👀 Violência com animais, mídias sociais e emoções

Slow loris é macaco de hábito noturno que se sente ameaçado e com medo e por isso levanta os braços (mecanismo de defesa) ao receber "cócegas".
Slow loris é macaco de hábito noturno que se sente ameaçado e com medo e por isso levanta os braços (mecanismo de defesa) ao receber "cócegas".

A motivação principal deste artigo está na nossa contribuição com a divulgação de um tema bastante sensível aos defensores dos animais que é o uso ou exploração deles para produção de vídeos nas mídias sociais. Para gravar esses vídeos, animais de diferentes espécies são maltratados e submetidos a diferentes formas de abuso e ao que podemos entender por tortura, embora nem todos os vídeos possuam necessariamente uma violência explícita.

Dentro desse assunto, o nosso foco é levar informação para o público em geral, onde muitas pessoas, por terem simpatia pelos animais, podem ser induzidas ao erro e assim acabarem contribuindo ou incentivando a propagação desses vídeos, aumentando a circulação destes através de qualquer tipo de interação como curtidas, comentários, compartilhamentos etc.

Esse assunto não é uma novidade quando se sabe que há diversos tipos de conteúdos violentos expostos na internet, seja com animais ou com outros seres tão vulneráveis quanto como crianças, idosos, enfim, pessoas de todas as idades que, por alguma condição, não podem oferecer resistência aos maus tratos sofridos.

Quando temos empatia ou nos sentimos parte de algum grupo é comum acharmos que a maldade acontece de forma muito pior contra membros desse grupo, afinal, o nosso foco de atenção é que está direcionado ou delimitado para determinado grupo. Como tudo que existe neste mundo, as mídias sociais possuem os mais diferentes tipos de conteúdo para todos os tipos de interesses. Alguns serão atraídos para conteúdos violentos enquanto outros não. Enquanto uns se interessam por um tipo de conteúdo midiático, muitos repudiam, logo, isso está fora do nosso controle. Mas é claro que uma das ações que podemos adotar é buscar mais esclarecimento para essas questões.

Embora no meio ativista geralmente temos algum conhecimento da existência de vídeos produzidos com animais que algumas pessoas são capazes de realizar em circunstâncias cruéis, eis a oportunidade de trazer esse assunto por aqui, sem resvalar no velho e datado discurso de ódio que ainda é tão comum na sociedade.

Chegamos até esse tema por meio de Silvana Sita, Mestre em Psicobiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com experiência na área de primatologia e integrante da organização International Animal Rescue.

Silvana Sita, que também milita na causa animal, nos procurou trazendo o tema sobre episódios de tortura de animais (de diferentes espécies) nas mídias sociais e, a nosso pedido, gentilmente nos enviou um artigo de sua autoria com conteúdo informativo que nos introduz à este tema, prestando importantes esclarecimentos sobre a problemática que está presente em todas essas práticas e chamando a atenção para a nossa responsabilidade enquanto usuários dessas mídias (Youtube, Facebook, Instagram e TikTok, dentre outras possíveis) as quais permitem e mantêm esse tipo de conteúdo nas suas plataformas.

Clique no seguinte título para ler o artigo de autoria de Silvana Sita: “Tortura como lucro e divertimento nas redes sociais”.

A referida profissional nos conta que a International Animal Rescue faz parte de uma coalizão de organizações internacionais chamada SMACC (Social Media Animal Cruelty Coalition) que está denunciando os diversos casos de tortura animal nas redes sociais e, não obstante diversas denúncias, muitos vídeos e canais se mantêm no ar e, inclusive, são monetizados.

Silvana Sita nos relata que “embora os casos de vídeos de tortura sendo filmados aqui no Brasil sejam pequenos, através de uma pesquisa nas redes eu percebi que tem um público muito grande de brasileiros que assistem a esses vídeos, muitos deles por desinformação”.

