O tema abordado no episódio de hoje é turismo animal: uma das violências mais perversas que o ser humano impinge aos animais não-humanos numa autêntica escravidão que é mantida por um estado de inconsciência ou indiferença de muitos turistas e viajantes.
Apresentação: Vanice Cestari / Edição de áudio: Fabio Montarroios. Produção: Vanice Cestari e Fabio Montarroios / Roteiro: Vanice Cestari
Podcast: Download (Duration: 1:00:36 — 55.6MB) | Embed
Assine: Apple Podcasts | Spotify | TuneIn | Deezer | RSS
A revista National Geographic Brasil, na edição 06.2019 traz uma reportagem especial intitulada A Face Oculta do Turismo Animal. A foto de capa é uma preguiça presa numa jaula de madeira na Amazônia com a finalidade de entreter turistas.
Não é nada incomum ouvirmos as pessoas dizerem que amam os animais. Ou que, ao menos, desaprovam a crueldade e os maus-tratos.
A editora chefe Susan Goldberg relata que nas plataformas da National Geographic as fotos dos animais são as que recebem o maior número de likes dos seus seguidores no Instagram.
O turismo que explora animais continua de vento em popa, apesar das crescentes denúncias de quem, em sã consciência, sabe bem o terror a que são submetidos os animais em parques, resorts, aquários, fazendas, circos, zoológicos e até mesmo ao ar (ou mar) “livre”.
Diferentes espécies de animais são exploradas no turismo e a reportagem da National Geographic aborda o sofrimento de alguns espécimes com foco nos animais selvagens.
A revista enviou uma repórter e uma fotógrafa a várias partes do mundo para investigar a vida de animais cativos (aqueles que vivem em cativeiro) antes e depois que os turistas fazem suas selfies e voltam para as suas casas.
Logo no sumário da revista, uma moça posa para uma foto com um lóris na cabeça que parece bastante assustado e, veja só a ironia, ela veste uma camiseta com os dizeres truly lost que podemos traduzir para “assumidamente perdida”.
A exploração turística de animais vai além dos zoológicos, circos e aquários. Há alguns anos, uma orangotango fêmea escravizada para turismo sexual na Indonésia, foi salva por uma associação de defesa animal. Durante um ano, essa associação que defende a vida de orangotangos precisou arrecadar fundos para a contratação de 35 policiais armados para efetivar o resgate de Pony. Na época, a veterinária que atendeu o caso disse não se tratar de caso isolado, afirmando que “na Tailândia é frequente ver bordéis usarem fêmeas de orangotango como diversão sexual para os clientes”. Há ainda relato sobre combate de boxe entre orangotangos. A reportagem da National Geographic não aborda essa outra forma execrável de abuso contra as fêmeas que talvez ainda aconteça.
A editora da revista introduz o tema com o título animais explorados falando sobre os elefantes que são sequestrados de suas mães e assim, domados desde bebês a fim de transportar pessoas e fazer proezas sem ferir humanos, dentre outras formas de exploração comercial. Vale observar que a reportagem é sobre o turismo, mas esses mesmos animais não estão livres de serem usados também em outras atividades, como o elefante Plai Thong Bai que é famoso na Tailândia por ser astro de propaganda de cerveja e nos outros dias é pintado e alugado para festas. Ele vive num cercado acorrentado pelas pernas dianteiras. Ou então são usados em eventos, a exemplo de duas chinesas vestidas de noiva e montadas em jovens elefantes conforme narra a repórter.
Também não é incomum usarem os mesmos elefantes de uma atração turística em outra: em um museu a céu aberto os animais são vistos caminhando desacorrentados no que chamam de turismo ecológico para camuflar a exploração que sofrem – é o Ecovale dos Elefantes -, em local diverso há poucos quilômetros dali, em uma outra atração da mesma empresa, os elefantes “felizes” são vistos transportando visitantes e se exibindo ao público sendo espetados por um afiado gancho de metal para que obedeçam aos comandos de seus tratadores. A proprietária diz cinicamente que transportar pessoas e se exibir ao público permite que os seus 56 elefantes satisfaçam a sua necessidade de exercício e claro, a velha máxima de sempre, eles são “bem cuidados” afirmando que o comportamento da Meena melhorou desde que seu tratador lhe pôs a corrente com cravos. Falaremos dessa elefantinha mais adiante.
Dar banho em elefantes dentro de rios, por exemplo, está na moda e esse turismo intitulado “ético” e ecológico se apresenta como mais uma face perversa da exploração, muito embora os turistas geralmente não veem assim. Aqui também a gente pode constatar um exemplo de como o turismo ecológico ou sustentável que atualmente é defendido dentro de uma sociedade antropocêntrica pode ser uma grande armadilha para os animais não-humanos quando estes não estão incluídos como sujeitos de direitos.
Em primeiro lugar é preciso entender que um elefante, assim como outro animal selvagem utilizado em qualquer atividade turística foi e é brutalmente violentado para prestar obediência aos comandos humanos, não há outro meio de domar um animal.
Segue trecho da reportagem:
“O phajaan é o tradicional e brutal período de dias ou semanas durante o qual um elefante jovem é amansado. Essa prática é muito antiga na Tailândia e em todo o Sudeste Asiático. Os elefantes são amarrados com cordas, confinados em exíguos recintos de madeira, passam fome e são repetidamente espancados com aguilhadas, pregos e martelos até perderem todo o ímpeto de reagir. Não se sabe em que grau o phajaan persiste em sua forma mais severa”.
