🗞️ Governo Bolsonaro quer pena de morte para animais resgatados

Em meio a pandemia e escândalos, presidente Jair Bolsonaro pratica tiro ao alvo em 28.4.2020.
Em meio a pandemia e escândalos, presidente Jair Bolsonaro pratica tiro ao alvo em 28.4.2020.

Por concessão de medida liminar do Ministro Gilmar Mendes em ação constitucional que tramita no Supremo Tribunal Federal – STF (ADPF 640), estão suspensas em âmbito nacional todas as decisões administrativas e judiciais que determinam o “sacrifício” ou extermínio de animais apreendidos / resgatados em situação de maus-tratos, independentemente de sua espécie, e se reconhece a ilegitimidade de todas as normas infraconstitucionais (que estão hierarquicamente abaixo da Constituição) que determinam o abate dos animais nessa situação.

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Nesta decisão de caráter temporário, Gilmar Mendes cita o entendimento da doutrina de que a Constituição Federal reconheceu o valor inerente de outras formas de vida não humanas, não sendo a proteção à fauna “meramente instrumental” em relação ao ser humano, mas como um fim em si mesmo em uma perspectiva concorrente e interdependente; muito embora fez questão de destacar em seu voto que “a atividade de criação de animais para consumo é de grande relevância para a economia nacional e para a alimentação da população, devendo ser realizada a partir das determinações sanitárias e de proteção humana e ambiental”, terminando por se contradizer em seus próprios argumentos ao sugerir que não são praticados maus-tratos contra os animais criados para consumo humano.

Gilmar Mendes também entendeu que a Constituição Federal e dispositivo da própria Lei Federal nº 9.605/98 (também conhecida como lei de crimes ambientais) proíbem práticas cruéis contra os animais, não sendo possível nem mesmo o abate por questões sanitárias nas hipóteses de maus-tratos, o que em tese também beneficia os bovinos que ainda são vítimas da chamada “Farra do Boi” em Santa Catarina, onde acaba prevalecendo o argumento do abate sanitário quando são apreendidos pelo Poder Público.

Após a liminar concedida, a ação judicial segue o seu percurso processual normal até a decisão final de mérito que vai confirmar ou não a suspensão do extermínio dos animais resgatados de maus-tratos. Se, porventura, a liminar for derrubada antes do julgamento final, não está automaticamente autorizado o abate dos animais, na medida em que o texto da Constituição Federal e de artigo da Lei nº 9.605/98 é expresso na defesa animal.

Saiba mais: O ASSASSINATO E A EXPLORAÇÃO DE ANIMAIS NOS COLOCARÁ DIANTE DE NOVAS PANDEMIAS, por Vanice Cestari

Como já abordamos aqui no Saber Animal, tudo aponta para a criação exploratória e o comércio de animais para consumo (que, logicamente, nada tem a ver com o resgate de animais vitimados de maus-tratos como se quer fazer supor) como origem da atual pandemia.

Não devemos desconsiderar que ainda existe uma grande falta de conhecimento entre as autoridades públicas e os órgãos do Estado das questões que envolvem os Direitos Animais, o que em parte se deve ao especismo e, além disso, todos sabemos a posição do governo Bolsonaro, que não difere substancialmente dos assuntos ligados à defesa dos Direitos Humanos, especialmente dos mais vulneráveis, de modo que não é o atual Ministro da Justiça Sr. André Mendonça, então advogado-geral da União e tampouco a AGU (Advocacia Geral da União) que defende o abate de animais resgatados de maus-tratos, mas sim o Governo Federal, pois aquele age na mera representação deste.

Sendo assim, uma vez que essa estranha e temerária ação já foi proposta no STF, a concessão de liminar favorável aos animais foi uma boa notícia em meio à tantos retrocessos, o que também deve ser visto com muita cautela, sendo o papel de protetores(as) e ativistas em defesa dos Direitos Animais cobrar do STF a confirmação da liminar e colaborar no sentido de promover a conscientização e, principalmente, ajudar a espalhar informações fidedignas com relação aos animais não humanos e seus direitos, especialmente em tempos da Covid-19 combatendo diuturnamente as fake news e assim irmos além das compreensíveis lamentações daqueles(as) que não o elegeram.

Saiba mais: PODCAST SABER ANIMAL #008 – OS ANIMAIS NO JOGO POLÍTICO

Atualização em 20.9.21:

1. O STF decidiu, em julgamento finalizado em 17.9.21, que é ilegítima toda e qualquer interpretação que autorize o abate de animais apreendidos em situação de maus-tratos, haja vista que tal conduta viola dispositivos da Constituição Federal e da lei federal n. 9.605/98 (assunto que já abordamos com frequência aqui no Saber Animal), bem como afronta precedentes do próprio STF na defesa dos galos, especialmente, quando utilizados em rinhas. Em outras palavras, matar animais em caso de maus-tratos não é legal. Clique aqui para ler, na íntegra, o voto que foi acatado por todos os Ministros do STF.

2. Por aqui, esperamos que a referida decisão seja cumprida pelos poderes constituídos em todos os estados da Federação (isto é, o dever do poder público em resguardar a vida e o bem-estar dos animais vitimados por maus-tratos, seguindo-se “ao pé da letra” os dispositivos legais protetivos) e mais que isso, esperamos que todos os animais e em quaisquer circunstâncias tenham seu direito à existência digna reconhecida, o que também é uma leitura fidedigna dos textos legais, priorizando-se, de fato, a vida em liberdade ou, a depender do caso, a assistência por entidades de proteção animal (jamais a permissividade em explorá-los).

3. Também esperamos, por interpretação lógica ou pragmática, que a referida decisão possa inspirar os nossos parlamentares sobre a urgente necessidade de construção de políticas públicas a fim de que sejam evitadas condutas violentas contra os animais. Do contrário, conforme já alertamos em outras ocasiões, corre-se o risco de (ainda com esta decisão judicial) favorecer indevida e ilegalmente criadores de animais (galos, especificamente) em uma pseudoproteção animal, ou ainda, esses animais serem resgatados ou “salvos” das mãos de alguns malfeitores, vindo a cair nas mãos de outros, mais influentes ou poderosos, os quais se negam a respeitar os direitos fundamentais daqueles, novamente reconhecidos pela mais alta instância do Judiciário como portadores de direitos mínimos (lembrando que a referida ação – ADPF 640 – curiosamente foi proposta no interesse do senador Telmário Mota – PROS).

4. De outro lado, sabe-se que o próprio STF já caiu em contradição ao permitir o chamado sacrifício religioso por religiões de matriz africana, em flagrante e evidente desrespeito aos direitos animais, já tendo contrariado os precedentes dessa mesma Corte, decisão esta que o Ministro Gilmar Mendes citou brevemente em seu voto na ADPF. É claro que, nesse jogo político, todos manipulam os discursos da temática animalista segundo seus próprios interesses, quer seja membros do Judiciário, quer seja membros do Legislativo ou Executivo (afinal, o especismo é também estrutural). Vemos, portanto, que a defesa dos direitos animais, quando enfrentada com mais profundidade, não é nada simples como supostos defensores parecem crer.