à Informação (12.527/2011), ao contrato do evento e tivemos que desistir por termos que nos deslocar até o local para ter acesso aos documentos que poderiam ter sido enviados remotamente, o que inviabilizou essa etapa.

O quarto, o Comitê, se existiu em algum momento, não foi encontrado vestígio de suas ações e sabe-se lá, portanto, se reuniu-se em algum momento para ajudar a população paulista a se alimentar e viver melhor.

Já o quinto contato, uma professora da USP que na ocasião lançava o livro Nutrição e Saúde Pública: produção e consumo de alimentos, de Flavia Mori Sarti e Elizabeth Ap. F. da Silva Torres (orgs.), me disse expressamente que “não devemos estigmatizar os alimentos” quando falei do Festival do Bacon e que o bacon era um alimento cancerígeno… A publicação, diga-se, tem um anedótico prefácio da nutricionista Sophie Deram que traz a seguinte pérola: “A internet está repleta de informações sensacionalistas sobre um suposto perigo de certos alimentos que fazem parte do nosso cotidiano há muito tempo (pão, leite, manteiga, carboidratos, gorduras, café, carne e até legumes e frutas). A população está sofrendo um terrorismo nutricional e não sabe mais o que comer” (grifo nosso). A população, Sophie Deram deveria saber, está morrendo… e não por atentados de terroristas, mas, sim, através das ações da indústria que explora os animais não humanos e da negligência do Estado!

Festival do Bacon no Memorial da América Latina, 2017. Foto de Fabio Montarroios
Festival do Bacon no Memorial da América Latina, 2017. Foto de Fabio Montarroios

Acredito que vale dar ênfase aos objetivos deste peculiar Comitê segundo o texto Instituição do Comitê Estadual para a Promoção da Alimentação Saudável e Prevenção de Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Estado de São Paulo publicado na Revista de Saúde Pública de 2008:

1. Fomentar articulação intra e intersetorial visando a promoção da alimentação saudável no Estado de São Paulo;

2. Promover pacto-compromisso social com diferentes setores (Poder Legislativo, setor produtivo, órgãos governamentais e não-governamentais, organismos internacionais, setor de comunicação e outros), para a execução das estratégias definidas pelo Comitê;

3. Incentivar a adoção de hábitos alimentares mais saudáveis entre a população, com ênfase no aumento do consumo de frutas, verduras, legumes, cereais e derivados integrais (grifo nosso).

4. Para a consecução dos seus objetivos, caberá também ao Comitê, incentivar os municípios do estado de São Paulo a adotarem medidas de incentivo e acesso à alimentação saudável.

As estratégias do Comitê para atingir os objetivos acima são as seguintes, observando ainda a mesma publicação:

1. Mobilizar as instituições públicas, privadas e de setores da sociedade civil organizada visando ratificar o desenvolvimento de ações de aumento do acesso ao alimento saudável pelas comunidades e pelos grupos populacionais mais pobres;

2. Articular e mobilizar os setores público e privado para a promoção de ambientes que favoreçam a alimentação saudável, o que inclui: oferta de refeições saudáveis nos locais de trabalho, nas escolas e para as populações institucionalizadas;

3. Articular e mobilizar os setores da sociedade para a proposição e elaboração de medidas regulatórias que visem a promover a alimentação saudável e reduzir o risco de doenças crônicas não transmissíveis, com especial ênfase para a regulamentação da propaganda e publicidade de alimentos.

E, curiosamente, constatamos que o próprio Ministério Público do Estado de São Paulo faz parte do Comitê que reúne outras 33 Secretarias ou Entidades.

Este Comitê, ao que tudo indica, foi criado por conta da demanda internacional de se encarar o problema da alimentação de forma integrada, pois não é apenas o Brasil, mas o mundo todo encara, pela primeira vez em sua história, uma maior população com excesso de peso do que com fome e isso, como podemos deduzir sem muita dificuldade, tem consequência direta na qualidade de vida das pessoas.

O Memorial da América Latina, que em novembro daquele mesmo ano de 2017 viu seu auditório arder em chamas, está sob o controle do Estado. Ora, se o Estado assumiu o compromisso de promover a alimentação saudável para a população paulista, por que diabos abriga em suas instalações um festival como o Festival do Bacon? E não é só isso: o mesmo local, quem tem a missão de “ser polo de integração social, cultural e político dos países de língua latina e caribenha, para resgatar a antiga ideia de solidariedade e de união defendidas pelos libertadores da América no século 19‘” abrigou 146 festivais desde 2015, identificados através da área de eventos do Facebook da empresa Art Shine Promoções e Eventos, dedicados a alimentação não saudável e consumo de bebidas alcoólicas! Cento e quarenta e seis festivais de alimentação não saudável são 3 festivais todo mês durante quatro anos…

A página no Facebook indica que esses eventos atraíram o interesse de 5.162.671 milhões de pessoas! É um número altíssimo de gente querendo entretenimento e diversão barata através de alimentos que as deixam simplesmente doentes. O pior é que tudo isso acontece sob os olhos do Estado (com incentivo da imprensa que promove tais eventos com olhar totalmente acrítico), pois ele, indiretamente, abrigou esses festivais e, em momento algum, sequer alertou a população paulista dos riscos que aqueles alimentos representavam à nossa saúde. Nenhum cartaz, nenhuma faixa, nenhum quiosque… nadinha.