Animal selvagem “domado” é animal torturado, seviciado. Via de regra, qualquer interação humana com esses animais é atividade exploratória e cruel e se vira atração turística tem-se a certeza de uma atividade antiética. Animal resgatado de abuso e exploração é animal totalmente “aposentado” e livre em seu habitat natural e, na impossibilidade, livre em espaço natural, ainda que artificialmente criado, que reproduza as condições ambientais necessárias em observância às cinco liberdades conforme já citei no episódio anterior.
Diversas espécies de animais e espécimes (indivíduos) são explorados nessa indústria cruel e milionária. Inclusive, fizemos aqui uma breve pesquisa e existe um local na Tailândia que tenta simular um santuário de elefantes mas está bem longe de ser, é um desses espaços chamados conservacionistas e que possui uma peculiaridade: eles formaram uma orquestra de elefantes! Obrigam os animais a tocarem enormes instrumentos de percussão produzidos para esse fim. Já gravaram alguns álbuns. De frente aos elefantes, um homem balança uma vareta pra lá e pra cá como se tivesse regendo. A orquestra foi fundada pelo neurocientista David Sulzer (ou Dave Soldier como dizem ser conhecido no mundo da música). Essa aberração a revista deixou passar.
Numa pequena cidade peruana às margens do Rio Amazonas, turistas se divertem com um tamanduá retirado da selva. A repórter disse que deram iogurte aromatizado para o tamanduá “dentre outras coisas”. As preguiças amazônicas são retiradas da selva para protagonizarem fotos com turistas de todas as idades, vindo a morrer semanas depois de serem postas em cativeiro.
No outro canto do mundo, ursos são torturados para atrações circenses. Numa das fotos mais terríveis, três ursos estão amordaçados e acorrentados pelo pescoço a uma corrente curtíssima, sendo forçados a ficarem em pé para que fortaleçam seus músculos posteriores de modo a andarem somente sob duas pernas. A postura do urso que está em pé bem à frente de seu soberano algoz não deixa de sugerir uma súplica perante uma compaixão inexistente.
Ainda na Rússia, um urso-polar dança no gelo amordaçado com uma focinheira de metal aos comandos de sua algoz treinadora que empunha uma vara também de metal.
Bebês tigres são sequestrados de suas mães ao nascerem e trancafiados em jaulas para serem pegos no colo por turistas alienados e ansiosos em produzir uma foto para compartilhar o momento apoteótico das suas férias inesquecíveis. As mamães tigres não podem ficar com seus filhotes porque são forçadas a nova e rápida reprodução, aliás, muito semelhante com a exploração de fêmeas caninas que abastece o mercado de cães de raça conforme falamos no episódio anterior, com a diferença de que aqui estamos falando de um animal selvagem.
Os tigres adultos também são escravizados para que turistas tirem fotos ao lado deles. O tigre fica preso ao chão por uma corrente curta que envolve seu pescoço de modo que não possa se levantar, e além de serem dopados, tem as suas garras previamente removidas para a total segurança dos humanos.
A reportagem aponta práticas exploratórias e cruéis que acontecem longe dos olhos dos turistas e também algumas que parecem evidentes, sem declará-las como tal, denunciando a perversidade da indústria do turismo animal e informando que a maioria dos turistas que se deleitam com esses encontros não sabe de nada.
De fato, quando falamos em exploração animal, grande parte da realidade é propositalmente ocultada. Porém, aqui eu faço uma crítica pontual no sentido de que é um equívoco descartar a ignorância deliberada ou voluntária das pessoas (jovens, adultas e idosas) na suposição de uma ingenuidade absoluta desses turistas de modo a também colocá-los, de certo modo, na posição de vítimas numa descabida equivalência com os animais não-humanos dominados, explorados e violentados. A responsabilidade pela inominável dor desses animais é compartilhada entre os seus exploradores e os turistas. Não houvesse público interessado, não haveria turismo que usa animais selvagens.
Em certo momento, a repórter da National Geographic afirma que “a economia desse ramo depende de as pessoas acreditarem que os animais que elas estão pagando para ver ou transportá-las também estão se divertindo”.
Ao longo de toda a reportagem destaca-se, com certa frequência, as seguintes expressões em referência aos turistas: “não sabem” (utilizada 7 vezes), “sem saber”, “desconhecem”, “nem imaginam”, “ninguém sabe”, “não pensam”. A eventual ignorância não pode ser uma escusa para a prática da violência, afinal, onde está a nossa responsabilidade em buscar saber? No fim do artigo, um lampejo de lucidez da repórter: “mas sabemos que eles sentem dor”.
As fotos da reportagem também não retratam nada de “bacana” para quem tem consciência e valores éticos, ou apenas um coração elevado. Em muitos casos os maus-tratos acontecem na frente de turistas que possuem a absoluta capacidade de discernir o que pode ferir e agredir um outro ser vivo, a exemplo da constante presença de uma vara com ponta de ferro afiada que é espetada nos elefantes, a exemplo de uma cena inusitada como um elefante sentado à beira de uma praia para uma foto ou até mesmo um elefante acorrentado, a exemplo de um tigre dopado preso a corrente curta e sem garras para que não esboce nenhuma reação na presença humana, a exemplo de ursos-polares amordaçados com arame, dentre outras maldades explícitas.
