🌟 Comecei escrevendo sobre animais, ativismo, mas a escrita fluiu para outros rumos… Não tem título este texto, ou talvez este mesmo seja o título. É o que é.

(Eu na brincadeira com meu amigo burro. Foto: Fabio Montarroios)

A recente manifestação ativista em diferentes estados brasileiros contra o extermínio dos jumentos que poderá os levar à extinção no Brasil por conta da extração da pele para produção de um remédio popular que supostamente trata diversos problemas de saúde na China, me fez lembrar que quando criamos este site e a página @saber_animal_oficial no instagram, elegemos como “animal símbolo” um jumento, mas pelo desenho não está muito claro e pode ser um burro também, que ilustra e identifica o nosso projeto.

Logo do site Saber Animal

Escolhemos assim para homenagear os animais de um modo geral, além do óbvio cachorrinho ou gatinho – únicos animais estimados pela maioria das pessoas – afinal, produzir conteúdo sobre direitos de forma inovadora ou não convencional, com proposta inclusiva e sem desconexão com os demais direitos humanos sedimentados na sociedade foi o que me inspirou desde o início.

Um burro que pensa, a seu modo asinino de ser, um jumento inteligente e sensível, um ser que nasce livre e que talvez possa manifestar, em alguns momentos de sua vida, formas mais rudimentares de sabedoria daquela que podemos expressar na condição humana, conforme sua natureza lhe permite, já que a natureza é fonte de sabedoria… Humanos que escrevem, sujeitos ao erro, às suas falhas e às interferências do ego, o que certamente levará alguns a interpretar como… burrice?

Humanos que, por vezes, não se importam em serem eventualmente chamados ou identificados com certos animais (burro, vaca, galinha, porco, baleia, tartaruga, lesma e por aí afora…) que já não se ofendem com tais comparações por compreenderem que vem de uma forma distorcida de se enxergar esses animais e, naturalmente, os humanos em questão. E ambas as questões se resumem no seguinte comando mental, mas à nível do inconsciente: “o outro é separado de mim”. Uma ilusão. Ninguém está separado de ninguém, mas assim nos sentimos por estarmos separados de nós mesmos, por ainda não enxergarmos ou rejeitarmos a nossa inteireza, aspectos de nossa luz (consciência) e as nossas sombras (inconsciência), mas por enquanto esse papo fica por aqui. Ou não…

Humanos e animais que amam, que são livres em essência, que se reconhecem em sua animalidade e vulnerabilidade compartilhada, que, como crianças, podem brincar e se divertir por serem unos na instância além das formas externas, costumes e comportamentos, por sentirem ou saberem que são diferentes expressões do divino que os habita.

Ao mesmo tempo, a ilustração do burro ou do jumento (que, diga-se, são animais diferentes) como “animal símbolo” do Saber Animal também serviu para denunciar o desprezo humano, geralmente inconsciente, com relação aos outros seres das mais variadas espécies. Isso porque tanto o burro quanto o jumento parecem representar bem esse papel imaginário da inferiorização do outro (seja humano ou animal não humano), do não reconhecimento ou até mesmo negação ou exclusão do outro por uma falsa superioridade humana.

Podemos ser mais complexos do que nossos companheiros animais quando consideramos nossos aspectos multidimensionais, afinal, também somos animais, com sistema sensorial e límbico, o que nos faz compartilhar da animalidade que se insere na humanidade, mas não ficamos por aí, nos desenvolvemos para outros níveis do ser e, embora todos possuímos questões emocionais a serem melhor elaboradas, muitos podem ter fixado seu desenvolvimento e comportamento psíquico nessas fases mais primitivas.

Estruturamos nossa vida suplantando a animalidade, criamos e cumprimos regras para o convívio social, desenvolvemos inúmeras facilidades para nossas reais necessidades humanas (sendo a criação de inúmeras falsas necessidades os nossos desvios) e assim continuamos a nossa jornada humana evolutiva… mas o fato de termos níveis mental e espiritual com maior (ou simplesmente diferente) potencialidade de desenvolvimento evolutivo se compararmos com os demais animais, nada disto nos torna seres superiores, pois todos viemos da mesma fonte universal.