Ou seja, o Estado (de São Paulo, no caso) tem órgãos de proteção que visam a orientação para a alimentação saudável ao mesmo tempo em que promove a alimentação não-saudável, produto da mais odienta exploração animal, e tudo ocorre em perfeita harmonia – exceto para a população que adoece, claro. O Ministério Público não viu ilegalidade ou nada de errado na atividade mesmo fazendo parte do tal Comitê Estadual para a Promoção da Alimentação Saudável e Prevenção de Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Estado de São Paulo. Instituído ainda na administração do governador José Serra (PSDB), os representantes do Comitê, se dessem o ar da graça, poderiam, no máximo, representar uma apresentação circense, porque tudo isso me pareceu uma grande palhaçada.

Veja o nome de alguns dos festivais e tire suas conclusões sobre a qualidade dos alimentos ali servidos:

Festival de Churros; Festival de Costela; Festival de Milk Shake e Sorvetes; Festival de MMs, confetes e disquetes ; Festival de Torresmo; Festival de Waffles no Brasil; Festival do Pastel; Festival de Cerveja Artesanal; Festival da Churrascada Cervejada; Festival da Coxinha; Festival de Churrasco; Festival de Hamburguer; Festival de Porco no Rolete; Festival de Torresmo; e Festival do Bacon.

Muitos desses festivais tiveram várias edições, alguns contando com mais de uma edição do mesmo festival por ano. E os dez festivais que atraíram mais de cem mil pessoas cada um conforme indica o perfil da Art Shine Promoções e Eventos no Facebook são: 1º Festival de Churros; 1º Festival da Batata; Festival da Coxinha; 10º Festival do Morango; Festival da Batata; Festival de Camarão; Festival do Pastel; 2º Festival de Churros; e 4º Festival Gastronômico Até R$ 10,00. Ah, e não se iludam: os festivais do Morango e da Batata não visavam o consumo da fruta e do legume tão somente sem nenhum acréscimo de gordura, açúcar, muito sal etc. Não, o consumo desses alimentos, nesses festivais, é só mais um ingrediente das junk foods que eles servem à rodo.

Fonte: Facebook da empresa Art Shine Promoções e Eventos. Dados coletados em outubro de 2020.

Naquela época, agosto de 2017, não havia o SARS-CoV-2 (vírus responsável pela doença covid-19), apesar de haver tantos outros até mais mortais à espreita como MERS-CoV ou mesmo a gripe suína e aviária, daí que o neologismo sindemia não estava no nosso vocabulário apesar das condições para a sua existência já terem sido anunciadas desde bem antes: o sedentarismo das populações humanas ancestrais foi o primeiro passo para a acelerada degradação do planeta e da nossa própria espécie; a escravização dos animais foi o segundo passo; os nossos diversos e múltiplos arranjos sociais (incluindo as revoluções, como a industrial e informacional) o terceiro passo; a nossa indiferença com tudo isso apesar de todo o conhecimento acumulado por milênios é o quarto passo; e, enfim, essa marcha fúnebre prossegue em direção ao abismo.

Cerveja de bacon e sunday com bacon no Festival do Bacon, Memorial da América Latina, 2017. Fotos de Fabio Montarroios
Alimentos disponíveis no Festival do Bacon, Memorial da América Latina, 2017. Foto de Fabio Montarroios

SINDEMIA À BRASILEIRA

A última grande ameaça biológica que os brasileiros viveram, fora talvez a disseminação repleta de preconceito que envolveu o vírus da Aids nos anos 1980, se deu há mais de cem anos, com a gripe espanhola… Bom, o termo sindemia surgiu em janeiro de 2019, no estudo publicado na revista The Lancet, e ele indica a combinação de três grandes pandemias agindo simultaneamente sobre as populações no mundo todo: a obesidade, a desnutrição e as emergências climáticas. Daí que países como o Brasil e sua brutal desigualdade social e falta de eficiência nas gestões públicas (em todo o espectro político ideológico), amplificam os efeitos da chegada de uma nova pandemia, como está sendo o caso neste exato momento, da pandemia de Covid-19.

Não é preciso, contudo, ser um cientista genial para constatar que você já tem grandes problemas para lidar e um novo problema surge, você tem um problema ainda maior nas mãos, mas o que pega é que às vezes o óbvio, como é o caso dos sabidos efeitos deletérios das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), responsáveis por 70% das mortes em todo o mundo (e 72% no Brasil), nos escapa totalmente ou fica lá jogado para escanteio quando algo retumbante surge como está sendo o caso agora da pandemia de Covid-19. É óbvio, portanto, que num país como o Brasil, e ainda mais no atual contexto de um governo negacionista (da pandemia e também das emergências climáticas) e, consequentemente, genocida, que as coisas serão bem piores. Na verdade, elas já estão sendo: desde março, quando o vírus do momento aportou aqui através de pessoas vindas da Itália, os números já estão em 160 mil mortos.

Saiba mais: O ASSASSINATO E A EXPLORAÇÃO DE ANIMAIS NOS COLOCARÁ DIANTE DE NOVAS PANDEMIAS, por Vanice Cestari.

