🗞️ Vacas querem viver, escapam de matadouro e são recapturadas

Vaca é recapturada após fugir de matadouro nos EUA.
Vaca é recapturada após fugir de matadouro nos EUA.(Foto: CBS Los Angeles).

Quarenta vacas escaparam de um matadouro em uma cidade da Califórnia (EUA) na semana passada e foram vistas correndo pelas ruas em poucos minutos de uma angustiante liberdade.

Conforme divulgado pelo canal norte-americano CBS Los Angeles, elas escaparam acidentalmente devido a um portão deixado aberto. Não é a primeira vez que sabemos de notícias assim, embora incomum, acontece vez ou outra e nessas horas a imprensa, de modo geral, logo se ocupa em destacar eventuais danos materiais nas propriedades vizinhas e, claro, algum acidente mais grave ou lesão que possa ter envolvido seres humanos. E só.

A liberdade dos animais é ainda um direito não respeitado, não reconhecido, não querido pelos inconscientes seres humanos que os vêm como propriedade, como instrumento, como objeto, produto ou alimento, enfim, como utilidade ou meio para determinados fins e não como seres que são.

Ante um acontecimento desse, todos ficam com medo, especialmente os animais que correm sem rumo destruindo obstáculos, derrubando barreiras e fugindo de pessoas que os perseguem em uma autêntica caçada e tentam os encurralar, avançando sobre seus corpos com carros, laços e armas.

A cobertura jornalística desse episódio pela imprensa local pareceu adequada (o mesmo não podemos dizer da imprensa brasileira quando se põe a falar desses animais, sempre de modo anedótico ou com grande indiferença), levando-me a observar que, apesar de triste, tal fato pode ter levado as pessoas aos arredores sentir e manifestar compaixão pelas vacas, possivelmente ao perceberem o desespero e a luta delas pela própria vida e liberdade, fazendo com que suplantassem o medo e talvez a mera preocupação material, em uma perspectiva mais consciente de que as vacas também estavam com medo, machucadas e sangrando, em uma situação muito pior e angustiante.

A tristeza em questão não é a fuga, mas a sina do aprisionamento desses seres pela humanidade até o último golpe fatal que ceifará as suas vidas. Um a um, vamos despertando em nós mesmos a compaixão até que esta se torne um imperativo natural em nossas vidas.

Segundo a reportagem, uma das vizinhas que teve a cerca de sua residência danificada disse: “não é culpa das vacas, você não pode culpar as vacas por isso”. Outra que presenciou as vacas se debatendo em meio a diferentes obstáculos e carros enquanto eram perseguidas pelos humanos, disse: “se você pensar bem, é meio triste”.

Trecho da fuga de quarenta vacas de um matadouro na cidade de Pico Rivera, estado da Califórnia (EUA)

A tristeza não é medida ou não cabe em palavras, mas basta uma pequena brecha, o suficiente para “virar a chave” da percepção utilitarista que temos das vacas e demais animais “de produção” que servem aos insaciáveis desejos da humanidade. No mundo da atualidade, continuar escravizando animais e os matar para nossos interesses gastronômicos, comerciais ou utilitaristas são diferentes formas da mesma manifestação egoística que pode ser superada em prol do todo e do planeta, seja qual for o polo em que estivermos, de “produtor”, de acadêmico / cientista ou de consumidor.

Quem sente tristeza de episódios como este deve alinhar o seu sentimento ao seu agir. É assim que começa a mudança que desejamos ver no mundo. A mudança que só pode partir de nós mesmos.

E quando, num dia comum, a existência dos matadouros simplesmente vêm à tona nas zonas urbanas em um acontecimento como este, tumultuando a nossa rotina, provocando desordens, caos, barulhos assustadores, colisões, arrastões, sirenes, tiros e galopes que se espalham pelas ruas de uma tranquila cidade, já não podemos mais não enxergar, não olhar para o que estamos fazendo com os animais, já não podemos permanecer passivos e distantes, ainda que momentaneamente inertes ou assustados se somos nós a estarmos nos arredores da vizinhança.

Onde quer que estejamos, já não podemos mais permanecer indiferentes à destruição que pode estar atuando ao nosso redor, nos forçando a olhar para nossos hábitos e assim, quando algo nos muda por dentro, simplesmente foi pelo fato de que existe ali uma abertura que nos permite sentir e perceber o outro como ele é, a ver o outro, a enxergar o outro, independentemente de seu tamanho, de sua forma ou aparência.

Das quarenta vacas que experimentaram minutos ou algumas poucas horas caóticas de liberdade pela primeira vez desde o dia em que nasceram, trinta e oito foram recapturadas e levadas de volta ao matadouro, uma foi morta à tiros e apenas uma recebeu uma chance de vida porque foi resgatada e encaminhada para acolhimento em santuário chamado Farm Sanctuary, conforme divulgado por ativistas que militam pelos direitos animais.

Apenas uma vaca, ainda sem nome, recebeu uma chance de vida livre de exploração e violência porque foi acolhida por ativistas em defesa dos direitos animais.

Quando enxergamos o animal como ele é, o ser fala por si. Momentaneamente livres do matadouro, as vacas saem em disparada pelas ruas. Não permanecem pacatas e inertes, não são “cabeças”, não são números, não são cifras ou patrimônio de alguém, são indivíduos. Por que haveriam de aceitar docilmente o destino que lhes impuseram?

Em fuga, tentam escapar de seres humanos que agressivamente as perseguem. A trajetória natural de toda vida é viver. Que a cada instante da vida possamos estar mais atentos e perceptivos às evidências que acenam para nós sobre a verdadeira natureza dos seres.