Então, não, a indústria não se aproveita do “amor das pessoas pelos bichos” como pensa Susan Goldberg, editora chefe da National Geographic. Certamente a indústria se aproveita de outros fatores e de outros sentimentos, que não o amor. Essas pessoas não amam animais, ainda que algumas delas pensem o contrário. Elas amam selfies loucamente, elas amam ver as suas redes sociais lotadas de seguidores e curtidas, elas amam experiências extravagantes. Elas não amam animais, elas viabilizam uma sobrevida de perpétuo sofrimento aos selvagens até que eles morram sem conhecerem o amor e o respeito humano e então a indústria do turismo se aproveita da inconsciência e da indiferença delas.
Chegou o momento de contar um pouco da história de Meena, aliás, bem diferente de todo aquele dramalhão ridículo que é contado nos zoológicos para a comunidade a cada nascimento de um animal. Meena tem 4 anos e 2 meses, é uma criancinha elefante que fica presa a uma corrente curta por um dos pés acima da superfície com uma argola cheia de cravos de metal, de modo que quando ela se cansa e tenta baixar o pé, os cravos espetam mais fundo o seu tornozelo. Desde os 11 meses de idade ela está no Maetaman Elephant Adventure, um parque situado ao norte da Tailândia. Desde então Meena tem sido torturada e escravizada para pintar.
Segue a leitura de um trecho da reportagem:
“Duas vezes por dia, diante de multidões de visitantes tagarelas, o seu tratador põe um pincel na ponta da tromba de Meena e pressiona sua face com um prego de aço para direcionar as pinceladas enquanto ela arrasta cores primárias pelo papel. Ele costuma guiá-la para que pinte um elefante selvagem na savana. As pinturas são vendidas a turistas”.
Segundo a reportagem, só a Tailândia possui cerca de 3.800 elefantes cativos e outros milhares estão no Sudeste Asiático. Meena será obrigada a executar esse verdadeiro show de horror até mais ou menos 10 anos de idade. Espécimes jovens são escravizados para fazerem truques aos turistas, são sequestrados de suas mães e domados desde muito cedo o que significa submissão à tortura. Passada a juventude, mudam de atividade escravagista: serão forçados a transportar turistas sentados em um banco preso às suas costas. Quando adoecerem demais para carregarem humanos, se ficarem imprestáveis para a indústria, ou quando envelhecerem, o destino comum é o abandono e morte.
É provável que Meena percorrerá essa longa trajetória em sua triste vida invisível e esquecida. Solitária. A reportagem não diz, mas talvez ainda acabe vendida para um circo ou um zoológico, incrementando mais brutalidade e violência em sua mente e corpo mediante introdução de novas formas de tortura física e psicológica.
Me parece que todas as proezas e truques feitos pelos animais não-humanos que só podem ser aprendidas mediante tortura e servidão ao longo dos anos, são sinais latentes da manifestação da nossa pequenez humana que, do alto de uma soberania insânia, encontra contentamento e sentido em ver comportamentos antropomórficos expressados por animais selvagens altamente inteligentes e cognitivamente complexos, seres absolutamente indomáveis em suas essências.
Parques ao ar livre que exibem elefantes para que turistas montem neles ou para serem içados por suas trombas; botos cercados em meio ao Rio Negro no Amazonas por um grupo de turistas em círculo fechado enquanto um guia oferece um peixe como isca ao boto que, segundo a repórter, apresenta numerosos arranhões pelo corpo devido ao embate com outros animais – curioso notar que nesse grupo há uma criança humana que, na sua plena inocência parece não entender nada daquela confusão e tem seu bracinho esticado por um homem, possivelmente o seu pai, para que ela toque um boto-cor-de-rosa); macacos que andam de triciclo, lançam bola de basquete e giram sombrinha antes de serem enclausurados numa gaiola para o show do dia seguinte… todas essas atrações turísticas que exploram animais, de certo modo podem ser vistas como um desdobramento perverso da instituição do zoológico ou circo. Afinal, para muitos frequentadores esses animais estão livres e vivendo a sua vida longe de jaulas, pelo menos ao longo do dia, momento em que esse turismo acontece a céu aberto.
O autor Brian Massumi, em seu livro O que os animais nos ensinam sobre política explicita o funcionamento dessa lógica demasiado humana, utilizando-se como analogia a moldura de uma pintura, onde é preciso o “duplo enquadramento” a fim de “delimitar o fundo contra o qual as figuras serão percebidas”, em citação ao pensador britânico Gregory Bateson, sob pena de borramento da separação entre as premissas que operam dentro da moldura (isto é, animais dentro do zoológico ou em uma instituição similar) e aquelas que operam fora da moldura (isto é, a “cultura” humana ou o território humano da instituição do zoológico).
A inclusão de elementos que lembram o habitat natural dentro de uma jaula equivaleria a “uma moldura dentro de outra moldura” (por isso o chamado duplo enquadramento) e muito embora o autor esteja se referindo principalmente a instituição do zoológico, parece evidente que podemos usar esse raciocínio para essa outra forma de exploração turística que acontece ao ar livre mediante o uso dos animais. Nesse processo ocorre a exclusão inclusiva do animal que concerne à estrutura, “cujo traço constitutivo é o desenho de uma fronteira entre o dentro e o fora”, numa dinâmica de trazer à luz e deixar à sombra, criando-se uma zona de indistinção ou indiferença como resultado de um borramento dessa demarcação.