Falar com o presidente sobre esses milhares de brasileiros que perderam suas vidas e ouvir um “e daí?” ou “eu não sou coveiro” como resposta é algo abjeto e indica que tratar de outros assuntos com a figura execrável que assume o posto máximo da nação, em outros possíveis questionamentos, teria resposta similares a algumas que já vimos, por exemplo, se o assunto fosse o número de mortos no trânsito: “cala a boca”; o número de assassinados pela polícia: “minha vontade é encher a sua boca de porrada”; o número de mortos por DCNT: “pergunta pra sua mãe”; e por aí vai. Este é o baixo nível em que nos encontramos. Ora, dá pra incluir, no nosso caso nem tão particular, já que presidentes assim de extrema-direita pipocam no mundo todo, o bolsonarismo como mais um elemento de uma sindemia à brasileira, afinal, essa onda só está amplificando problemas que já tínhamos.

Mas, como sempre fazemos no Saber Animal, buscamos um contexto maior para explicar os problemas que identificamos sempre que tratamos de qualquer assunto. A visão crítica, nosso norteador máximo, nos guia sempre que nos colocamos a produzir algum conteúdo.

Vale observar, então, que podemos inferir que o que tem acontecido nas três últimas décadas, apesar de já termos tido governos não tão ruins com governantes cheios de problemas em suas administrações (Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e até o golpista Michel Temer), é que o número de mortes por todas as DCNT geralmente subiu ano após ano. Na somatória, de 1996 até 2019, já se foram 6.148.805 milhões de brasileiros que poderiam ter vivido mais e melhor se ações dos próprios cidadãos e, principalmente, do Estado tivessem sido colocadas em prática. As ações que o Comitê Estadual para a Promoção da Alimentação Saudável e Prevenção de Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Estado de São Paulo são apenas um exemplo do que poderia ter sido feito.

Pude observar que nas minhas pesquisas de alguns estudos sobre o tema apontavam para, ao contrário do que imaginava, uma diminuição das DCNT ao longo dos anos, especialmente na década retrasada… Só que esses resultados são possíveis apenas quando algumas das DCNT são selecionadas como parâmetro de avaliação. Preferi, então, usar todos os indicadores do Painel de Monitoramento da Mortalidade Prematura (30 a 69 anos) por DCNT, da Secretaria de Vigilância em Saúde, que incluem a totalidade de DCNT listadas no serviço.

Escolher apenas algumas delas, mesmo que sejam as destacadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como as principais (as doenças cardiovasculares, o câncer, o diabetes Mellitus e as doenças respiratórias crônicas) me pareceu abrir espaço para uma compreensão de que estamos tendo uma melhora no cenário quando é justamente o oposto quando levamos em conta, novamente, todas as DCNT.

Em estatística é possível, se a pessoa quiser, destacar apenas os melhores números e pintar um cenário até diferente do que ele realmente é e isso me pareceu ter sido uma opção deliberada, por exemplo, do relatório Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022, do Ministério da Saúde. O ministro da saúde da vez, Alexandre Padilha, a serviço do Governo Dilma Rousseff, indica no texto de abertura que “Na última década [2000-2010], observou-se uma redução de aproximadamente 20% nas taxas de mortalidade pelas DCNT, o que pode ser atribuído à expansão da Atenção Básica [um programa do governo da época], melhoria da assistência e redução do consumo do tabaco desde os anos 1990, mostrando importante avanço na saúde dos brasileiros”.

Ora, observei justamente o contrário quando optei por levar em conta todas as DCNT listadas no serviço de vigilância citado mais acima e não apenas algumas delas. E aqui vai um aviso importante: por não ser da área da saúde (minha graduação é em História) e poder estar incorrendo numa avaliação equivocada analisando o todo, creio mesmo assim que os dados oficiais nos indicam, sim, uma piora no quadro geral e não uma melhora na vida dos brasileiros…

A última década a qual o ministro se referia, de 2000 a 2010, registrou a morte de 2.672.662 milhões de brasileiros por DCNT. A cada ano daquele período houve um aumento médio de 1,77% desse tipo de morte! Se escolhermos apenas algumas delas é bem provável mesmo identificar quedas isoladas por doença, mas as políticas públicas devem, ou deveriam, ser orientadas para a prevenção de todas as doenças que forem possíveis de prevenção em algum grau e não para apenas algumas – mesmo que apenas para as principais e as que atingem mais gente. Afinal, todos os cidadãos brasileiros têm direito à tratamento igualitário dado pelo Estado – está na nossa Constituição. Que sentido faz, então, atacar um tipo de câncer e um outro não, por exemplo? É, não faz sentido… Especialmente para quem tem o outro tipo de câncer e pode morrer por isso por falta de ação do Estado.

Nem todas as DCNT, claro, tem relação direta e imediata com a alimentação, mas a alimentação é um fator determinante para a nossa qualidade de vida e, consequentemente, tem impacto nas doenças que podemos desenvolver a depender das nossas opções e escolhas (ou falta delas). Outros fatores também contam como a poluição das águas e atmosférica, o estresse, qualidade do sono, genética, etc. Mas é essa, em grande parte, a principal razão para dar ênfase ao desserviço à sociedade que é um festival como o Festival do Bacon. O bacon, repito, é um alimento cancerígeno!