Destaco essa observação feita por Silvana porque também observo a ignorância (desconhecimento) das pessoas que possuem algum grau de afeto ou empatia pelos animais enquanto muitas vezes são contribuintes para a crueldade com esses seres. Nós, humanos, podemos ser bastante incoerentes e contraditórios em nossos pensamentos, sentimentos e ações. Fato é que, havendo ou não uma inconsciência, de forma alguma qualquer tipo de punição ou castigo servirá de incentivo para alguma mudança positiva.

Ante essa situação, se desejamos colaborar construtivamente com algum tema que nos sensibiliza, podemos criar maneiras diversas que buscam maior conscientização, seja através da divulgação de informações e material educativo, seja através de campanhas, denúncias ou protestos criativos a fim de buscar sensibilizar usuários e a sociedade em geral para que se questione sobre o tipo de tratamento dispensado aos animais nas mais variadas atividades (aqui, especialmente, para produção de vídeos na internet).

É claro que, do ponto de vista das pessoas mais conscientes, o ideal seria que não houvesse conteúdos de violência ou de estímulo à violência a quem quer que seja espalhados pela internet e mídias sociais, mas para chegarmos a este ponto, a sociedade é que precisaria reduzir a violência que pratica, ou seja, as pessoas se tornarem cada vez menos violentas e consequentemente menos desejosas ou menos interessadas no consumo de conteúdos violentos.

Quando falamos de vídeos produzidos com animais para serem expostos nessas mídias em busca de curtidas, “diversão” ou algum tipo de lucro ou benefício humano, podemos verificar que nem sempre a violência se mostra explícita nesse material. Então muitos podem assistir a esses vídeos e não verem nenhuma maldade ou não enxergarem algumas daquelas situações como tortura ou crueldade contra os animais e esse é um dos pontos que julgo muito importante destacar aqui no Saber Animal.

Especialmente nas mídias sociais, mas não só, precisamos buscar compreender o que pode estar por trás daquilo que é visto ou superficialmente percebido através de nossos sentidos, de nossa visão e audição, se intencionamos colaborar para a concretização de um mundo mais harmônico e justo.

É muito comum pessoas acharem que estão ajudando em alguma situação quando na realidade não estão, por simplesmente não terem compreendido de uma forma mais ampliada ou complexa alguma questão. Se for de nosso interesse ou verdadeiro propósito, sempre podemos fazer algo a respeito do que acreditamos ser o melhor, mas antes de pensarmos no que fazer, vamos entender que o melhor para um pode não ser o melhor para outro.

Às vezes não fazemos a nossa parte porque achamos que não somos capazes ou não somos responsáveis por nada, mas nos empenhamos na cobrança dos outros. Todo ativismo carrega consigo um viés político e a mudança de um só indivíduo ou melhor ainda, de alguns indivíduos, já é algo significativamente relevante e digno de esperança, mas é muito comum as pessoas acharem que precisam salvar o mundo ou todo o grupo com o qual se identificam e, como isso não é possível, passam a acreditar que nada acontece porque “ninguém quer mudar”, sem perceber que a mudança já está em curso.

Cada questão dessas daria um livro, mas vamos nos aprofundar um pouco mais nesse tema da tortura dos animais nas mídias sociais que é o tema central que me traz aqui.

Esse é um bom exemplo de como não temos o menor controle sobre o que outros fazem, sobretudo megaempresas como google / youtube, facebook… É claro que denúncias nas próprias redes pelos usuários inconformados ou até mesmo ações judiciais promovidas por órgãos públicos ou organizações da sociedade civil são absolutamente válidas e legítimas, importantes como forma de tentar por algum limite nessas empresas podendo coibir ou ao menos reduzir esse tipo de conteúdo, mas a realidade é que nem sempre são eficazes ou de duração mais prolongada, principalmente onde ética e respeito ao ser humano, por exemplo, costumam não fazer parte do vocabulário corporativo.