Segue um trecho da obra O que os animais nos ensinam sobre política:
“esse enquadramento zoo-lógico repete o gesto que Giorgio Agamben identifica como o gesto fundador da política humana. O animal fica reduzido ao status da zoé – mera vida biológica sob a regra categórica das leis da natureza – e, consequentemente excluído da pólis (ou, mais precisamente, incluído apenas como excluído). Os espectadores humanos gozam do estatuto da bios – a forma ou maneira de viver própria de um indivíduo ou de um grupo; uma vida qualificada, reconhecida como uma pessoa, e dotada do estatuto jurídico que acompanha esse reconhecimento (personalidade moral)”.
Uma constante do turismo animal é a proposital humanização dos animais, o que também encontramos na reportagem e nas fotos da National Geographic.
Todo o possível é feito para incitar o público humano a se identificar com os animais a fim de arrecadar fundos. A projeção identificatória acontece por meio da antropomorfização (o que, em regra, parece assegurar a falta de consciência da exploração), de modo que aqui os animais passam a divisão categórica de bios, isto é, ao reconhecimento de uma “vida qualificada” que tem valor unicamente em razão das proezas e truques que são “capazes” de executar. Todavia, esse deslocamento subjacente por meio da identificação emocional do turista num autêntico melodrama é incapaz de substituir a dura exclusão constitutiva da política humana.
Brian Massuni em seu livro observa o seguinte: “a figura exclusivamente incluída do animal como definido pela zoé some de vista, ficando atrás do papel de parede zoo-lógico. Os animais agora tem rostos e pensamos ver nos seus olhos a imagem refletida da nossa própria humanidade (…) O horror ao visível sufocamento da vitalidade dos animais é convertido em diversão – a diversão, em grande medida, é reconhecer-se no outro. É claro que a operação nem sempre funciona. As crianças, que são seus principais alvos, são frequentemente as menos capazes de negligenciar o horror e fazer vista grossa para a singularidade do animal (…)”.
E aqui não posso deixar de comentar o quão nociva é a falta ou a má qualidade da educação transmitida por muitas mães, pais e mestres, que não raras as vezes deseducam as crianças sufocando o seu potencial criativo e inventivo sobre o mundo que a cerca, impossibilitando que elas superem o que está dado, num verdadeiro desastre em cadeia para toda a sociedade.
Em muitos casos, o sofrimento desses animais, se não claramente perceptível, pode ser suposto com um pouco de atenção voltada ao animal e as circunstâncias que o rodeiam. Há uma diferença entre não saber e não querer saber. Muitos turistas comportam-se de maneira alienada e entram num êxtase descomunal, adicionando histrionicamente seus esforços em doses identificatórias – conforme explicita Brian Massumi, as tornando incapazes de observar quem está além de seu próprio umbigo dentro dessa estrutura da política humana fadada ao fracasso.
É comum na Tailândia a existência de falsos santuários, locais voltados exatamente para quem está em busca de um passeio “ético” que inclua a interação com animais selvagens. Há um grande problema nisso.
Aproveitei que a reportagem denuncia alguns casos e fiz uma breve pesquisa na internet sobre esse assunto. Encontrei quatro blogs que falam de turismo com dicas de viagens e passeios, onde todos citam supostos santuários de elefantes.
Dois desses sites manifestam uma certa consciência sobre a exploração dos elefantes na Tailândia ao mesmo tempo em que desinformam os seus leitores quando passam a falar sobre a existência de um “turismo ético” com esses animais. São pessoas que visitaram esses lugares e os recomendam cegamente. Em outro blog, a autora alega interesse nesses passeios na Tailândia e expressa uma certa desilusão ao ter descoberto a exploração dos elefantes nesses locais, mas logo depois se mostra animada no seu texto com a possibilidade de interagir com elefantes nos tais “santuários éticos” passando a indicá-los, sem ao menos ter pisado lá. Parece que ninguém quer ter a viagem ou o passeio estragado, parece que a questão ética é um mero detalhe.
Conforme a reportagem da National Geographic e o que também se confirma nesses blogs, esse turismo que promete experiências “éticas” com animais vem crescendo com o aumento dessa demanda por turistas. Mas parece que esses turistas não entenderam muito bem o que é a ética animalista. Eles usam a velha lente antropocêntrica.
De fato, se veem como pessoas conscientes e transbordam em elogios pensando que estão apoiando um turismo ético, ecológico e sustentável, já que eles podem ver os elefantes “livres” e “felizes”. O terceiro blog que encontrei particularmente me chamou atenção porque é escrito por uma jornalista que afirma ter 10 anos de experiência no jornalismo de turismo e comenta, ironicamente, que virou “militante da causa” (só se for da causa dos turistas exploradores). Mais adiante, uma outra pessoa comenta perguntando se ela sabe se o Patara Elephant Farm tem um trabalho ético, ao que ela responde “é difícil dizer” ao mesmo tempo em que afirma saber que lá é permitido montar nos elefantes. Ora, se é permitido subir nas costas de um animal selvagem, evidente que não é ético. As pessoas amam o autoengano. Amam alimentar o próprio ego. Mais uma vez é preciso dizer: essas pessoas não amam os animais.
A visão ética de uma pessoa animalista abolicionista, ou seja, ativista vegana engajada na defesa dos direitos animais para que estes possam desfrutar de suas próprias vidas com paz, liberdade e dignidade, é muito cuidadosa e diametralmente oposta a essa farsa que é vendida por pessoas desinformadas, aproveitadoras ou inconscientes. Seguindo a linha de pensamento de Brian Massumi, ouso dizer que nós, abolicionistas animalistas, felizmente já nos afastamos da sociopatia que estrutura a política humana e estamos mais próximos de uma política animal.