Observado numa faixa de tempo ainda maior, de 1996 a 2019 (infelizmente não havia os dados de 1995, o primeiro ano do governo FHC, disponíveis), saltamos de 200 mil mortos nos anos noventa para 300 mil na década passada a cada ano! Foram raros os anos que demostraram alguma diminuição (bem pequena) das mortes como é possível ver no gráfico abaixo.

Fonte: Painel de Monitoramento da Mortalidade Prematura (30 a 69 anos) por DCNT, da Secretaria de Vigilância em Saúde

Agora, não me parece mera coincidência que justamente no ano do golpe, 2016, o Brasil atingiu a horrenda marca de 300 mil mortos por DCNT. Foi um ano traumático para o país que viveu o ápice de sua crise política e de representatividade, com o ódio e a polarização sendo estimulada nas redes sociais (e na imprensa) a cada nova postagem – além da crise econômica que apenas se agravava desde a última década. Com uma população (majoritariamente pobre e dependente de auxílios governamentais) apreensiva com os joguetes políticos de forças declaradas e de forças obscuras, me parece bastante razoável inferir também que esse contexto não fez bem à saúde de ninguém, exceto, claro, dos que se beneficiaram daquele caótico ano e conseguiram mais poder e, talvez até, mais dinheiro.

Notadamente, a tendência era e é de alta e, sinceramente, não vejo, não neste governo, a menor possibilidade deste mórbido placar se alterar para baixo. Estamos em uma era (a dita nova era) de verdadeira adoração da morte. Apesar dos governantes da vez falarem e agirem o tempo todo em nome de uma suposta bondosa deidade, eles cultuam, na verdade, o deus do caos. Liberação de armas, incentivo às queimadas, mais agrotóxicos nas plantações e mais exploração animal, desmonte de políticas públicas, os milicianos, a apologia à tortura, o autoritarismo, o cerceamento à liberdade de expressão, o militarismo, a mineração (até em terras indígenas!), a perseguição a funcionários públicos com funções de fiscalização (no IBAMA, por exemplo), o afrouxamento das leis de trânsito etc etc etc não saem nunca da pauta desse governo de extrema-direta personificado na figura de Jair Bolsonaro e sua família encrustada no poder há três décadas.

Porém, aqui cabe uma ressalva em relação ao que acabei de dizer: pode até ser que as DCNT tenham uma diminuição em 2020, porque as pessoas que morreriam por elas tiveram suas vidas ainda mais abreviadas pela Covid-19 (que tem seus efeitos potencializados quando combinada com uma má alimentação), que os governos estaduais de um modo geral não souberam lidar muito bem, apesar da maioria dos governadores terem feito alguma coisa mínima para combatê-la, e que foi sistematicamente negada (a “gripezinha”) e sabotada pelo governo federal de março até o momento atual. O quadro, portanto, não deixar de ser triste, afinal, o resultado é o mesmo: são brasileiros que poderiam viver mais que estão indo antecipadamente para as covas abertas às pressas nos cemitérios de todo país.

E, com efeito, todo governante, como poderemos ver mais abaixo, entregou ao próximo governo um número cada vez maior de mortos por DCNT ao seu sucessor. Foi o caso de governos de centro-direita, como o de FHC e de centro-esquerda, como o de Lula e Dilma. É de se lastimar que assim seja, pois a população brasileira, sem políticas públicas de estímulo a uma verdadeira alimentação saudável, e ela, acreditamos no Saber Animal, passa necessariamente pelo vegetarianismo estrito, ou seja, uma dieta sem carnes, ovos, leite e seus derivados, fica à mercê das indústrias que exploram os animais não humanos, os humanos com subempregos e toda a natureza. O apelo publicitário desses produtos e o lobby das empresas é tão poderoso que a população brasileira embarca e compra cada vez mais itens de baixíssima qualidade que a faz apenas aumentar as estatísticas de mortos a cada ano.

Fonte: Painel de Monitoramento da Mortalidade Prematura (30 a 69 anos) por DCNT, da Secretaria de Vigilância em Saúde
Fonte: Painel de Monitoramento da Mortalidade Prematura (30 a 69 anos) por DCNT, da Secretaria de Vigilância em Saúde
Fonte: Painel de Monitoramento da Mortalidade Prematura (30 a 69 anos) por DCNT, da Secretaria de Vigilância em Saúde
Fonte: Painel de Monitoramento da Mortalidade Prematura (30 a 69 anos) por DCNT, da Secretaria de Vigilância em Saúde
Fonte: Painel de Monitoramento da Mortalidade Prematura (30 a 69 anos) por DCNT, da Secretaria de Vigilância em Saúde

OS GRINGOS TAMBÉM CANTARAM A JOGADA EM 2017

Ainda nos idos dos anos de 2017 (ainda sob os efeitos da ressaca pós-golpe), um longo artigo do The New York Times foi publicado, com tradução para o português, alertando dos problemas do consumo de alimentos que apenas deixam as pessoas mais e mais doentes no Brasil: Como a Grande Indústria Viciou o Brasil em Junk Food, de Andrew Jacobs e Matt Richtel.

