🎞️ CINEMA: Free Willy (1993)

Cena do filme Free Willy com o garoto Jesse acariciando a língua da orca Willy
Cena do filme Free Willy (1993), de Simon Wincer.

Ao terminar de ver o filme The mustang (2019), de  Laure de Clermont-Tonnerre, lembrei-me imediatamente do filme Free Willy (1993), de Simon Wincer, que vi na época de seu lançamento, ou seja, na minha adolescência. E não foi à toa: os dois filmes se parecem demais. É como se fosse uma nova edição do filme dos anos noventa trocando só o recheio da história! Em ambos há o desajuste social nos protagonistas (um jovem órfão delinquindo pela cidade “condenado” a viver com pais adotivos / um adulto condenado à prisão por assassinato), há animais selvagens sendo capturados e aprisionados (orcas / cavalos mustangue), há pessoas apoiando os protagonistas (família, assistentes sociais, indígenas, homens negros) a se tornarem melhores. Há também, por vias tortas, até libertação animal.

Trailer do filme Free Willy

É relativamente normal que o cinema, seja o do circuito comercial ou aquele mais autoral, use estruturas parecidas para conduzir suas histórias e o que vemos se parece mais do mesmo: sendo a jornada do herói a receita mais conhecida, talvez.

Pois bem, os animais nos dois filmes, tanto a orca quanto o cavalo, são selvagens e foram tirados, à força e com brutalidade, dos seus habitats. Ambos sofrem pela condição de aprisionados e se rendem, na ficção evidentemente, também ao drama pessoal dos protagonistas para “ajudá-los” a superarem os dilemas que enfrentam como se fossem uma espécie de amigos que nos inspiram a sermos melhores. Já o dilema dos animais, bem, quem se importa, não é mesmo? Talvez eles consigam algo no final (às vezes a liberdade ou às vezes a morte para nos salvar do perigo)… Ambos os protagonistas parecem se importar um pouco com seus “amigos” não humanos, mas este não é o ponto principal de suas jornadas pessoais nos filmes que, por ventura, se cruzaram com as vidas de outras espécies.

Jesse é um jovem delinquente, abandonado pelos pais, que encontrará algo em comum numa orca aprisionada em um parque aquático. Humano e animal se encontram e se “identificam”.

Porém, em Free Willy (1993), de Simon Wincer, as coisas ganharam uma dimensão estrondosa, principalmente, fora das telas. Falarei disso mais adiante.

OS ANIMAIS ESTÃO NO FILME, MAS GERALMENTE NÃO FAZEM PARTE DO CAST

Na plataforma de dados que contém informações sobre praticamente todos os filmes já feitos, o IMDB, e da qual lanço mão para me referir aos filmes com o máximo de precisão possível, não há muito sobre os animais que participam das diversas produções cinematográficas na seção cast (a listagem com todos os atores presentes no filme, independente da importância do papel que possuem; há até diretores de cast na produção cinematográfica tamanha a importância de se escolher os atores certos para produções cinematográficas de todo tipo orçamento). É difícil, portanto, ter informações acuradas sobre eles sendo necessário buscá-las em entrevistas de todo tipo de veículo que trata do assunto cinema: de sites sérios (a grande imprensa), até a alguns que trabalham mais na área de fofocas de estrelas de cinema (TMZ, por exemplo).

Os animais não humanos, mesmo tendo um papel extremamente relevante nas histórias que os filmes contam, não são reconhecidos como atores de fato – e ainda bem, porque eles não são mesmo. Até aí nenhuma novidade, pois os animais são apenas um artifício dentre vários para preencher histórias ficcionais criadas por humanos para humanos se entreterem. Se algo assim ocorre na literatura ou em outras artes nas quais não há a interpretação ou atuação, isto evidentemente não é um problema (falar de um cavalo ou mesmo uma baleia num livro no gênero romance, por exemplo). Mas os filmes The mustang, Megan Leave e Les crin blanc, para citar apenas alguns que abordei até aqui na seção Críticas, seriam totalmente inviáveis ou bem diferentes sem a presença dos animais neles.

