A exploração animal está presente em praticamente todas as atividades humanas e se desdobra em vários setores, daí a necessidade de sempre retomarmos algum tema já tratado aqui no Saber Animal com novas informações que entendermos pertinentes e essenciais. Os Direitos Animais já são uma realidade no Brasil e integram o rol de discussões que precisam avançar na sociedade civil.
No episódio nº 4 do nosso Podcast abordamos a questão do turismo que envolve animais (veja aqui) e recentemente tivemos o conhecimento de que as baleias francas, que visitam anualmente o litoral do estado de Santa Catarina para terem os seus filhos e filhas, obtiveram uma importante vitória judicial há seis anos! Essa notícia é maravilhosa e essa decisão judicial precisa ser respeitada e mantida, sobretudo pela garantia dos direitos fundamentais desses animais. Felizmente continua suspenso o turismo de observação de baleias embarcado, com ou sem motor, na região da Área de Proteção Ambiental Baleia Franca que abrange os municípios de Garopaba, Imbituba e Laguna.
Essa vitória teve origem na propositura de ação civil pública movida em 2012 pelo Sea Shepherd Brasil requerendo a proteção das baleias francas ante as diversas provas de molestamentos que esses animais vinham sofrendo devido ao turismo de observação embarcado, a exemplo de imagens de turistas colocando os pés em um filhote durante um passeio.
É indispensável a conscientização da sociedade civil sobre o respeito à vida animal em si e não sob o prisma puramente ecológico. Os animais são seres vivos sencientes e conscientes que não nasceram com o propósito de nos entreter ou nos servir, sobretudo quando essa atividade envolve cerceamento da liberdade animal e práticas de molestamento ou perturbação dos animais que se traduzem em crueldade e violência, ainda que eventualmente ignoradas pelos turistas.
Os cetáceos, assim como inúmeras espécies de animais, são seres portadores de sensibilidade, de consciência de si e do ambiente à sua volta, além da alta sociabilidade e inteligência já demonstradas, tendo sido observado comportamentos de cooperação inclusive com seres de outras espécies e a capacidade de entrarem em luto pela morte de seus filhos e filhas.
A despeito da tutela jurisdicional concedida às baleias francas pelo Poder Judiciário, empresários ofertam passeios náuticos para observar baleias no berçário em Santa Catarina! Inadmissível! Vamos à notícia.
ONGs DENUNCIAM EMPRESÁRIOS QUE OFERTAM PASSEIOS NÁUTICOS PARA OBSERVAR BALEIAS NO BERÇÁRIO EM SC
A atividade permanece suspensa por decisão judicial do TRF4ªRegião
Na sexta feira (30/08), as ongs Sea Shepherd Brasil, Agência de Notícias de Direitos Animais e Associação Catarinense de Proteção aos Animais apresentaram denúncia crime no Ministério Público Federal em Santa Catarina contra quatorze empresas, a ong Instituto Baleia Franca e a SANTUR, por anunciarem a venda de passeios para observação de baleias com uso de barcos, sendo que a atividade permanece suspensa pela Justiça Federal.
A suspensão deste turismo aconteceu há seis anos quando a Sea Shepherd Brasil ingressou com ação civil pública, e comprovou que nas enseadas pequenas e rasas do berçário da baleia franca no litoral catarinense o uso de barcos para observar as baleias e seus filhotes causa poluição acústica, considerada a fonte de molestamento intencional de maior impacto para os cetáceos. Outro fundamento para a suspensão da atividade, é o risco de acidente para os turistas quando as embarcações são obrigadas a manter os motores ligados, mesmo que as baleias estejam a menos de cem metros dos barcos (distância de segurança onde os motores devem ser desligados).