Vejam, palavras do The New York Times: a grande indústria viciou o país em junk food. Percebem a abrangência da manchete? Vício em todo o país! Sinceramente, é até difícil pensar em um título mais acachapante que este. Talvez um compatriota nosso, ciente desta situação terrível de uma das principais causas das DCNT, hesitasse e medisse as palavras ao falar em vício e com tamanha abrangência! E quando a matéria fala da grande indústria ela não deixa de falar da poderosa indústria estadunidense (é o caso da Pepsico e da General Mills, por exemplo, ambas citadas no artigo). Afinal, são essas multinacionais da alimentação que passaram a explorar, em movimento similar à indústria automobilística, os países em desenvolvimento para aumentarem suas margens de lucro: “Enquanto suas vendas caem nos países mais ricos, as multinacionais do gênero alimentício, como Nestlé, PepsiCo e General Mills, aumentam sua presença de forma acintosa nos países em desenvolvimento, comercializando seus produtos tão ostensivamente que chegam a transtornar os hábitos alimentares tradicionais do Brasil, Gana e Índia”, dizem os autores da matéria.

O problema é que isso não é exatamente um problema de agora e sempre que nos deparamos com algum conteúdo que apela à nostalgia da audiência nascida nos anos 80 (meu caso) ou 90, são os produtos dessas multinacionais que preenchem as nossas lembranças afetivas. Eu, por exemplo, me recordo, infelizmente com carinho, do chocolate Surpresa que acompanhavam cards com informações sobre animais de diferentes biomas (todos eles ainda mais ameaçados hoje), ou da bolacha Passatempo, que eu mergulhava no café em muitas das minhas manhãs e tardes… Sem falar no achocolatado Nescau, no Leite Ninho, no chocolate Lollo… “Doce, doce, doce / A vida é um doce”, cantava a jovem moça com trajes de cabaré, voz estridente e cercada de crianças na TV de opções tão limitadas daquele tempo amplificando o canto de sereia da indústria.

Com a chegada da TV à cabo nos anos 90 para a classe média em ascensão, as opções de entretenimento infantil aumentaram na mesma proporção que as propagandas direcionadas às crianças.

Indiretamente, através dos meus desejos infantis influenciados pela grande indústria e seus artifícios ainda um tanto toscos na conquista do público infantojuvenil, contribuí, juntamente com a minha geração, para o enriquecimento de conglomerados como o da Nestlé, que ganhou destaque na publicação estadunidense exibindo as táticas nas ações de venda porta à porta nos rincões periféricos do Brasil. E mesmo que agora contemos com mais produtos nas prateleiras dos supermercados, vemos apenas a chegada de algumas novas marcas oferecendo ainda mais junk food aos consumidores. O chocolate Twix, os docinhos M&M’s, as bolachas Oreo, e tantos outros ficando apenas no universo dos açucarados, vão preencher a lembrança nostálgica de muita gente daqui a alguns anos também e, da mesma forma, fazendo a todos adoecer e perpetuar a exploração das vacas das quais roubamos seus filhos e seu leite. Vale a pena todo esse sofrimento pra momentos como a chuva de chocolate Twix na Avenida Paulista, em São Paulo? Não…

Saiba mais: A CRESCENTE MERCANTILIZAÇÃO DO VEGANISMO SEM ABOLIÇÃO ANIMAL, por Vanice Cestari.

A MORTE MATADA E A MORTE MORRIDA NAS PERIFERIAS

O imaginário coletivo associa imediatamente as periferias brasileiras à lugares de violência: roubos, furtos, assassinatos, estupros, tráfico de drogas são a tônica dominante nas áreas que não são tidas como “nobres” nas cidades brasileiras… Toda sorte de perigo de uma cidade emana basicamente das periferias, já repararam? A imprensa sensacionalista reforça essa visão há décadas nos tabloides e nos programas de televisão. É também por isso que a classe média, ao longo dos anos 80 e 90 (décadas muito simbólicas para o nosso momento atual), subiu os muros de suas casas, muitas delas financiadas ou herdadas, para, ao mesmo tempo que almejava preservar seu patrimônio (carros, eletrônicos e uns trocados separados para ir à Disney), tentava ficar longe da violência que se manifestava apenas e tão somente nas ruas.

Outra consequência desse encastelamento é que as crianças pararam de brincar fora de casa e ficaram mais tempo sentadas no sofá com seus jogos eletrônicos e muito tédio no convívio com pais que não sabem ser pais, que apelam para programas sensacionalistas como Supernanny e similares para conseguir uma forma de convívio. O mesmo fenômeno se deu também nas periferias, mas com menos espaço nos lares e mais improviso arquitetônico, as crianças além de terem sua infância limitada pelo medo da violência de seus pais, chegam a habitar áreas de risco e locais totalmente desprovidos de equipamentos seguros para o desenvolvimento delas.