Essas empresas ainda não incorporam as leis vigentes que resguardam direitos humanos fundamentais nas políticas da empresa (como a política de privacidade e uso de dados, por exemplo) e o mesmo se aplica aos direitos fundamentais dos animais. Concordemos ou não com as políticas e métodos dessas instituições, sabemos que ainda possuem muita influência política e perante a sociedade, no cotidiano das pessoas.

Claro que, diferentemente do que essas empresas possam alegar quando são questionadas pelos poderes constituídos (principalmente Poder Judiciário), suas políticas devem se submeter à legislação e fiscalização brasileira uma vez que possuem sede no Brasil, devendo fazer cumprir a legislação nacional que protege os direitos humanos e, da mesma forma, os direitos dos animais (onde se inclui a proteção da fauna silvestre).

Onde há valores distorcidos na base, não há como esperarmos uma postura justa, digna, respeitosa ou ética. Onde ainda se prioriza a obtenção de vantagens econômicas, e até mesmo políticas, que possam beneficiar o mercado a qualquer custo em prejuízo de toda a coletividade ou de vidas envolvidas (desvios éticos), podemos compreender que há um longo caminho de “retorno” à justiça por percorrer.

E nesse mar de conteúdo, a mesma lógica mercantil também está na base do youtube, que não só permite vídeos de conteúdo violento em sua plataforma, como ainda os monetiza.

Fato é que a escolha sobre o que visualizar, comentar, compartilhar compete ao usuário do serviço, logo, uma das formas de diminuir esse tipo de conteúdo, se é que isto é possível, está na conscientização das pessoas de boa-fé acerca de que nem tudo o que está sendo visto está sendo corretamente interpretado, ou seja, determinado conteúdo pode não parecer violento porque talvez essa violência se iniciou nos bastidores. E essa informação é um dos pontos principais sobre os vídeos que contêm conteúdo de crueldade com os animais.

Alguns acontecimentos quando envolvem animais não são facilmente compreensíveis pela grande maioria das pessoas que costumam projetar comportamentos e sentimentos humanos nos animais tornando tudo uma só forma de experimentar e sentir o mundo, suprimindo toda a riqueza e diversidade da vida com a distorcida lente humana.

Os animais, principalmente os silvestres, possuem particularidades e necessidades absolutamente diferentes do ser humano. Um macaco, por exemplo, não sente prazer ou conforto em tomar banho ou usar roupas.

O mesmo vídeo onde existem humanos interagindo com animais pode ser “fofo” e engraçado para alguns (que nutrem verdadeira simpatia pelos animais) e angustiante ou horrível para outros.

O que muitas pessoas desconhecem é que existe muita dor e sofrimento para os animais envolvidos nesse tipo de conteúdo, ainda que nem sempre estejam explícitos.

Os animais são seres vulneráveis assim como crianças de pouca idade, logo, não possuem a capacidade de escolha ou a possibilidade de se defenderem de investidas humanas que ferem a sua integridade. São inúmeras as formas de violência a que são submetidos para gravações de vídeos, os quais despertam emoções das mais variadas em quem consome esse tipo de conteúdo.

Dentre muitas outras situações apavorantes para animais de diferentes espécies, macacos usando roupas e recebendo banho são bastante populares nas mídias, mas muitas pessoas desconhecem que isto são comportamentos antinaturais (ao contrário do que muitos pensam, não são como bebês humanos), causando muito estresse a eles, o que parece não ser do conhecimento das pessoas quando lemos seus comentários incentivando e curtindo este tipo de conteúdo ao usarem palavras como “que fofo, “que lindo”, “eu quero um” (o que também incentiva o comércio e tráfico da fauna silvestre).

Geralmente, o público que tem mais sensibilidade, ou até conhecimento da realidade, logo percebe que há algo de errado em uma cena montada com animais que “performam” ou simplesmente quando observam com mais atenção o comportamento de um animal.