Há filmes que criam animais com efeitos especiais (e isto é o ideal para qualquer produção criativa, pois não envolve animais vivos ou mortos) ou esses animais são totalmente recriados em computador para apenas algumas cenas em que nenhum treinamento os habilitaria para fazer o que espera o diretor de um “ator” não humano que não atua. Os animais, como sempre frisamos aqui no Saber Animal, não são operários de qualquer atividade que lhes damos. Eles, invariavelmente, estão em determinados papéis contra suas vontades naturais. E mesmo quando parecem estar agindo espontaneamente, na verdade, eles estão sendo ludibriados de alguma forma ao serem atraídos com comida ou mesmo afeto interesseiro da nossa parte. É pelo efeito e ardil do adestramento (sempre penoso para o animal não humano) que vemos outras espécies em cena na condição de “atores” e não objetos de observação como em documentários que apenas os veem a uma distância que não os perturbe ou atrapalhe suas vidas.

Em duas cenas diferentes, temos a visão de Jesse no observatório do aquário e a visão de Willy fazendo seu primeiro contato. Ambos enfrentam dilemas parecidos: estão longe de suas famílias, possuem temperamento difícil e querem encontrar a liberdade.

É, como disse Laure de Clermont-Tonnerre, diretora do filme The mustang, amedrontando um cavalo por atrás da cena para que ele reagisse de um determinado jeito que vemos no filme. O custo da ilusão que o cinema nos proporciona, para o animal, é extremamente sofrível e num nível em que não podemos imaginar com precisão. Se em diversas vezes gravar uma cena é um trauma para um ator humano, quem dirá para um não humano, que não vê significado naqueles arranjos feitos para vender um produto e lucrar num ciclo sem fim? A morte de um dublê ou o comportamento inadequado de um ator, ou diretor, já são suficientes para parar a produção de um filme por causar verdadeira comoção em toda a equipe (e temor dos produtores com os arranjos que viabilizam o filme serem financeiramente atingidos por um processo judicial), mas a morte de um animal tende a ser irrelevante, pois ele é facilmente substituível.

O filme Babe, o porquinho atrapalhado (1995), de Chris Noonan, por exemplo, usou dezenas de porquinhos em cena, porque conforme as gravações seguiam ao longo do tempo, o porquinho “ator” crescia e já não servia para o papel de porco jovem aspirante a cão de pastoreio. Qual era o destino dos porquinhos que eram substituídos? Pode ser que alguns tenham virado pet de alguém, como foi o caso de um dos cavalos usado em cena que acabou sendo comprado pela diretora de The mustang, mas pode ser que uma parte dos porquinhos tenham ido simplesmente parar numa panela (e até sido comido pela produção do filme!) como é o destino da quase totalidade dos porcos vivos neste planeta.

E você pode imaginar um ator ou um dublê indo parar na ceia de algum antropófago e todo mundo ver isso com extrema naturalidade? Ou seria concebível que para gravar um filme como O senhor das moscas (1963), de Peter Brook, crianças fossem realmente sequestradas de seus pais e deixadas numa ilha para atuarem de modo selvagem como se fossem “crianças selvagens”? Acho que não… Mas é exatamente isso o que fazem com animais não humanos para a gravação de toda sorte de filmes!

No caso de Free Willy, Keiko até aparece na plataforma IMDB, mas numa parte indicada como “resto do cast”, junto com outros atores que são praticamente figurantes…

UMA BIZARRA LIBERTAÇÃO ANIMAL

A cena em que Willy está sendo levada do parque aquático para uma área em que poderá finalmente voltar para a sua família é um prenúncio do que ela passaria depois fora das telas.

A orca que vemos na tela é um animal de verdade e não uma máquina ou animação que a simule. E ela tem uma história digna ela própria de um filme, pois seu percurso e seu desfecho, trágicos do início ao fim, extrapolam o sofrimento animal das mais variadas formas.

A orca, que “integrou o cast” do filme, pertencia inicialmente a um parque aquático no Canadá e, depois, foi vendida a um outro parque, desta vez localizado no México: ela foi caçada e capturada, tirada de sua família na Islândia e levada, de avião, até os parques para servir de diversão às pessoas nos anos 1970 (em especial como atração para crianças!). Os produtores de Free Willy buscavam um animal dócil o bastante para atuar com os atores (sendo destinada a uma criança o papel principal de atuar com uma orca!) e encontraram Keiko, que no filme foi rebatizada para Willy, como sendo o animal perfeito para a empreitada. Depois do filme, ou melhor, dos filmes, sim, pois existem mais duas continuações com a orca, um em 1995 e outro em 1997, que continuam a história e aproveitaram o sucesso do primeiro com basicamente o mesmo enredo, mas exibindo o amadurecimento do protagonista que sempre está vigilante para proteger sua “amiga” ao mesmo tempo em que ele próprio deixa de ser uma criança. Houve uma enorme pressão mundial para libertar o animal de verdade e não apenas na ficção.