Carrinho de compras infantil, que era empurrado por uma criança, repleto de junk food em supermercado de classe-média da capital paulista, 2017. Foto de Fabio Montarroios

A violência da classe média, ah, essa parece que nem existe, né? Daí que os milhares de brasileiros mortos no trânsito das cidades devem ser obra de algum fantasma que se apossa de seus carros… A violência contra mulheres e crianças também deve ser obra de monstros que saem dos seus armários… A falta de reconhecimento de direitos trabalhistas de milhões de empregadas domésticas, ora, isso nem de violência podemos chamar, afinal, o que é negar registro em carteira comparado com o furto de seus celulares topo de linha, não é mesmo? Não tem nem comparação…

Mas no reino mágico da classe média brasileira há, sim, muita violência. Essa comparação, com recorte de classe, geralmente não ganha lá muito destaque na grande imprensa, mas pelo que eu saiba, possuir um carro requer recursos (conta bancária, acesso a financiamento, ter habilitação, dinheiro para manutenção etc) e a maioria deles está na mão justamente da classe média. Recolher as crianças é uma opção que os pais tomam deliberadamente: ao invés de exigirem espaços seguros para elas brincarem (parques e praças), os adultos às levam aos shoppings da cidade (assim sendo é preciso transportar a família, ter dinheiro para alimentação, saciar o consumismo etc) e “resolvem” tudo em espaços privados e naturalmente excludentes. E explorar mão-de-obra alheia só faz quem tem algum dinheiro para contratar alguém (negar direitos se dá quando você sabe da existência deles e esse conhecimento requer estudo, informação e noção das consequências que é negá-los etc).

A classe média brasileira é, sim, violenta, ou melhor, violentíssima, pois ela também faz outra coisa igualmente condenável: dá corda para a violência policial que corre solta nas periferias… A classe média só não é mais violenta que as nossas elites, porque enquanto uma adere e amplifica discursos violentos, a outra os cria e os mantém sempre vivos! Mas para não parecer que estou perdendo o foco da questão central deste texto, as DCNT, destaco a seguinte manchete da Agência Pública: “Na periferia de São Paulo, morte chega 20 anos mais cedo que em bairros ricos“.

Você provavelmente vai achar que as pessoas morrem jovens por conta dos assassinatos que acontecem nessas regiões da cidade que você só vai por engano do seu GPS: morre-se mais cedo nas periferias, porque lá ocorrem mais assassinatos, claro! Mas não é bem assim que funciona. O maior número de mortes nas periferias ocorrem justamente por conda das… DCNT! Sim, no caso abordado pela matéria de Bruno Fonseca: “A principal causa de morte na Cidade Tiradentes [bairro da cidade de São Paulo], segundo os dados mais atuais da própria Secretaria [de Saúde] (2017), foram doenças do aparelho circulatório, que representam quase um terço do total de óbitos (32%). Já em Moema [outro bairro da mesma cidade], o principal motivo foram tumores (28% das mortes). Além disso, entre os dois bairros há uma diferença significativa entre as mortes por causas externas, que incluem acidentes e mortes violentas: na Cidade Tiradentes, 11% das mortes ocorreram nessa categoria; já em Moema, essas mortes não chegam a 5% dos casos.

Momentos no Festival do Bacon, Memorial da América Latina, São Paulo. Fotos de Fabio Montarroios
Festival do Bacon, Memorial da América Latina, São Paulo. Foto de Fabio Montarroios

As mortes por “causas externas” não devem nunca estar fora de perspectiva, claro, mas vejam que nas periferias vive-se menos por uma conjunção de fatores que inclui uma má alimentação, acesso precário a um sistema de saúde capaz de prevenir e tratar doenças e quase nenhum espaço para atividade física de uma população precarizada que, além de tudo isso, tem pouco tempo para cuidar de si mesma por conta das longas jornadas de trabalho e deslocamento pela cidade. Nos bairros mais ricos, os moradores possuem naturalmente uma ampla rede hospitalar à disposição via plano de saúde privado e mais informação para a compra de produtos saudáveis igualmente mais disponíveis nesses locais, além de infraestrutura urbana eficiente.

Apesar que mesmo as classes mais ricas são atingidas por hábitos pouco saudáveis: os empórios frequentados pelos mais ricos vendem queijo Camembert, presunto de Parma, bebidas com alto teor alcoólico e toda sorte de produtos importados que, apesar de terem mais qualidade que seus equivalentes nacionais, pelo rigor das leis Europeias, por exemplo, não deixam de figurar como parte de uma má alimentação no cômputo geral. As elites torcem o nariz para a alimentação das classes que oprimem, mas elas também se esbaldam em junk food, mas uma junk food gourmetizada. O artigo da Agência Pública traz um gráfico que indica que nos bairros ricos também se morre pelos mesmos problemas de saúde que nas periferias: Consolação, Alto de Pinheiros, Itaim Bibi e Santo Amaro.

Na antessala do além, os riquinhos, a classe média e os pobretões se confraternizam sabendo que lá chegaram pelos mesmos motivos.

Saiba mais: ATÉ UM HAMBÚRGUER É MAIS INTELIGENTE QUE VOCÊ, por Fabio Montarroios.

As referidas doenças circulatórias incluem as doenças do sangue e as doenças cardiovasculares (a principal causa de morte no país). Vários fatores, evidentemente, levam a essas doenças, mas os principais destacados pelos médicos são a má alimentação e a falta de atividade física. Sendo assim, voltamos à tal da sindemia, porque as periferias não escapam das emergências climáticas, claro, mas são justamente as populações das periferias que sempre sofrem e sofrerão mais, porque além de não entrarem no mapa das ações dos governos que não envolvam controle desses territórios através apenas de policiamento violento, essas áreas sofrem escassez de quase tudo que poderia confluir para uma vida mais saudável.