Muitas pessoas até repudiam qualquer tipo de violência contra os animais, mas como nem sempre a crueldade está explícita (como o vídeo de um banho ou de um movimento aparentemente comum como a coceira, por exemplo), é comum que muitas dessas situações que envolvam animais em vídeos sejam mal interpretadas.

Quando uma arraia aparentemente “sorri” na realidade ela está demonstrando a sua dificuldade respiratória, segundo nos relatou Silvana Sita.

O sorriso é uma expressão humana, logo, nesse exemplo dado, a arraia não está demonstrando alegria ou felicidade como possa parecer, mas está em estado de sofrimento, quiçá em risco de vida (imaginando a intensidade de uma dificuldade respiratória). Nesse caso não há sorriso algum, é um “falso sorriso” porque inexistente (e note como pode ser complexa essa questão da interpretação: quando falamos “falso sorriso” há, inclusive, outra conotação para o sentido que nós, seres humanos, interpretamos: falso sorriso como resultado de uma emoção dissimulada).

Inviável interpretar o mundo animal de forma generalizada ou fazendo analogias certeiras com o comportamento humano, além de que nós, humanos, geralmente fazemos projeções mentais e emocionais que nos levam à percepções distorcidas do outro. Muitas vezes sequer conseguimos compreender uns aos outros, não é mesmo? Perceber os animais às vezes requer ainda mais sensibilidade ou conhecimento de nossa parte. É preciso enxergar além das aparências e esses vídeos geralmente confundem a maior parte das pessoas. E assim acontecem muitos equívocos de percepção ou compreensão com muitas e diferentes espécies de animais.

Um gesto ou movimento humanamente reconhecível como agradável, confortável ou prazeroso pode causar sofrimento e até mesmo ser cruel ou torturante para um animal, já que equivocadamente interpretado, sobretudo quando há interação humana com um animal (notadamente o silvestre). Nem todo animal pode “ser transformado em pet” e isto deve ser considerado para que os animais possam ser respeitados em sua natureza.

É o caso dos primatas loris, macacos de hábitos noturnos e olhos grandes que também ganharam popularidade nas redes sociais por levantarem os braços quando recebiam “cócegas” de humanos, como nos contou Silvana.

Em suas palavras: “isso era visto como um comportamento muito fofo pelo público, que em sua maioria acreditava genuinamente que o animal estava gostando das cócegas, mas na verdade esse comportamento é um mecanismo de defesa dos slow loris. Sendo o único gênero de primatas venenosos, os slow loris tem uma glândula embaixo dos braços que libera toxinas. Então, na verdade quando eles estão levantando os braços, eles estão se sentido ameaçados e com medo”.

Não apenas no youtube mas em sites de notícias também existe muita desinformação a respeito do comportamento animal, geralmente há tendência para zombaria, escárnio ou ridicularização.

Muitas vezes o mal se perpetua porque somos inconscientes da verdade. Quando queremos entender o que se passa na mente do outro só estamos fazendo especulações, suposições e julgamentos. Alguns irão se identificar com esse tipo de conteúdo mesmo sem saber, conscientemente, os porquês. Outros podem inclusive gostar de animais de alguma forma distorcida, que nada tem a ver com respeito e amor, já outros podem imaginar que eles estão sendo bem tratados e cuidados, podem não enxergar a existência de violência ou desrespeito na integridade dos animais, podem não ter a consciência de que aquela realidade muitas vezes está causando dor, grave sofrimento e danos na saúde física e mental dos animais.

A CAÇA TAMBÉM SE MOSTRA COMO UMA FORMA DE TORTURA

A violência com os animais também pode ser mais explícita, como por exemplo nos vídeos de caça de animais silvestres (outra forma de tortura animal exibida e mantida nas mídias sociais) e de apologia à caça, que também são muito comuns no Youtube, por exemplo. Ainda assim, essas questões geralmente são mais complexas do que aparentam, então colocar tudo no rótulo do “sadismo humano” é muito simplista e pode ser enganoso.