Somos diferentes dos animais em muitos aspectos e ainda existem diferenças dentro da diversidade humana o que inconscientemente pode ser interpretado como uma separação, eis que individualizados no nível da personalidade (identificações acerca da nacionalidade, raça, gênero etc), o que também não significa superioridade ou inferioridade de uns para com outros, embora na experiência humana isso é muito comum acontecer em alguns momentos ou circunstâncias da vida já que somos humanos, sujeitos imperfeitos.

Qualquer forma de preconceito, desprezo ou rejeição para com os outros seres sencientes carrega, nas profundezas do ser, uma emoção básica primitiva que é o medo. Somos animais. Animais e humanos sentem medo, buscamos proteção de um jeito deturpado, mas é o que sabemos fazer inconscientemente e daí se originam muitas distorções porque somos exatamente o oposto do medo. Somos amor.

Amor é o oposto do medo. Humanos que sentem medo (quase sempre inconsciente) estão desconectados de si mesmos, pois humanos e todos os seres são feitos da matéria-prima chamada amor. Não estou falando do medo saudável quando estamos em situação de perigo real, mas do medo imaginário ou aterrorizante que está nos níveis mais inconscientes e que nos mantêm separados e isolados dos outros para uma pseudoproteção. A desfragmentação ou desconexão interna é sentida como ameaça externa. Mas a virada de chave está em compreender que não são os outros a nos ameaçarem de verdade, os outros seres são nossos espelhos, reflexos do que existe e do que precisamos enxergar dentro de nós.

Na profundeza das profundezas, qualquer forma de violência, das mais leves como um simples xingamento até as mais graves, seja com animais, seja com humanos de modo geral, crianças, adultos de qualquer classe social, pessoas negras, mulheres, idosos etc… pode ser consequência da menor ou maior desconexão da pessoa com sua própria alma, seu próprio ser e então enxerga-se o outro a partir dos olhos do ego-personalidade, das próprias distorções que podem se manifestar de modo destrutivo e excludente por aquele que teme, buscando inconsciente e enviesadamente alguma proteção.

Enxergar o outro pelos olhos da alma é enxergar o amor. É ver a si próprio, é reconhecer o outro e se autorreconhecer e vice-versa. Olhar nos olhos de outro ser humano ou nos olhos de um animal de qualquer espécie é ver parte de si ali dentro, olhar as pétalas de uma flor, as águas do rio, as árvores, sentir a brisa no cabelo, o canto dos pássaros, ver bois pastando livres e correndo atrás uns dos outros com alegria…  presenciar esses momentos é sentir parte de si. Ou presenciar animais em estado profundo de agonia e sofrimento, explorados, subjugados, humilhados, esquartejados para quereres humanos, tudo isso também é sentir parte de si.

Não existem algozes fora de nós porque somos nossos próprios algozes quando nos julgamos e quando insistimos em julgar as atitudes do outro ao invés de olharmos mais profundamente para dentro de nós mesmos.

Só podemos enxergar e sentir os outros como verdadeiramente são a partir dos olhos da alma, que é compreensiva, amorosa e inclusiva. O ego vê defeitos enquanto a alma ama a todos, até o que seria mais odiável a nível humano. E nós somos essa alma imortal, para além de nosso corpo, ego, mente e emoções humanas.

Enquanto meu eu-humano me desaprova em muitas coisas, a minha alma me ama incondicionalmente e a sua está esperando uma trégua da sua mente, ou do seu ego, para fazer o mesmo contigo, fluir amor da fonte divina. O nosso nível humano pode desaprovar, detestar, desprezar e até mesmo odiar, mas nas profundezas de nosso ser somos puro amor. Continuaremos carregando nossas emoções desagradáveis e desconfortáveis para o resto da vida, uma coisa não exclui a outra porque somos humanos, mas quando começamos a dar permissão, o amor simplesmente encontra brechas e vai aumentando, tomando conta da nossa vida. Pouco a pouco, a força e a luz do amor vai iluminando e dissolvendo as sombras.