O animalista abolicionista desenvolveu uma visão biocêntrica e antiespecista que considera os animais não-humanos como indivíduos. Não é da natureza de um animal selvagem interagir de forma tão direta com pessoas humanas ainda que tenha vivido em cativeiro desde a mais tenra idade, ou mesmo nascido em cativeiro.
A aglomeração de pessoas e a presença humana de modo geral, salvo hipóteses de tratamento e assistência por questões específicas e pontuais, é uma perturbação para animais selvagens. Logo, muitos desses sites de dicas de viagens ao estilo “o que você precisa saber” às vezes até denunciam a exploração animal mais visível (como os locais que acorrentam elefantes e/ou sediam shows com animais) mas também indicam e recomendam outros locais igualmente cruéis sob o verniz de uma ética inexistente, sem apurar a fundo como funcionam esses falsos santuários, eis que dominados por um pensamento antropocêntrico e especista, pois entendem que receberem turistas para dar banho em elefante, prepararem quitutes de ervas para alimentá-los, dar-lhes frutas e fazerem papel com o esterco deles, enquanto se aglomeram e tiram muitas fotos, é sinal de que está tudo bem com esses animais. Não existe turismo ético quando a diversão é oriunda da escravidão de um ser senciente e consciente, seja animal selvagem ou doméstico.
O quarto e último blog que encontrei é o mais patético de todos. Quase cinquenta fotos de um jovem rico interagindo com elefantes no Patara Elephant Farm que acompanham um texto basbaque onde o rapaz narra com detalhes a sua aventura com os elefantes escravizados ao ar livre. O típico turista sem noção e bobalhão que vive loucamente uma experiência como se não houvesse amanhã, como se ele próprio fosse o ser mais especial do planeta e aquele dia o mais importante de sua vida. Fica claro no texto a ânsia que o jovem tem em arrancar até a última gota de diversão que os elefantes podem lhe oferecer. Vejo as fotos e sinto uma tristeza profunda pelos elefantes, pena de uma vida humana que se compraz com o sofrimento alheio e acredito que, neste caso, na mais pura inconsciência. As fotos definem bem o que é especismo. A palavra de ordem no turismo que envolve o uso de animais é máxima diversão e, literalmente, exploração. Tudo incentivado e ao comando dos funcionários da tal reserva “ética” e ecológica. Numa das fotos o rapaz aparece escalando uma elefanta pela perna dianteira se agarrando em sua orelha e em seu corpo. Em outra, ele aparece montado em cima da cabeça do animal enquanto dá uma volta no parque, aliás não só ele, mas uma moça que segue no elefante de trás repete o feito numa boa. Um grupo de turistas explorando o dia inteiro esses animais, cada um com seu escravo, fazendo da vida deles um verdadeiro inferno.
São inúmeras as formas de servidão impostas aos animais na indústria do turismo, onde muitas vezes uma só espécie animal passa por variadas formas de exploração e em diferentes locais. A revista aborda algumas, mesmo porque a imaginação humana para escravizar os vulneráveis não humanos é infinita.
Todas as fotos da reportagem da revista são horríveis no sentido do que elas representam. Ali, nenhuma foto é bacana porque nada que envolva sofrimento e violência, ainda que implícita, pode ser divertido. O sorriso das pessoas, embora não percebam, é cruel e revela um cinismo que encobre a barbárie estrutural de uma indústria que explora o turismo animal.
A repórter elegeu dois animais que mais a impressionaram em virtude do aparente sofrimento, ambos do mesmo estabelecimento turístico: um elefante de quatro anos visivelmente exaurido que fica alojado no subsolo de um estádio, acorrentado na perna dianteira, tenta escorar todo o peso de seu corpo na outra que está curvada e inchada, com uma pata meio suspensa no ar como se procurasse um ponto de apoio, seus olhos reviram, sua têmpora está ferida e ensanguentada. A sua tarefa é agradar humanos pintando, chutando enormes bolas de futebol ao som de música bombando nos alto-falantes, lançando dardos ou talvez um pouco de cada coisa. Se sobreviver a esse martírio, depois de alguns anos talvez ainda possa fazer truques em circos ou quem sabe servir de passeio para que subam em suas costas.
O outro animal visivelmente doente é um tigre idoso que passa sua vida preso a uma corrente curta pelo pescoço que está presa ao chão em um estúdio fotográfico. O tigre possui um abscesso dentário gravíssimo com uma infecção não contida na parte inferior da mandíbula, como se a mandíbula estivesse solta da parte superior da cabeça. O dono do estabelecimento, ao ser inquirido pela repórter sobre a situação dos animais, diz que o fato de não terem morrido comprova que são bem cuidados. De certo modo a sua fala não é muito diferente da fala dos turistas que são capazes de frequentar esses locais e assim mantê-los em pleno funcionamento para o horror desses animais.
Para mim todos ali sofrem em intensidade e forma indizíveis em linguagem humana. E os animais fotografados que saíram da invisibilidade total devido a reportagem são apenas representantes de outras centenas ou talvez milhares de outros explorados na indústria do turismo e não citados na reportagem, como por exemplo os equinos, asininos e muares nas charretes e carruagens de passeio, ou também explorados nos parques temáticos ou também explorados nas chamadas fazendinhas para montaria de crianças, jovens e adultos. Outro exemplo são os camelos em dunas e desertos para passeio dos turistas e suas tralhas. E tantas outras espécies e indivíduos.