Muitas vezes, a violência exposta nas redes sociais é um reflexo ou sintoma de muitas outras violências que acontecem fora do mundo virtual ou fora do nosso alcance. O que não podemos alcançar não podemos compreender. Mais do que não haver vídeos de caça de animais circulando por aí, melhor seria não realizar caça que não fosse excepcionalmente para a própria sobrevivência como ocorre em algumas tribos.

Sob a ótica da proteção animal, não existe sustentação lógica em se permitir a caça de alguns animais (como o javali, por exemplo), pois é proibida a caça de animais silvestres, assim como não há a menor coerência em querer acabar com o tráfico de silvestres enquanto ainda se permite o comércio desses animais que jamais deveriam ser objetificados para ornar domicílios e para servir outros fins nada justos. Aliás, na esfera legislativa podemos observar a aglutinação de muitas e muitas incoerências.

Muitos ambientalistas e até mesmo o senso comum apenas vê problemas quando ficam sabendo sobre caça “ilegal”, comércio “ilegal” de silvestres, acontecendo em algum lugar… Segundo esse raciocínio, pode caçar, pode vender e comprar animais silvestres à vontade (não sei como se faz isso em nome da defesa da natureza ou meio ambiente). Quiçá possa até exterminá-los, contanto que… a lei autorize! Esse tipo de pensamento meramente legalista (mais do que especista) nunca funcionará para proteger o meio ambiente, tampouco os animais silvestres. O sentido da palavra justiça sempre é distorcido, ora para pedir punição aos infratores da lei, ora para discriminar e separar vidas animais da natureza segundo critérios de nossa desumana conveniência.

O javali não é animal nativo do Brasil e, como era conveniente, foi completamente ignorado que isto poderia trazer problemas ambientais (até hoje essa conduta não mudou com relação à introdução de espécies não nativas) pois priorizam o interesse comercial e econômico. Mas como as escolhas erradas não tardam a aparecer, agora alegam preocupação com o meio ambiente para justificar a matança (caça) desses animais que não estão em território brasileiro porque “gostam de destruir” lavouras e propriedades de “pobres pecuaristas e agricultores”.

Enquanto os problemas criados pela inconsciência humana não forem enfrentados em sua raiz, não adianta passar uma maquiagem (criando leis que protegem a economia) e depois viver retocando (alterações jurídicas aqui e ali) como se os problemas estivessem sendo enfrentados e resolvidos, porque assim não estão. 

Sejam vídeos de caça ou de outros tipos de tortura animal nas mídias sociais, além de eventuais denúncias por meio da plataforma ou ainda para órgãos governamentais competentes, temos uma forma muito mais eficaz para contribuir com o fim de toda violência: autocomprometimento a nos tornarmos menos violentos em nosso cotidiano, observando nossas ações e incoerências, renunciando nossas hipocrisias, discriminações, sentimentos carregados com desejos de vingança e punição que diuturnamente despejamos no mundo.

Não tenho a menor dúvida de que isso é muito mais eficaz do que ficar pleiteando novas leis para “novos e velhos” políticos, maior rigor punitivo para as atividades ilegais. Que preguiça desse discurso, dessas crenças que nada transformam para melhor.

O RESPONSÁVEL É SEMPRE O OUTRO?

Retomando o tema central deste artigo, de escândalo em escândalo, as mídias sociais aí estão com suas políticas abusivas, censurando o que não é violento e monetizando o que é violento a depender da lucratividade, quer gostemos ou não. E concordemos ou não com os seus termos, fato é que continuamos a usar desses serviços. Utilizamos as redes sociais, não importa o quanto seus executivos aprontem. Na vida contemporânea é praticamente impensável não as utilizar, o que muitos de nós fazemos é abandonar algumas ou reduzir bastante o uso pelo estritamente necessário, pois no cotidiano nos “esquecemos” ou simplesmente ignoramos esses abusos porque delas também nos beneficiamos, seja para o trabalho, para a vida privada, para o entretenimento…

Então também seria incoerente e injusto de nossa parte atribuir toda a responsabilidade para as mídias sociais sobre a permanência de conteúdos violentos com os animais. Não somos totalmente responsáveis por tudo o que acontece no mundo, mas certamente temos nossa parcela de responsabilidade, pessoas conscientes se sentem corresponsáveis em algum nível. Por isso estamos aqui nos solidarizando com o coletivo através da partilha deste conteúdo no Saber Animal.