DIFERENTES E IGUAIS

Somos diferentes não somente entre nós, humanos, mas para além da nossa espécie, há uma infinidade de vidas que podemos nos conectar através do contato com nossa própria alma, pois nesse nível não há separação de nada e de ninguém. Quanto mais sustentarmos ser e fazer escolhas cotidianas a partir desse nível de consciência, limpando dogmas e crenças mentais desatualizadas, curando feridas emocionais que nos separaram dos outros por pensarem ou agirem diferente de nós (um exemplo de crença mental desatualizada), nos reconectando ao nosso corpo, honrando-o com verdadeiro amor e respeito, mais podemos verdadeiramente contribuir para que a justiça se faça presente e seja uma constante para todos os seres deste planeta, começando através de nossos próprios ajustes internos, saindo da posição de acusação, que é a postura da frágil e indefesa vítima, para o empoderamento real do ser que vem de uma abertura amorosa, compreensiva e compassiva, transpondo assim o nível pessoal egocêntrico-separatista.

Mas tudo isso não se faz com esforço mental, tampouco cobrando dos outros alguma mudança de postura. É exatamente o contrário, silenciando mais a mente, respirando com consciência durante momentos do dia e ficar nisso por alguns instantes, ir para perto da natureza, se conectar com animais, árvores, lago, flores, plantas… enfim, criando formas de descanso para a mente. Isso se faz não para alcançar algo, mas por amor e honra a sua própria vida e sua trajetória de vida até aqui, à totalidade do seu ser, se conectando com sua paz interna e uma vez feita essa escolha, cada um encontrará o caminho que fará mais sentido para si.

Somos diferentes, mas também somos iguais em vulnerabilidade, iguais no aspecto da animalidade que nos permite perceber e interpretar estímulos externos, somos iguais na capacidade de sentir e expressar emoções, somos animais e humanos, cada qual com suas especificidades e particularidades naturais.

A base das diferentes formas e graus de desprezo aos animais carrega o sentimento de superioridade humana e inferioridade animal, pois a maior parte das pessoas enxerga os animais a partir do ego (com alguma variação entre as espécies conforme crenças e sentimentos individuais e culturais de cada localidade ou país), sem percebê-los com o olhar fraterno e amoroso da alma. E todos nós, humanos, estamos sujeitos a manifestar em alguns momentos da vida essa dinâmica de superioridade e inferioridade em nossas relações humanas, se olharmos para dentro com honestidade iremos perceber momentos em que ora podemos estar em um polo, ora noutro.

Quem se preocupa demasiadamente com os fatos da vida ou quer controlar o que o outro faz ou não faz, consome ou não consome, não necessariamente alcançou mais consciência ou está mais evoluído de quem estabelece relações mais tranquilas com sua vida cotidiana ou de quem consome a carne dos animais, por exemplo, simplesmente porque esse eu-controlador que assume o comando nesses momentos conflitantes é o ego, é a nossa personalidade humana e não a nossa alma, que é quem verdadeiramente somos para além das limitações humanas.

A alma não julga nada nem ninguém. A alma simplesmente aceita tudo como pode estar na vida humana e simplesmente ama, compreende a perfeição divina de todas nossas imperfeições humanas.

A questão da exploração dos animais não diz respeito tão somente ao público consumidor, fato excessivamente abordado no ativismo pelos direitos animais, é uma questão muito mais profunda que se liga à toda humanidade, inclusive a quem já parou de consumir. O chamado que faz sentido na trajetória atual da humanidade é o da corresponsabilidade. Absolutamente todos somos responsáveis pelo todo, pelo que acontece ao planeta e aos seres do planeta e ao mesmo tempo somos responsáveis unicamente por nós mesmos.