Gastaram 20 milhões de dólares para concretizar a epopeia: a orca foi transportada primeiro para Oregon, nos EUA, e depois até a Noruega. Mas ela simplesmente não conseguia voltar à natureza selvagem, pois as orcas vivem em sociedade desde o nascimento e ela era sempre uma estranha para os grupos já formados com os quais pesquisadores tentavam integrá-la… Keiko acabava voltando e buscando o convívio humano ao qual estava tão acostumada após tanto tempo vivendo num parque aquático de exploração animal, praticamente o único que ela conheceu durante a vida.

Não demorou para que morresse em 2003. Se tivesse sido deixada em paz em seu habitat, a orca poderia ter vivido uns belos 100 anos, mas ela não chegou nem aos 30…

BLACKFISH MUDOU TUDO

Aqui vale lembrar que o documentário Blackfish (2013), de Gabriela Cowperthwaite, é revelador e expõe a crueldade dos parques aquáticos no mundo todo. Tanto que me coube revê-lo para poder escrever esta crítica e melhor me situar quanto aos horrores praticados por nós, humanos, com estes animais marinhos. No documentário de Gabriela, que também dirigiu o filme Megan Leavey, (2017), temos diversas entrevistas com treinadores de orcas atordoados com a rotina dos parques que os levava, ainda muito jovens (parecido com o protagonista de Free Willy) e com grande entusiasmo, a um grande êxtase ao serem colocados em constante perigo ao nadarem com animais confinados há décadas, que definhavam e acumulavam problemas por viverem fora de seu habitat. O comportamento das orcas, aparentemente controlado com recompensas (peixes), não era previsível o bastante e pessoas morreram ou se feriram gravemente em várias ocasiões sendo muitas delas propositalmente mal explicadas pelos dirigentes dos parques, para que seus lucros não fossem atingidos com a interrupção, seja total ou parcial, das atividades que envolviam a interação dos tratadores em shows.

Jesse se prepara para atuar como treinador no parque aquático do filme Free Willy.

O documentário de Cowperthwaite se concentra no famoso parque SeaWorld, na orca Tilikum e na morte da experiente treinadora Dawn Brancheau. Tilikum, uma orca macho, foi capturada logo aos dois anos e nele vemos também um percurso de grande sofrimento, pois ele além de explorado para entretenimento e viver num espaço exíguo para sua espécie, enfrentava agressões de outras orcas mantidas no parque e servia como macho reprodutor (seus filhotes, todos separados de suas mães, foram vendidos para muitos outros parques no mundo). Vale ressaltar que esses animais são sociáveis e formam seus laços desde muito jovens com grupos consolidados. E não são assassinas como elas parecem ser no imaginário de quem viu o filme Orca, a baleia-assassina (1977), de Michael Anderson. A inserção artificial deles equivaleria a nossa própria inadequação se, de repente, acordássemos numa nação estrangeira, com hábitos muito distintos dos nossos, com uma língua incompreensível e por aí vai. Nosso trauma, enquanto humanos, seria tremendo e, sem sombra de dúvidas, vale o mesmo para as orcas (e todos os outros animais, diga-se). Misturá-los resulta geralmente em violência, pois se trata de autodefesa.

Também houve uma tentativa de se libertar os animais do parque SeaWorld, que não teve o mesmo efeito e apelo do filme Free Willy. Aliás, apesar do baque que o documentário representou ao parque à época de seu lançamento e consequente repercussão pelo mundo, suas atividades não encerraram e eles seguem recebendo turistas do mundo todo até hoje e continuam com a exploração animal. O que mudou é que os treinadores não podem mais nadar com as orcas e o parque ganhou ares “educacionais” e “preservacionista”. Puro marketing! Felizmente o público diminuiu, mas não o bastante a ponto do parque não ter que fechar as portas. Campanhas para boicote, neste caso, são fundamentais e quanto mais ativistas e pessoas envolvidas melhor.

A pequena vídeo-reportagem do The New York Times logo abaixo, em inglês, faz todo o percurso de Keiko e vale muito ser vista. É algo que beira o surreal e o qual só me dei conta na pesquisa para escrever sobre o filme Free Willy.