As empresas e ong denunciadas estão localizadas na área do Berçário, que é protegido pela unidade de conservação federal Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca (APABF), administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
Segundo as ongs que apresentaram a denúncia crime, a luta pela preservação do berçário da baleia franca se tornou permanente diante da falta de estudos sobre a dinâmica do berçário e ações de preservação da espécie no Brasil. Apontam, ainda, o crescimento das fontes de molestamento na região, como a duplicação do Porto de Imbituba em 2011, permitida pelo Governo do Estado de Santa Catarina, levando ao aumento do trânsito de meganavios ao lado da principal enseada de reprodução das baleias, e a ocupação imobiliária desordenada da zona costeira em áreas de preservação permanente.
As ongs observam, ainda, o declínio do berçário a cada temporada, apesar do ano passado (2018) o Instituto Australis/Projeto Baleia Franca ter informado o número de 284 baleias franca, o que rendeu uma ação civil pública movida pela Associação Catarinense de Proteção aos Animais com base no direito fundamental à informação. A ação tramita na Justiça Federal em Florianópolis, e requer a prova científica do número de baleias divulgado pelo Instituto Australis/Projeto Baleia Franca. Em abril deste ano (2019), na audiência judicial o Instituto Australis informou que a prova deste número de animais avistados seria o Catálogo Brasileiro de Fotoidentificação das baleias francas, contudo alegou que o documento é sigiloso, negando-se a apresentá-lo em juízo. A questão agora está para a Justiça decidir.
Este ano, a temporada iniciou com a morte de uma fêmea recém nascida, em 02/08/2019. Na necropsia foi constada um grande hematoma e ar nos pulmões.
Outro problema que o Berçário enfrenta é a contestação judicial do seu Plano de Manejo, aprovado após 18 anos de criação da Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca. Entidades do comércio, ongs locais e associações comunitárias alegam a falta de estudos científicos atuais sobre os aspectos ambientais, sociais e econômicos para embasar o zoneamento e as decisões de gestão da região trazidas pelo plano.
Observação de baleias franca por terra
Em 2015, o SEBRAE investiu 2,5 milhões de reais para alavancar o turismo de observação de baleias por terra na região do berçário, em parceria com o Governo do Estado de Santa Catarina que contribuiu com 500 mil reais. O projeto desenvolvido pelo SEBRAE capacitou 300 empresários do ramo de hotelaria e gastronomia, para melhor receberem turistas interessados em observar baleias por terra.
Com o projeto também foi criada a Rede TOBTerra, que congrega empresários, ongs e associações locais para o desenvolvimento da observação de baleias sem o uso de barcos, utilizando os costões e mirantes naturais, abundantes na região do berçário. A Rede cresceu, e desde 2016 oferece roteiros culturais onde são integradas a gastronomia e cultura locais com a observação das baleias sem causar molestamento. Na região, foram construídos mirantes que possibilitam a observação da interação das baleias com seus filhotes a menos de 20 metros, sem perturbar os animais e sem risco para os turistas.
A observação de baleias por terra é um diferencial turístico em Santa Catarina, e torna obsoleto o uso de barcos diante do risco de naufrágio em mar gelado, e com a presença das baleias que chegam a medir 20 metros e pesar 40 toneladas.
Baleia Franca Austral e o direito animal à maternidade
Para as ongs Sea Shepherd Brasil, Agência de Notícias de Direitos Animais e Associação Catarinense de Proteção aos Animais proteger as baleias franca significa proteger o direito à maternidade, como direito individual de cada baleia, e o direito à perpetuação da espécie, como direito coletivo, humano e não-humano.
Lembrando que a Área de Proteção Ambiental da Baleia Franca foi criada em 2000, com a missão de proteger estes cetáceos, ameaçados de extinção conforme a Portaria do Ministério do Meio Ambiente nº 444/2014.