A alma não julga e não discrimina nada nem ninguém. A alma aceita todas as imperfeições humanas e suas manifestações porque sabe que estas também servem a um propósito divino para que mais luz possa ser ancorada nas consciências. Na terra não existe luz sem exposição da sombra. E também não existe sombra sem um pontinho de luz.

Para a nova civilização emergente – a civilização da verdade e da liberdade (onde todos estamos passando por desafios, desconfortos e dores humanas que, pouco a pouco, vamos aprendendo a curar) a centralidade do ego – aquela necessidade que temos de ter razão e defender a qualquer custo nossos posicionamentos – vai perdendo espaço para uma parceria interna entre coração, ego/mente e corpo integrados com a alma, nos aproximando mais da conexão com o ser essencial que somos.

E nesse processo de inclusão e integração da luz (consciência) e também da nossa sombra (inconsciência), vamos nos apropriando de quem somos em inteireza, nos aproximando de nosso propósito divino original individual e coletivo enquanto humanidade.

O sofrimento dos animais na Terra é uma responsabilidade coletiva da humanidade e quando passamos a nos curar, também vamos contribuindo para libertar não só os outros humanos, mas os animais e a natureza de tanto sofrimento.

O atual estado coletivo desarmonioso é reflexo da inconsciência humana acerca de sua origem divina, inconsciência acerca da nossa ligação e unidade com o divino e com todos os seres. Somos partículas do divino encarnadas em forma humana, passando pelas mais variadas experiências humanas. Tudo o que existe é expressão do divino, os animais, as plantas, rios, elementos da natureza… O mal também é um aspecto da luz divina ainda não manifestada.

Reconhecer e incluir (tanto o animal ou a nossa animalidade, quanto o humano ou a nossa humanidade) pode nos aproximar ou despertar mais do verdadeiro sentido da humildade e vulnerabilidade.

Humildade é terra; humilde é aquele que adere à terra (que vem do grego humus). O vocábulo humus da Grécia Antiga também deu origem às palavras “homem” e “humanidade”. Nascemos na Terra, a nossa Mãe nutridora, abundante e acolhedora, assim como os outros animais. Somos todos filhos da Terra enquanto aqui estivermos, irmãos, e como tal podemos viver em fraternidade, em espírito de comunhão onde não haverá espaço para julgamento quando nos reconhecermos no amor e na unidade que já somos.

Não haverá espaço para superioridade ou inferioridade, quer seja entre humanos, quer seja entre humanos e animais, quer seja entre humanos e natureza. Animais, humanos, plantas, pedras… somos um só corpo junto com a Terra, seja lá qual formato ou tamanho corporificamos aqui e agora neste mundo.

Enquanto a humildade eleva a todos, inspirando o autorreconhecimento, o reconhecimento e o compartilhar a partir do coração, a humilhação anula e destrói o outro. A humilhação de outros seres, pelas mais diferentes crenças, dogmas mentais ou feridas emocionais é a distorção da humildade.

Ir reconhecendo nossa vulnerabilidade também é ir incluindo nossos desvios humanos que causam feridas a nós mesmos e aos outros, não somente os animais de outras espécies são vulneráveis, somos todos animais e vulneráveis por natureza mas também somos a essência divina que sempre nos acompanha e de onde vem a verdadeira proteção.

Quando estamos em conexão com a nossa alma e com a Terra que amorosamente nos acolhe e nos nutre, somos humildes em cada escolha, em cada palavra, em cada gesto com os nossos próximos e assim podemos viver a fraternidade. Podemos viver o amor, a justiça, a verdade, a liberdade. Vamos incluindo cada aspecto nosso e naturalmente incluindo a todos, a nossa humanidade, a nossa animalidade, pois excluir um só ser pela mínima diferença que apresente, real ou ilusória, é humilhá-lo, é excluir parte de si mesmo, diminuindo a todos nós.