Stephanie Van Houten tem 20 anos é uma influenciadora do Instagram e possui seguidores em quantia suficiente para atrair patrocinadores que bancam roupas e viagens para a jovem mundo afora. Segundo a reportagem, ela já esteve num desses resorts que usam elefantes e dessa vez voltou em virtude de um acordo que fez com uma marca não divulgada pela revista. A tarefa da moça é fazer um piquenique com elefantes e publicar a aventura para sua legião de mais de 25 mil seguidores no Instagram. Em troca, ganhará um generoso desconto na sua diária e, obviamente, promoverá o local e a marca. Nesse mesmo resort chamado Anantara onde a protocelebridade fará um piquenique com elefantes, esses animais ficam presos a cordas com comprimento o bastante para se deslocarem de modo que os hóspedes possam tocar neles e praticar ioga ao lado dos elefantes. Certamente o local também está na lista de “santuário” e turismo “ético” com animais. Feito o piquenique, a garota edita uma centena de fotos, escolhe uma para ser publicada em horário que calcula ter o maior número de seguidores online e que, segundo a repórter, inclui uma longa legenda que se resume a “minha história de amor com essa criatura incrível”, onde a moça acredita sentir uma conexão com o elefante retratado e diz acreditar que a foto possa transmitir isso. Ela posta a foto e imediatamente aparecem mais de mil interações, além de comentários e emojis de coraçãozinho nos olhos.
Turistas frenéticos com seus smartphones, assim como formadores de opinião e influenciadores digitais acabaram por alavancar o ramo do turismo animal que já existia mas, segundo a revista, foi intensificado pois antes a divulgação dessas atividades era feita apenas em guias de viagem. A reportagem afirma, ainda, que o papel das redes sociais nesse problema vem sendo reconhecido, dando como exemplo uma antiga matéria publicada também pela National Geographic em dezembro de 2017 “sobre o danoso turismo de vida selvagem na Amazônia peruana e brasileira”, ocasião em que o Instagram introduziu uma funcionalidade que consiste num pop-up que abre na tela do usuário avisando que o conteúdo exibido pode ser prejudicial aos animais a depender das hashtags buscadas, no entanto, a meu ver parece que isso não ajudou muito no desestímulo desse tipo de turismo, pois o Instagram deveria remover tais conteúdos de sua plataforma caso realmente quisesse colaborar eficazmente e combater a crueldade contra os animais. Não o faz porque também se beneficia dela.
A reportagem também apresenta outras pessoas que se aproveitam das redes sociais para lucrar com o sofrimento animal. Contratada por pessoas que querem posar ao lado de animais selvagens, uma fotógrafa russa diz ter acordado celebridade no ano de 2015 quando canais da mídia internacional a encontraram e seu público saltou para mais de 80 mil seguidores no mundo todo. Diz ela que quer mostrar a “harmonia entre pessoas e animais”. Seria difícil uma competição para avaliar o grau de cinismo entre todos os envolvidos na exploração de animais. Uma jovem em seu aniversário de 18 anos deu-se de presente uma sessão com a fotógrafa e uma matilha de lobos, era o sonho dela por eles serem selvagens, disse a garota. Sonho dos humanos é o pesadelo aos não-humanos. Outra família contratou a fotógrafa para registrá-los, trêmulos e sorridentes – diz a revista, na floresta de bétulas junto a um urso chamado Stepan.
Stepan é explorado por um casal russo que o transformou em “estrela das redes sociais” para um público ávido por uns minutos de fama e atração de seguidores. Em uma foto o urso aparece sentado em meio a sua soberana humana, que introduz algo em sua boca, e a uma moça vestida de anjo. Não obstante à fantasia alada, a imagem toda retrata uma cena demoníaca, a depender dos olhos de quem vê. Outra família levou seu filho de 2 anos para uma foto com o urso na floresta, fazendo com que segurasse a pata do urso. Num outro dia, um grupo de 12 moças que, segundo a reportagem, tem contas quase idênticas no Instagram com fotos de modelos afagando corujas, lobos e raposas pagou, cada uma delas, o equivalente a 760 dólares (totalizando aproximadamente 9.120 dólares ao casal explorador) para fazer fotos iguais com o urso na floresta. Elas ainda não tem muitos seguidores e desejam um público igual ao da “fotógrafa-celebridade”, que vai ampliando o seu catálogo virtual. Fotógrafos de Moscou também pagam quase 800 dólares ao casal explorador para registrar as imagens que serão postadas no Instagram como um conto de fadas em meio à floresta.
Ninguém dessas pessoas se importa com o fato de que Stepan é apenas um urso. Um urso que não goza de vaidade, de ambição e de necessidade de se exibir em fotos e redes sociais. É um urso-pardo idoso que mal pode andar, tendo passado a vida toda nas mãos desse casal que o escravizou desde os 3 meses de vida quando o compraram num zoológico ressignificando o inferno na vida desse animal.
A exploração animal para entretenimento humano também está em todo canto do planeta e a tradição russa nessa exploração não se limita aos ursos. As belugas também são capturadas em águas russas, passando a integrar um novo tipo de turismo: os aquários itinerantes. A proposta é facilitar o acesso desse turismo a quem não pode viajar para destinos exóticos e assim, espetáculos itinerantes levam esses animais até a população de cidades pequenas por toda a Rússia. As belugas não sobrevivem por muito tempo nessas condições.