Há complexidade em questões que não são nada simples, sejamos redundantes mesmo para fugir da paranoia ou hipnose social que se limita ao reducionismo controlador e punitivista como faz a maioria quando se depara com a face mais perversa das mídias sociais. Em tudo há aspectos positivos e negativos neste mundo e portanto as mídias sociais também estão nessa dinâmica.

Fato é que quando usamos as redes sociais desenfreadamente, sem estabelecermos limites de tempo e uso (e, propositadamente, elas são feitas para isso, o que se sabe através de denúncias de ex-funcionários e também de estudos acerca de induções no comportamento humano que causam maior prejuízo em crianças e adolescentes), além de outras violações de segurança, privacidade e dados dos usuários, ficamos praticamente absortos e perdidos com tanta informação (ou desinformação), onde praticamente mergulhamos em um automatismo que beira o patológico.

Nessas circunstâncias, um conteúdo leva ao outro que leva ao outro e assim muitos passam a maior parte do seu dia. Esse também é um dos lados perversos das redes sociais, estamos todos sendo afetados e muitas vezes não percebemos.

Mas temos as nossas escolhas (ao contrário dos animais que são usados em mais essa engrenagem). Podemos transformar tudo em ações construtivas e mais criativas. Quando nos propomos a contribuir para alguma mudança, o primeiro passo pode ser uma melhor avaliação de outro ângulo para depois haver um engajamento mais saudável onde possamos superar o impulso de simplesmente reclamar ou propagar conteúdos violentos, os quais raramente possuem qualquer propósito construtivo ou educativo, eis que alimentam o desprezo ao ser humano, gerando mais ódio nas mídias e na sociedade.

Essa é a dinâmica aprisionante das mídias sociais, quanto mais engajados em combatermos aquilo que nos incomoda, mais curtidas, mais comentários, mais compartilhamentos, mais audiência, mais monetização. Quem deseja diminuir a violência com os animais primeiramente deve ser a não violência através de suas ações (as quais refletem pensamentos e sentimentos), sendo assim um contribuinte para a diminuição da violência humana a partir de si mesmo.

ABORDAGEM VIOLENTA PARA COMBATER OUTRA VIOLÊNCIA?

Denúncias de crueldade com animais nas mídias sociais e em noticiários em “defesa dos animais” ao estilo policialesco muito eventualmente possuem algum propósito informativo e quando isto se torna a principal ou mais importante “estratégia” para abordar o tema da proteção animal, toda a complexidade que envolve determinado acontecimento está sendo deliberadamente descartada, o que empobrece e dificulta qualquer possibilidade de se enxergar um pouco mais além (e com mais seriedade) algum fato ou alguma prática que mereça atenção.

Se queremos denunciar abusos ou crueldades contra os animais, por exemplo, geralmente temos à disposição diferentes possibilidades, tanto dentro quanto fora das redes sociais. Podemos encaminhar esse material diretamente para autoridades públicas ou órgãos competentes do governo, podemos cobrar diretamente de mandatários ou representantes políticos eleitos (não precisa ser eleito pela causa animal), podemos eventualmente compartilhar a notícia com uma observação interessante sobre algum aspecto que observamos, podemos destacar a ineficácia ou completa falta de políticas públicas ou até mesmo cobrar publicamente a adoção de providências mais simples das autoridades competentes que poderiam resolver uma situação específica com medida simples bastando boa vontade, enfim, temos muitas possibilidades não violentas ao nosso alcance.