Vale reiterar que nas periferias faltam árvores, hospitais, parques, escolas, creches, saneamento básico, feiras livres, bons empregos, boas moradias, policiamento comunitário, (pré-)escolas e universidades, transporte etc etc etc… A realidade das pessoas que habitam as periferias é notadamente de baixa escolaridade, empregos precarizados, grandes dificuldades nos deslocamentos pela cidade, falta de opções de lazer, assédio de criminosos e perseguição policial, entre outras desvantagens que tornariam a vida de qualquer um mais difícil ou até impossível.

Não à toa, as periferias também concentram a maior parte da população preta que é, historicamente, perseguida pelo Estado (além de discriminada por parte da sociedade) ao ser constantemente criminalizada mesmo quando não comete crimes e carente de políticas públicas que, de algum modo, lhes permitam a busca por estabilidade social num país que tem em sua identidade, de modo indissociável, à escravidão humana que se deu há até o final do século XIX.

A população preta, vale dizer, seria extremamente beneficiada por uma alimentação verdadeiramente saudável, como é o caso do vegetarianismo estrito, pois “A raça negra apresenta maiores prevalências de obesidade em vários estudos realizados nos Estados Unidos e também no Brasil“, conforme indica o livro Epidemiologia nutricional, de Gilberto Kac.

UM, DOIS: FEIJÃO COM ARROZ; SETE, OITO: COMER BISCOITO

Em setembro deste ano, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, indicou que o Guia Alimentar Para a População Brasileira não deveria condenar o consumo de alimentos ultraprocessados como o faz atualmente. A gritaria foi grande e ela recuou, por ora. Como representante do agronegócio no governo, ela não poderia deixar que o governo não recomendasse os produtos da indústria que ela defende ferozmente. Governos deveriam, na verdade, defender os interesses dos seus representados e não apenas o dos empresários, mas não é assim que vem funcionando há décadas…

Foi o caso notório de inversão do que deveria acontecer, retomando a já citada matéria do The New York Times, que constatou que o Advogado Geral da União, Luís Inácio Adams, nomeado pela presidenta Dilma Rousseff, quando ele ficou do lado da indústria na tentativa, por parte da Anvisa, em limitar o alcance das junk food no Brasil. As empresas entraram com várias ações contra o governo e ao invés de Adams se posicionar ao lado do povo, optou por acatar o lobby das empresas. E mais: “Rousseff venceu a eleição [de 2010] e, logo que tomou posse, substituiu [o diretor da Anvisa] Raposo de Mello por Jaime César de Moura Oliveira, um aliado politico de longa data e ex-advogado da subsidiária brasileira da Unilever” numa clara política de desmonte da agência reguladora. Logo depois o governo veio com uma ação que passava a bola para a sociedade: “Intitulada ‘Emagrece, Brasil’, a exibição exaltava o exercício físico e a moderação como chaves para combater a obesidade, mas minimizava a evidência científica dominante sobre os riscos de consumir muito açúcar, refrigerantes e alimentos processados. O patrocinador da exposição? A Coca-Cola.

Fatores de risco no Brasil [para as DCNT]: os níveis de atividade física no lazer na população adulta são baixos (15%) e apenas 18,2% consomem cinco porções de frutas e hortaliças em cinco ou mais dias por semana. 34% consomem alimentos com elevado teor de gordura e 28% consomem refrigerantes cinco ou mais dias por semana, o que contribui para o aumento da prevalência de excesso de peso e obesidade, que atingem 48% e 14% dos adultos, respectivamente (BRASIL, 2011). [Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) no Brasil, 2011-2022,]

Os gráficos abaixo indicam o quão grave é a situação. Os brasileiros aumentam de peso a cada nova pesquisa. A obesidade dobra de 2002-2003 para 2019 entre homens (de 9,6 para 22,8) e mulheres (de 14,5 para 30,2)! O excesso de peso segue igualmente em alta entre os dois gêneros. A Pesquisa Nacional de Saúde 2019 (assim como as pesquisas anteriores) é um guia para os governantes orientarem as políticas públicas, mas, pelo visto, pouco fazem apesar de saber exatamente o que está ocorrendo de maneira até bem precisa.

Pesquisa Nacional de Saúde, 2019.

A situação para os jovens segue na mesma toada:

Pesquisa Nacional de Saúde, 2019.

No Saber Animal, não defendemos e nem indicamos o Guia, como ferramenta para quem busca uma melhor alimentação, porque além dele insistir na intensa exploração animal, por motivos econômicos obviamente, ele não aponta para a alimentação vegetariana estrita como a alimentação ideal para o brasileiro sair desse atoleiro no qual se meteu. Na verdade, apesar de indicar que não trata do assunto vegetarianismo, os autores da publicação fazem o mesmo que a grande maioria dos nutricionistas quando indicam que você tenha cuidado com a alimentação que envolve restrições: “Embora o consumo de carnes ou de outros alimentos de origem animal, como o de qualquer outro grupo de alimentos, não seja absolutamente imprescindível para uma alimentação saudável, a restrição de qualquer alimento obriga que se tenha maior atenção na escolha da combinação dos demais alimentos que farão parte da alimentação. Quanto mais restrições, maior a necessidade de atenção e, eventualmente, do acompanhamento por um nutricionista.