FAZER ORCAS VOAREM É MAIS FÁCIL QUE TIRAR DOCE DE CRIANÇA

Um outro documentário exibe essa mesma trajetória de Keiko, mas como uma forma de propaganda das ações voltadas à sua libertação. The Free Willy Story – Keiko’s Journey Home (1999), de Raymond Chavez, feito para o canal de TV Discovery Channel, transformou em um ato de puro amor a “libertação” de um animal que foi explorado praticamente a sua breve vida inteira.

Nele é possível ver a intrincada logística para tirar um animal aquático de grande porte do México, num parque aquático, até Oregon Coast Aquarium, nos EUA (Oregon), enquanto uma enorme piscina era construída para, segundo os envolvidos, melhor adequá-la em um aquário.

E, de fato, nota-se uma substancial melhora na saúde do animal que servia apenas como atração no parque aquático, pois além de mais espaço (apenas uma pequena fração do que seria seu verdadeiro habitat com quilômetros de mar aberto), a orca teve tratamento veterinário constante, alimentação balanceada, água salgada na temperatura certa etc… Ou seja, vemos que muito dinheiro foi gasto para manter apenas uma das tantas orcas que foram tiradas do mar, ao longo da história dos parques aquáticos (que depois passaram a usar apenas orcas nascidas em cativeiro num outro lado extremamente lucrativo desse negócio: a reprodução forçada para venda de filhotes), sem contar as que foram vítimas da caça (como conta toscamente a história do terceiro filme da franquia), para aplacar o apelo mundial por sua libertação.

Uma parte do documentário de Rymanond Chavez chama a atenção para a importância das crianças nessa grande “aventura”. Apesar dos milhões envolvidos na super complexa operação pagos por uma entidade filantrópica e pela própria Warner Brothers, o estúdio dono do filme e dos seus direitos de uso, até dinheiro arrecadado de crianças foi usado, sabe-se lá como, nesse mega espetáculo.

Um rol de “especialistas” desfila pelo filme indicando o passo a passo de cada parte do processo e um deles, um “especialista” em vocalização de baleias, sempre se refere a orca Keiko como “baleia assassina”. Belo especialista que usa uma terminologia errada para se referir a um cetáceo da família dos golfinhos.

Temos apenas uma espécie de continuação, ruim, de um espetáculo grotesco. Em nenhum momento o documentário destaca a milionária cifra arrecadada enquanto Keiko serviu ao propósito dos produtores da franquia, que no documentário interpretam o papel de figuras benevolentes e solidárias com o apelo das criancinhas do mundo todo que choraram ao som de Michel Jackson e com a saúde da orca que lhes rendeu muito dinheiro.

Free Willy (1993) arrecadou internacionalmente U$ 153.698.625; Free Willy 2: A Aventura Continua (1995) rendeu menos: U$ 30.077.111; e Free Willy 3: O Resgate (1997), para os padrões estadunidenses, foi um fiasco: U$ 3.446.539. Considerando apenas os três filmes, e sem contar outra parte da fortuna que se arrecada com licenciamento de marca, os estúdios Warner Brothers faturaram U$ 187.222.275… Grana suficiente para ajudar muitos outros animais pelo mundo – o que obviamente eles não fizeram. E vale dizer novamente: apesar desse montante, eles ainda pegaram o dinheiro das criancinhas!

Tirar a mesada das crianças, que realmente se importavam com a orca, foi uma das atividades dos responsáveis pelo projeto de “salvar” Keiko depois de explorá-la em três filmes. No galão é possível ler algo como “dinheirinho para Keiko”.

Keiko seguiu aprisionada sendo explorada no aquário em Oregon, seu novo lar. Ela não teve mais que fazer apresentações como no parque aquático, o que também influenciou na melhora de sua saúde dada a diminuição do estresse que é fazer coisas que totalmente não são naturais, mas o aquário também se beneficiou da presença da célebre orca em suas instalações (que não é gratuito). Com certeza um dos maiores cases de sucesso do mundo marketing museal. Também nada se diz sobre a cria de orcas em cativeiro. Ou seja, se um dia o famoso canal pago Discovery Channel posou de entretenimento voltado à ciência e ao conhecimento, isso não passou de uma grande balela.