Se estamos buscando uma mudança social, se queremos realmente uma sociedade mais compassiva, podemos inovar com a nossa criatividade ao invés de simplesmente despejarmos imagens chocantes com palavras de revolta em um viés sensacionalista que estimulará o anseio por cadeia, punição (o que todo político desvirtuado do bem comum mais adora, registre-se).

A seção Notícias aqui do Saber Animal, por exemplo, tem abordagem crítica mas com proposta completamente diferente da ordinária. Sempre podemos inovar para apresentar fatos ou acontecimentos que classificamos como negativos. Para que copiar as mesmas ideias ruins ou ainda seguir um padrão rígido, acrítico, sensacionalista e injusto conforme o atual padrão social e jornalístico (vingativo-punitivista)? Todos podemos ser surpreendentemente criativos. Não precisamos usar de uma linguagem violenta para falar de violência.

Exposição à violência pela violência gera mais violência. Violência com a gente e violência com os demais por não compreendermos determinadas atitudes cruéis que algumas pessoas são capazes de realizar. E tudo bem se não entendemos, mas podemos compreender que há fatores complexos, diversos, quando alguma violência mais terrível é manifestada. Aceitar que não sabemos tudo pode ser tranquilizador.

Se queremos menos violência, então que sejamos a não violência em ação. Quando não enfatizamos a violência praticada contra os animais, já estamos contribuindo com a paz, é simples assim. Não se trata de negar, esconder ou fugir da realidade, mas também de oferecer ao público uma outra perspectiva, uma perspectiva menos violenta, uma abordagem mais compassiva. Esse é um treinamento e aprendizado que podemos praticar na nossa vida.

Muitos falam que são pacíficos, que seguem uma filosofia de vida não violenta quando isso não se sustenta na prática. Não participar da exploração dos animais, não consumir animais ou produtos de origem animal são formas de praticar a não violência, não há dúvida, mas existem muitos outros hábitos e práticas que estão além destas. Em primeiro lugar a não violência começa na nossa relação com a gente mesmo. E quem não se respeita não saberá respeitar verdadeiramente os outros.

É comum os chamados protetores de animais ou ativistas que resgatam animais se violentarem para proteger aos outros, passando por cima de suas capacidades materiais e psicológicas para “prover assistência” a outros. Isso não é compaixão, não é justiça, não é paz. Compaixão não é retirar de si para dar ao outro e o outro ainda permanecerá na falta porque não poderá receber o que o ser humano não tem a oferecer.

Para quem pratica o veganismo através de seus hábitos alimentares e de consumo de um modo geral, não ser violento com os animais é bem fácil, mas se queremos sustentar o pilar da não violência na sociedade precisamos ir além na nossa vida cotidiana, precisamos ir além do discurso ético.

Se fazemos aquilo que condiz com o que está pedindo a nossa consciência ou, melhor ainda, o nosso coração, já abrimos um campo de possibilidades para que outros também possam seguir por esse caminho se assim desejarem. Se o mal pode contagiar porque quase sempre nos esquecemos de que o bem também contagia e muito mais?

Se quisermos combater o mal apenas devemos ressaltar o bem e “aceitar” o mal. Como? Sendo o bem, fazendo e sustentando o bem (começando em si mesmo). Essa é uma possibilidade para real e duradoura transformação social (em alguns momentos é necessário que esqueçamos da classe política!). Não há como exterminar o mal, ele existe e nessa de “lutar e combater” aquilo que não aceitamos é que o fortalecemos ainda mais. O mal cresce cada vez que se coloca energia em propagá-lo e essa dinâmica é absolutamente comum na nossa sociedade e em todos os diferentes ativismos, seja pelos direitos animais, direitos humanos etc.