Para a proteção das baleias franca em Santa Catarina, as ongs consideram que deve ser levado em conta a perda de energia desnecessária pelas baleias que alteram o comportamento na presença dos barcos de turismo. As baleias jovens e adultas não se alimentam durante todo o processo migratório, da zona de alimentação na Antártica para os berçários localizados na África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e América do Sul onde permanecem por quatro meses, retornando à Antártica com os filhotes. Isso significa que durante seis meses as baleias deverão se manter com a energia que armazenaram antes da partida, em forma de gordura. As fêmeas ainda parem, amamentam os filhotes, e os preparam para a longa e perigosa viagem em mar aberto, enfrentando predadores, redes de pesca industrial, poluição acústica, captura incidental, e a caça clandestina, tudo isso em jejum!
Para o oceanógrafo PhD. Philomena “O Berçário, em algumas publicações, é quase sinônimo de descanso, tranquilidade, sossego e quietude”. Com esta ideia, as ongs promovem a preservação do berçário em Santa Catarina, último no Brasil, por meio da campanha Berçário Livre! objetivando eliminar e reduzir as fontes de molestamento intencional. O molestamento e a caça de cetáceos são proibidos pela Lei Federal nº 7.643/1987.
Na denúncia crime, as ongs destacam a importância vital do berçário para a recuperação populacional da espécie, alvo de caça intensa por três séculos que praticamente dizimou a espécie. Conforme as ongs, o berçário abriga os filhotes recém nascidos, por isso deve-se evitar as atividades humanas que causam molestamento. Segundo a lei estadunidense Marine Mammal Protection act 1972, molestamento significa “Qualquer ato de perseguir, atormentar ou incomodar que tenha o potencial de ferir ou perturbar um mamífero marinho ou grupo de mamíferos marinhos no ambiente natural pela ruptura de padrões comportamentais, tais como migração, respiração, amamentação, reprodução, alimentação ou busca de abrigo.”
Por que as baleias franca procuram as enseadas para seus berçários?
Segundo os cientistas, a capacidade única de flutuabilidade das baleias franca (se aproximam de zonas rasas sem encalhar) permite que estes cetáceos usem as enseadas para protegerem os filhotes dos predadores, como a orca e o tubarão. Este hábito costeiro, nas enseadas do litoral catarinense, propicia a observação das baleias a partir das praias e costões.
Berçário, um local sagrado para as baleias
Desde 2012, cientistas lideram um movimento mundial pelo reconhecimento dos cetáceos como pessoas não-humanas, com base em pesquisas que revelam capacidades até superiores que as dos seres humanos, relacionadas à memória e à sensibilidade. Os cetáceos, baleias e golfinhos, produzem cultura, vivem o luto por perda de seus filhotes e há relatos de golfinhos que cometeram suicídio.
Na temporada passada (2018) no berçário em Santa Catarina, uma baleia franca permaneceu por 24 horas na enseada da Praia do Matadeiro/Florianópolis, onde seu filhote estava morto na areia por atropelamento de embarcação. Após o animal ser enterrado, a mãe não foi mais avistada. Também, há o relato na mesma temporada de um golfinho fêmea nariz-de-garrafa, população residente no berçário, que por três dias conduziu o corpo de seu filhote sem vida, não deixando que os pesquisadores e pescadores se aproximassem.
Segundo as ongs, a percepção da importância do berçário como um espaço sagrado para a espécie é uma forma de impor limites às ações humanas que causam molestamento, como é o caso do turismo de observação de baleias embarcado. Atividade que reputam como desnecessária e fútil diante do que causam às baleias no momento mais sensível da vida de qualquer fêmea, que é a maternidade.
As ongs destacam a importância do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade adquirir uma embarcação para fiscalizar os abusos cometidos por jet skis, lanchas, helicópteros, atuneiros e o turismo clandestino, no berçário. Consideram, também, que o Governo do Estado deveria fazer uma gestão compartilhada deste espaço, dada a importância que o turismo de observação por terra significa para a economia local, em risco, pelo declínio do berçário.
Para denunciar situações de molestamento no berçário, ligue para a Associação Catarinense de Proteção aos Animais 48 99693_8647
Fonte ACAPRA