Reparem que é sempre o mesmo rame-rame: se você é vegetariano estrito, “CUIDADO!, procure um nutricionista imediatamente”! Agora se você é um viciado em carne, leite e ovos: “ok, fique tranquilo, só evite o excesso de ultraprocessados que tudo ficará bem”. Perceba que o Guia seria totalmente compatível com muito do que é vendido nos referidos festivais que acontecem no Memorial da América Latina, como é o caso do Festival do Bacon, bastaria você evitar talvez alguns alimentos ultraprocessados ali que tudo certo. O Guia, vale dizer, é defendido também por subcelebridades do mundo gastronômico que indicam receitas envolvendo o consumo intenso de gordura animal. Eis um típico exemplo de desinformação:

Vendo o tweet acima você nota que os porcos são alimentos que vêm da natureza ou eles vêm de  empresas que aceleram as emergências climáticas desmatando e lançando dejetos por toda parte; que se envolvem com corrupção em nível presidencial e têm acesso a gordos financiamentos para aumentar seu poder; que não se envergonham em vender produtos podres conforme apurou a investigação policial denominada Carne Fraca em 2017 (que ano!); e que produz uma quantidade incrível de alimentos ultraprocessados como a carne de milhares de porcos assassinados todos os dias? Essa é a mentalidade daqueles que dizem defender uma alimentação saudável…

Saiba mais: PARA ALÉM DA OPERAÇÃO CARNE FRACA: ESCRAVIDÃO ANIMAL E HUMANA NA INDÚSTRIA DA CARNE, por Vanice Cestari

Vale recapitular para não esquecer: as elites são as mais violentas, sempre.

Se nos EUA temos as áreas que especialistas chamam de pântanos alimentares, no Brasil fazemos igual movimento: note a expansão das redes de junk food que está se dando por várias cidades brasileiras. A propósito, é sempre muito triste que aqui se reflita o estilo de vida dos do norte do Continente Americano. Por que nos sujeitamos a viver como eles vivem sendo que se vive tão mal por aquelas bandas? A população estadunidense está cada vez mais e mais obesa… Então, por que importar esses hábitos para cá? Por que não difundir o vegetarianismo estrito como uma fonte segura de alimentação saudável? A ganância dos empresários já é esperada, afinal, não existe o tal capitalismo consciente ou ético, então, por que a população não resiste aos encantos das empresas de junk food?

Ontem, dia 31/10, foi Halloween, ou Dia das Bruxas, uma festividade do calendário estadunidense que se tornou popular por aqui, a rede de fast food estadunidense Burguer King distribuiu lanches grátis para quem fosse fantasiado a algumas de suas milhares de lojas pelo país. As filas dobravam os quarteirões conforme registros de gente indo atrás de junk food ou “comida lixo” conforme a expressão cunhada pelos… estadunidenses.

Globalmente, a dieta e os fatores de risco relacionados com o peso mal se alteraram desde 1990, sendo responsáveis por 8,8 milhões de mortes em 2017, o que representa 19% da mortalidade total. As regiões com a maior proporção de mortes relacionadas com a dieta incluem a região do Mediterrâneo Oriental (28%), Europa (25%) e Américas (22%). O elevado consumo de carne vermelha foi responsável por 990.000 mortes a nível mundial em 2017. A maior contribuição para este total veio da região do Pacífico Ocidental, onde o consumo de carne vermelha foi responsável por uma estimativa de 411.500 mortes (3,3% de todas as mortes nesta região). Embora tenha havido uma melhoria global dos fatores de risco alimentar na Europa, as mortes atribuíveis ao consumo de carne vermelha ainda foram responsáveis por 3,4% de todas as mortes (306.800 mortes).1 [The 2020 report of The Lancet Countdown on health and climate change: responding to converging crises. Vários autores]

O poderio das empresas em oferecer comida a preço baixo e estar presente em vários lugares é um ponto difícil de combater, já que o estilo de vida dos brasileiros também favorece o consumo de fast food, pois como já mencionado mais acima, sobra cada vez menos tempo para o cuidado de si numa sociedade voraz em todos os sentidos. Não existe, por parte de nenhum governo, o estímulo concreto a uma verdadeira alimentação saudável e não há enfrentamento da fúria das empresas em lucrar a despeito dos estragos que fazem. O que vemos é uma adesão sem críticas a uma forma de viver que nos aproxima de uma morte precoce.

Ao invés do famigerado Guia, portanto, você pode buscar informações seguras, por exemplo, com os Médicos Vegetarianos.


Nota:

1 Globally, diet and weight-related risk factors have barely changed since 1990, accounting for 8,8 million deaths in 2017, representing 19% of total mortality. The regions with the largest proportion of diet-related deaths included the Eastern Mediterranean region (28%), the European region (25%), and the region of the Americas (22%). High red meat consumption was responsible for 990.000 deaths globally in 2017. The greatest contribution to this total came from the Western Pacific region, where red meat consumption was responsible for an estimated 411 500 deaths (3,3% of all deaths in this region). Although there has been an overall improvement in dietary risk factors in Europe, deaths attributable to red meat consumption still accounted for 3·4% of all deaths (306.800 deaths).

Texto atualizado em 06/12/2020 com informações do periódico científico The Lancet sobre mortes relacionadas com a alimentação e ao consumo de carne vermelha.