Notícias policialescas oferecem um retrato muito precário do fato em si, é uma fotografia minúscula extraída de uma grande paisagem cheia de detalhes e nuances. A vida é bem mais complexa do que uma simples foto, vídeo ou imagem. O julgamento da maioria das pessoas é assim: A matou ou feriu B, portanto A deve ser punido para resolvermos essa questão e ponto final. Podemos e devemos ir além deste raciocínio linear. As regras e leis foram e ainda são importantes para o convívio social, para a manutenção da chamada “paz social”, mas a paz verdadeira (que muitos confundem com ausência de conflito) está bem distante de uma sociedade julgadora, punitivista, vingativa e um tanto hipócrita.

Se intencionamos a paz para os animais, também é preciso ir praticando a paz nos detalhes da nossa vida cotidiana. Não apenas com os animais, mas com os humanos, começando a sentir-se em paz consigo mesmo e, quando nos darmos conta, já estaremos incluindo aos demais. Cada um fazendo o seu, comprometido que está com a parte que lhe cabe, deixando que os outros sigam com as suas próprias escolhas e responsabilidades. Isso é verdadeiramente libertador… experimente (experiência própria).

Muitas vezes a questão não é sobre o que fazemos ou não fazemos, mas sobre como fazemos. Às vezes o melhor mesmo é não fazer nada, pois se já sabemos que o nosso fazer vai acrescentar mais caos, mais intolerância, mais incompreensão, mais julgamento, mais dor, talvez o melhor seja o não fazer, lembrando aquela sábia oração sobre “aceitar o que não posso mudar”. Vamos ser a paz ao invés de fazer guerra querendo encontrar a paz no mundo, pois isto é impossível.

Muitas vezes nos falta sermos compassivos conosco em primeiro lugar, nos falta consideração e respeito com a nossa própria jornada. Quando fazemos esse movimento, também vamos permitindo aos outros esse novo olhar que substitui o julgamento acerca de uma situação que arrogantemente acreditamos já ter compreendido. Dar uma chance à humanidade é dar uma chance a si mesmo.

Quando nos propomos a fazer qualquer ativismo, seja em defesa dos animais, do meio ambiente, de grupos humanos etc, não precisamos enfatizar o mal pelo mal, simplesmente isso. O desprezo aos animais não vem só do especismo, também está relacionado com o desprezo ao ser que é diferente, ao desconhecido, àquele que eu temo, que não compreendo, que não tolero, seja humano ou não humano…

Somente pessoas comprometidas com o seu autoconhecimento e autodesenvolvimento podem verdadeiramente contribuir com a transformação social, do contrário é mais uma adesão à velha hipocrisia humana ao estilo “faça o que eu falo mas não faça o que eu faço” ou ainda o uso de uma máscara de pessoa evoluída pelo único fato de se considerar a vida dos animais.

Para serem libertados da violência, os animais precisam da nossa capacidade de compreensão, compaixão, amor, criatividade, inclusão (sem menosprezo ao ser humano devido suas falhas), solidariedade…, enfim, de tudo aquilo que nos torna humanos inteiros, íntegros. Os animais também precisam da nossa libertação, pois enquanto estivermos agindo com novas roupagens que apenas servem de enfeite para os velhos desejos vingativos (egocêntricos), não alcançaremos mudanças.

A libertação humana está muito além daquela que é defendida em movimentos, pautas sociais ou marketing político e isso também está fora do interesse ou alcance de muitos. Então um bom começo pode ser o ajuste para aquilo que nos compete mudar (a nós mesmos), aceitando o que não podemos mudar (os demais).

Em outras palavras, cada um pode fazer o seu, compondo a sua parte na sinfonia da vida, nem mais e nem menos de suas possibilidades, percebendo as suas reais necessidades e os próprios limites atuais, liberando a opressão em si mesmo e nos demais. Estou nessa caminhada. Certamente que esse é um caminho da não violência, de sustentação da paz. Os animais terão paz quando a humanidade (maior número possível de pessoas) sustentar a paz, abrindo mão da criação de tantas falsas necessidades.