É nesse aquário que vemos os “especialistas” ensinando Keiko a ser uma baleia, já que se tratava de um lar temporário e que depois seria utilizado para recepção de animais resgatados…

A INDÚSTRIA DO CINEMA PRECISA MUDAR

Isto poderia ser apenas uma anedota bizarra na vastíssima história do cinema (uma orca sendo libertada por conta de um evento midiático) é, na realidade, um capítulo inteiro de um dos seus lados mais perversos: o poder que o cinema exerce em nosso imaginário é tamanho que quando também envolve animais não humanos, que simplesmente não entendem a incrível magia da expressão “luz, câmera, ação”, pode ser potencializado numa escala que foge a qualquer princípio de razoabilidade.

Voar com orcas por aí, como foi feito no descolamento de Keiko, parece tão irreal que só seria possível em um filme desses muito loucos dos anos oitenta ou noventa (ou numa animação fantasiosa), mas foi justamente o inverso que aconteceu com uma orca transformada em cativa de um parque para depois ser cativa da sua imagem imaginada em roteiros ardilosos. Sem falar que o ator mirim, Jason James Richter, ele próprio um vulnerável ali no meio daquilo tudo em 1993, quando tinha apenas 13 anos, foi exposto a essa situação grotesca de ter que interagir, ainda jovem e em formação do seu caráter e personalidade, com um animal privado de liberdade e do seu habitat.

(A indústria do cinema e do entretenimento em geral, e isso merece um texto à parte, também sempre foi muito voraz por atores mirins.)

Aparentemente, o adolescente também não teve escolha e fez as vontades dos pais que, claro, ganharam muito dinheiro com as habilidades do filho… Os dois seres vulneráveis (a orca e o jovem garoto), na trama ficcional, se reconhecem, mas, olhando de fora, vendo-os como parte de uma trama maior, podemos dizer que ambos foram vítimas de uma situação a qual, ainda hoje, já caminhando para a terceira década de um novo século, parece não ter possibilitado que animais, especialmente os selvagens, devam ser protegidos e não usados como fonte de diversão, seja em parques ou mesmo no cinema, que apesar de, talvez, menos relevante hoje em dia, ainda é uma indústria poderosa e sua linguagem em transformação ou renovação em plataformas de streaming, tentando saciar uma voracidade crescente por entretenimento, pode potencializar um antigo problema de compreensão que a nossa espécie nutre mesmo antes dos primeiros passos dessa incrível arte.

O salto, que é uma tosca animação, de Willy para sua liberdade é, na verdade, um retorno ao cativeiro que ela viverá nas duas continuações seguintes em 1995 e 1997.

Quando Eadweard Muybridge, um pseudocientista, torturando animais para que eles pudessem se encaixar nos registros que ele pretendia fazer pela primeira vez na história humana com seu zoopraxiscópio, já tínhamos um importante sinal de que os animais não passariam incólumes, infelizmente, pelo nosso infinito interesse e curiosidade saciadas numa sala escura. Tanto que ao fim do filme Free Willy a orca finalmente consegue a liberdade e a cena de sua fuga torna-se icônica no ocidente para uma década, os anos 1990, ainda sem a internet, em que as mídias mais influentes ainda eram o cinema, a televisão e o rádio com o consumo se dando de forma relativamente homogênea (todos viam e ouviam basicamente as mesmas coisas). Era quase como o cavalo de Muybridge redivivo numa orca que teve seu movimento imaginado de um salto, visto em câmera lenta e de vários ângulos diferentes graças aos truques que só os profissionais do cinema conseguem fazer.

Lo que tienen en común todos los espectáculos que implican el amaestramiento del animal es la humillación. Ningún tigre saltaría a través de un círculo de fuego si no lo hubieran obligado durante largas sesiones para que reprimiera sus instintos y obedeciera a un amo que a cambio le dará comida o un latigazo para anular su voluntad. Durante la doma en cautividad no siempre se golpea a los animales, y en Francia, por lo general, reciben una alimentación correcta, pero las frustraciones y la obligación de exhibirse en números que, a veces, los ridiculizan, son un ultraje a su dignidad. La doma de animales de circo y la cautividad son contrarias al respeto a la dignidad del animal. La doma es violencia también por otro motivo: revela el deseo humano de apropiarse de la fuerza salvaje, reduciendo a la fiera a la esclavitud. Esta violencia es compartida por el espectador que acude a admirar la belleza apresada, la fuerza domada, el animal vencido por el humano que ha sabido dominarle. Ir al circo para ver espectáculos con animales es consagrar la dominación, hacer de ella un arte. Los animales, aunque se diga que «trabajan», están ahí para poner en evidencia el poder humano. El precio que pagan estos animales carismáticos es una vida de privaciones, de aburrimiento, a veces de golpes, y la sensación constante de estar desnaturalizados, de deber su supervivencia y su comida a la voluntad de unos humanos que vulneran el derecho natural de todo ser sintiente: la libertad. [Manifiesto animalista, de Corine Pelluchon]