O homo sapiens inventou um outro nome para o confinamento de animais marinhos: além do terrível aquário, existe o oceanário. É o oceano à domicílio! Muda-se o nome talvez para mascarar a barbárie de uma política humana que tende a repetir os mesmos erros.
Belugas e golfinhos são levados de um lado pro outro na Rússia (e também na Indonésia) dentro de caminhões, de cidade a cidade. Isso mesmo: belugas, golfinhos e baleias de pequeno porte em viagens terrestres para exibição aos pobres que só termina quando os animais marinhos morrem.
No estacionamento de um shopping, os habitantes de uma cidade que fica a 150 quilômetros de Moscou sem saída para o mar podem ver os golfinhos do Mar Negro. Dentro de um estacionamento, ao lado de uma loja de ferragens, foi montado um tanque temporário para exibir golfinhos que tentam nadar: é o Delfinário Itinerante de Moscou. Até o copo plástico tem formato de golfinho para animar a turma (“é proibida a venda de canudinhos de plástico para salvar os oceanos” – só falta essa placa). As famílias pobres também não sentem piedade dos animais e nem dos golfinhos, que em meio a toda euforia, “nadam” apaticamente em círculo num espaço minúsculo: “meus filhos estão pulando de alegria” – diz uma mulher.
É proibido capturar golfinhos no Mar Negro, mas pescadores russos tem cotas para capturar belugas e orcas em nome da ciência e da educação e parece que isso é uma porta para a captura ilegal. A comercialização interna de belugas para serem confinadas em aquários é permitida, porém há suspeita de que as orcas estejam sendo capturadas também para exportação para a China, sendo vendidas por milhões de dólares.
A reportagem lembra do documentário Blackfish que, logo após seu lançamento em 2013 provocou um rebuliço especialmente no público norte-americano ao revelar as condições terríveis que as orcas tem em cativeiro. Passados alguns anos o assunto esfriou e tudo foi voltando à normalidade da política humana. Sea World não fechou e surgiram outros espaços tão mórbidos quanto ao redor do mundo.
Na Inglaterra o último parque de animais marinhos fechou em 1993, segundo informa a revista. Numa das viagens para elaboração dessa matéria sobre turismo animal, a repórter da National Geographic encontrou um inglês em lua de mel com sua esposa no Havaí. O inglês diz ter ficado transtornado com o que viu em Blackfish. No entanto, a repórter o encontrou no Dolphin Quest Oahu, que é uma empresa que promove nado com golfinhos para clientes endinheirados dentro de um resort. Ele e a esposa pagaram para nadar com golfinhos por 30 minutos junto a um pequeno grupo. Esses animais são capturados dos oceanos para isso: interagir com turistas ricos em piscinas.
Segundo a repórter aí existe uma incoerência: “os ocidentais evitam os espetáculos que mostram animais se exibindo, mas veem o nado com golfinhos cativos como um rito de passagem para experimentar nas férias”.
Eu acho que a repórter está enganada e não compreendeu bem a questão de fundo. Ocidentais não evitam exploração animal no turismo, pois a maioria é especista (isto é, desprezam as demais espécies animais por não serem humanas, as colocando numa categoria de objetos, de coisas desprovidas de singularidade e individualidade, privando-as de um reconhecimento moral) e nesse quesito não há diferença alguma entre ocidentais e orientais.
Mais adiante a reportagem informa que na China atualmente há 78 parques de animais marinhos e outros 26 em construção.
Turistas-especistas se divertem às custas da dominação e da crueldade animal, especistas riem e desdenham quando falamos em respeito aos animais, especistas são hipócritas ao demonstrarem algum tipo de comoção com a exploração animal. O repertório de justificativas especistas não muda: é um sonho de infância da esposa, no resort é diferente porque os golfinhos estão sendo vistos por eles quando são alimentados e tratados etc etc. Ante a repórter, o inglês tenta colocar a responsabilidade do passeio, que ele também está fazendo, na esposa, mencionando o documentário Blackfish, ao que ela reclama: “pare de transformar meu sonho numa coisa horrível!”. Egoísmo e hipocrisia: características bastante presentes no especismo.
E claro, as ONG´s bem-estaristas, neste caso a American Humane, certifica e apoia essa e outras empresas desse ramo turístico: padrões humanos elevados, veterinários a postos, tanques de água marinha filtrada. O confinamento de animais marinhos que evoluíram para nadar por enormes distâncias e viverem em oceanos, em grupos sociais complexos e etc… vira um mero detalhe.
Os proprietários e gerentes desses locais afirmam, no topo de sua arrogância, que os “seus” animais vivem mais tempo em cativeiro que seus congêneres, se colocando sordidamente na posição de seus salvadores. (Aliás, vejo semelhanças com pessoas que comem animais, mas dizem amá-los). Bem, voltando ao tema, gabam-se que usam parte do dinheiro em projetos de conservação e ainda afirmam, cinicamente, que educam os turistas sobre os perigos que os animais marinhos enfrentam na natureza, desde possíveis predadores à perigos ambientais. Tem que dispor de algum grau de estupidez pra acreditar em toda essa lorota empresarial, mas nem é preciso muito esforço quando turistas e visitantes centram-se nelas mesmas passando a vibrar o quão divertido e inesquecível pode ser a sua próxima viagem.