ANIMAIS IMAGINADOS (NO CATIVEIRO)

Da nossa parte, no Saber Animal, sempre desejamos ver os animais fora de cena ou, no máximo, serem observados de muito longe. Não se trata de querer acabar com a graça e a magia do cinema, não, na verdade, é bem o contrário: acreditamos no potencial criador das pessoas e na sua incrível capacidade de imaginação. Tanto quem em diversos filmes, apesar de ser bem difícil notar, não vemos animais de verdade e, sim, criações em computador. Hoje, mais do que nunca, temos a possibilidade de não incluir animais em casts de qualquer tipo de filme. E isso, com certeza, tornaria os filmes ainda mais poderosos.

Cartazes dos filmes Free Willy (1993), Free Willy 2: A Aventura Continua (1995) e Free Willy 3: O Resgate (1997). A barbatana dorsal decaída, sinal de sua inadaptação ao cativeiro, quase não aparece nos dois primeiros cartazes. No primeiro filme, a personagem da tratadora trata do assunto de modo superficial.

Atualmente os filmes 1 e 2 dessa triste franquia seguem disponíveis em plataformas de streaming. Também não é difícil achá-los em DVDs por preço módico. E não parece uma boa ideia utilizá-lo como entretenimento para crianças sem as devidas explicações sobre o quão errado é aprisionar orcas (e qualquer outro animal) para que elas nos entretenham (algo explicitado em documentários que não são voltados para crianças, como é o caso de Blackfish). Porque as mensagens que esses filmes passam são, no mínimo, ambíguas: o protagonista (Jesse, interpretado pelo ator Jason James Richter) sempre segue tendo uma relação especial com uma das orcas (Willy, “interpretada” por Keiko contra sua vontade…), montando sobre ela, fazendo truques no mar nos filmes 2 e 3… Parece que para a orca é totalmente possível viver em dois mundos: no nosso e no dela. Como se ela fosse um ser fantástico de uma fábula qualquer. Não é assim e não seria necessária a fracassada tentativa de devolvê-la à vida selvagem, no mundo real, para que isso fosse constatado agora.

Os três filmes carregam, então, os mesmos problemas: formam no nosso imaginário (mesmo em adultos) ideias do que poderia ser uma harmoniosa interação com animais selvagens: no primeiro filme o garoto e a orca se encontram; no segundo filme eles se reencontram e ele a salva e é salvo por ela; e, finalmente, no terceiro filme eles se reencontram novamente, mas dessa vez numa missão científica em que ela é salva por um garotinho com uma espetacular maturidade para a sua idade (fazendo ponderações éticas que nem os adultos parecem ser capazes de fazer)… Nos dizer que devemos libertá-las, não voltar a aprisioná-las e apenas estudá-las e não caçá-las para virarem comida (algo tratado como ilegal), mas envolvendo sempre as técnicas de adestramento utilizadas no primeiro filme sustentam o equívoco de origem.

Colocar a orca Willy como um animal que compreende os nossos dilemas tornando-as até mais humana do que nós humanos, como diz um dos personagens no terceiro filme, quando há uma discussão sobre como ela foi benevolente com um caçador salvando-o ao invés de matá-lo, é ainda mantê-las em cativeiro para o nosso deleite seja no cinema, seja fora dele.

🎞️ CINEMA: Free Willy (1993)
Relação entre humano e animal
2
Libertação animal
2
Personagem infantil
2
Questões sociais de fundo
2
Pontos positivos
Sua existência levanta um debate
As pessoas se comoveram com a situação da orca fora das telas
Fez sucesso nos anos noventa
Pontos negativos
Trata dilemas humanos e animais como uma coisa só
Destinado a um público infantil
A orca é explorada em três filmes da franquia
2