Além do confinamento de animais marinhos em aquários ou oceanários, itinerantes ou não, lembra dos botos-cor-de rosa cercados por turistas no Rio Negro, no Amazonas, que mencionei no começo do episódio? Entrei num famoso site que reúne avaliações de turistas em todo o mundo e lá está o passeio “Flutuante dos Botos Cor de Rosa” onde a grande maioria dos avaliadores acha um passeio excelente e indica. De 95 avaliações, 3 acharam ruim. Dessas 3, vou ler o comentário de duas pessoas que se referem aos animais:
- Mariana disse em dez/17: “Não curti a experiência.
Fui já (sic) sem saber o que achava do mergulho com botos. Quando cheguei, vi que grupos grandes entravam na água (até 10 pessoas), e resolvi que não gostaria de entrar. Botos são animais que não estão acostumados a viver juntos, e por isso (disputa de território) acabam que muitos dos que vão aos flutuantes estão cheio (sic) de marcas de briga por outros botos. Antes de ir, creio que vale pesquisar um pouco”.
- Lourenço disse em jun/16: “Não recomendo.
Ver os Botos é legal, não dessa forma. O lugar não é agradável e apesar de alegarem que os botos vivem soltos na natureza (acredito nisso), são criados, ao meu ver, como em cativeiro, pela alimentação constante dada a eles. Um dos guias local (sic) não demonstrou estar seguro e preparado para alimentar os animais e tomou uma mordida, com consequências, nos deixando apreensivos. Ponto positivo por não mais permitirem nadar com os botos”.
O comentário desses dois turistas que, apesar de terem ido ao local e nessa condição colaboraram com a manutenção da exploração dos botos cor-de-rosa no Amazonas, nos dá uma ponta de esperança: é possível mudar de ideia! Rever atitudes! Tudo indica que esses dois não voltarão mais lá.
E você que me ouviu até aqui e realmente quer fazer a diferença por sentir apreço pelos animais, por entender que ele merecem respeito, não precisa ir num local que explora para ver com os próprios olhos, pesquise antes, veja o que dizem os defensores animalistas abolicionistas.
É possível começar a respeitar, de fato, os animais, não colaborando com a exploração deles em todos os setores, ficando longe do turismo animal pode ser um começo e informando a todos sobre os maus-tratos e sofrimento que passam esses animais para que outras pessoas também deixem de visitar.
Caminhando para a segunda década do século XXI, muitas espécies de animais estão à beira da extinção como resultado da nossa negligência e imprudência humana, da nossa falta de consciência ética e sistêmica. Engana-se quem ainda pensa que os humanos não estão nessa lista. A ciência reconheceu a consciência dos animais não-humanos em 07 de julho de 2012 e hoje, mais do que ontem, temos amplo acesso à informação para compreendermos evidências que estão postas à nossa frente, um chamado para revermos comportamentos e ampliarmos a nossa própria consciência enquanto o tempo está correndo em desfavor da própria espécie humana.
Animais selvagens e silvestres não estão neste planeta para serem perturbados e perseguidos para diversão ou entretenimento humano. Se não podemos ir na floresta, na selva, na savana, no deserto ou nos oceanos para apreciar animais totalmente livres a uma distância bastante segura para eles sem interferir no ambiente natural, segurando apenas um binóculo – se desejarmos, não existe turismo animal ético. Aceitar é simples quando sabemos utilizar a nossa consciência, deixando que as outras espécies animais sejam livres para viver a plenitude da liberdade conforme a natureza delas.
A reportagem da National Geographic encerra com o seguinte subtítulo “orientações para ver animais selvagens” onde menciona a importância de observar os critérios internacionais estabelecidos pelas “cinco liberdades” na avaliação dos estabelecimentos que possuem animais cativos. Parece que essas dicas não ajudam muito e a meu ver a revista aqui cometeu um erro, pois ao invés de informar corretamente sobre a crueldade e o sofrimento presentes na vida de animais selvagens em cativeiro (além do desequilíbrio ambiental), deixa a tarefa de decidir – qual destino turístico ou estabelecimento deve ou não ser escolhido – a cargo de turistas desinformados e desinteressados no bem-estar animal. Esses animais sequer deveriam estar em cativeiro o que já é o bastante para não frequentar e não financiar esses locais, além de que a regra é que todo e qualquer turismo animal envolve exploração, maus-tratos (ainda que indireto) e crueldade e, portanto, deve ser desestimulado, desincentivado.
Referências:
Revista National Geographic Brasil – Edição 06.2019
Orangotangos são usados em redes de prostituição na Tailândia – Estado de Minas
Defensores de animais dizem que Grécia acoberta abuso de burros em Santorini – Reuters
Cavalo morre enquanto puxava charrete em São Lourenço, MG – G1, Globo
Empresário suíço oferece passeio de dromedário nas dunas de Natal – G1, Globo
Animais sofrem diversos maus-tratos em pontos turísticos do Egito – Revista Galileu
Livro
- O que os animais nos ensinam sobre política. Por Brian Massumi.
Músicas:
Urso, Assopro
The bear, Ben Salisburry, Geoff Barrow
On reflection (Max Richter), Max Richter
Submarine poetry, krill.minima
The tourist (Colin Greenwood, Ed O’Brien, Jonny Greenwood, Philip Selway, Thom Yorke), Radiohead
(Obs.: a partir do tempo 6’30” o som ouvido ao fundo é de uma das muitas “músicas tocadas” por elefantes na “orquestra” de um “santuário conservacionista” e foi utilizada neste episódio como denúncia, de modo que nos recusamos em compartilhar a referência).