🌎 Mensagem para 2021


É mais que secular as lutas de movimentos pela libertação de inúmeras, e quiçá inenarráveis, formas de sofrimentos e opressões que criamos (eu e você, essa humanidade que partilhamos, e aqui devo dizer que muitos vem despertando para essa realidade que todos impingimos, direcionamos ou reproduzimos uns contra os outros e todos contra os demais animais) e assim, especificamente quanto aos animais não humanos, alguns passaram a não mais aceitar, a não mais coadunar ou colaborar com esse sistema (estes são os veganos, os abolicionistas animalistas ou antiespecistas), animais esses que são os nossos “próximos mais distantes”.

Estou usando aqui o termo da proximidade em duplo sentido, tanto da animalidade quanto – e por que não – da espiritualidade, fazendo jus àquela ideia subjacente à todas as religiões, porém cotidiana e comumente relegada que é “amar ao próximo como a ti mesmo”, certo? Tem ato mais revolucionário e libertário do que amar os nossos diferentes? Se é que somos mesmo tão diferentes assim… e aqui podemos abrir uma outra acepção possível da espiritualidade…

Somos feitos da mesma matéria orgânica, somos do reino animal, feitos de carne, osso e outros componentes biológicos que, como profissional do direito, sequer posso imaginar. O médico e escritor indiano Deepak Chopra ensina que se tocássemos uma partícula do tecido de um fígado humano, veríamos que esse órgão tem a mesma aparência de um fígado de boi, havendo um aparente e considerado grau de dificuldade para discernirmos o que é humano do que é bovino a nível celular. O mesmo podemos dizer na comparação entre o nosso DNA e o de um gorila ou de um chimpanzé.

Mas a realidade não nos seduz. Preferimos nos apegar (e assim nos iludimos) às nossas diferenças externas, pelos, pele, escamas, cabelos, penas que nos separam em categorias diferentes, as quais nós julgamos e estabelecemos como importantes para a aquisição exclusiva de direitos fundamentais, quando na verdade estas diferenças compõem apenas a aparência, o revestimento da vida por meio de hábitos e formatos diversos em corpos organicamente iguais ou semelhantes. Essa percepção fala de nós. Isso é sobre nós, a nossa limitada ou incompleta visão humana acerca da riqueza e multiplicidade da vida.

Até o conhecimento científico se dobrou a esta realidade no tocante aos aspectos da consciência animal. Em 7 de julho de 2012, a consciência animal foi publicamente proclamada na Declaração de Cambridge, no Reino Unido (mas, convenhamos, isso realmente é necessário no sentido de fazer alguma diferença efetiva? Bem sabemos, por observação ou intuição, da capacidade de sentir dos animais e da existência de alguma consciência neles – então, penso que melhor seria se a comunidade científica colaborasse para o fim da exploração animal, a começar por suas próprias práticas). Para mudarmos o mundo, é preciso que façamos a nossa básica lição de casa. De todo modo, eis a transcrição da parte principal da famosa Declaração, que pode ser conferida na íntegra clicando aqui:

A ausência de um neocórtex não parece impedir que um organismo experimente estados afetivos. Evidências convergentes indicam que animais não humanos têm os substratos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos de estados de consciência juntamente como a capacidade de exibir comportamentos intencionais. Consequentemente, o peso das evidências indica que os humanos não são os únicos a possuir os substratos neurológicos que geram a consciência. Animais não humanos, incluindo todos os mamíferos e as aves, e muitas outras criaturas, incluindo polvos, também possuem esses substratos neurológicos. [Declaração de Cambridge sobre a Consciência em Animais Humanos e Não Humanos, escrita por Philip Low e editada por Jaak Panksepp, Diana Reiss, David Edelman, Bruno Van Swinderen, Philip Low e Christof Koch].

Em nome de nossos próprios, exclusivos e egoísticos benefícios, diretos ou indiretos, como se pertencêssemos de fato à categorizações ou mundos naturais completamente adversos, como se não partilhássemos da mesma “irmandade biológica” e dos mesmos processos vitais e ecológicos, como se não dependêssemos de ecossistemas equilibrados para a existência e viabilidade da nossa vida (oxigênio, água potável, abrigo…), como se houvesse total independência humana da existência das outras incontáveis formas de vida, animais, vegetais, minerais e assim por diante, fomos abrindo muitos abismos entre “nós e eles”, humanos e não humanos, e esse movimento precisa pegar o sentido inverso o quanto antes, o que depende ativamente de cada um de nós.

Assim como acabamos nos distanciando de nós mesmos, em última instância ao nos separar da natureza e dos animais, precisamos rumar no sentido da demolição de tantas barreiras inúteis, especialmente daquelas que nos afastaram da nossa percepção como seres que compartilham o mesmo planeta com outros seres vivos, do nosso papel e lugar neste mundo enquanto seres humanos.

Que a consciência seja o nosso norte, a luz a nos guiar neste 2021 e daqui para frente, considerando que estamos vivendo em meio a um processo acelerado de extinção em massa de espécies animais e desordens ecológicas. E, claro, não me dirijo somente aos não veganos, não! Que a necessária consciência esteja ainda mais presente entre aqueles(as) corajosos(as) que já deram os primeiros passos emancipatórios e despertaram para a realidade da opressão dos animais não humanos, no sentido de uma tomada de consciência política, humana e compassiva em seu cotidiano. A autolibertação de certas práticas de consumo pode ser o primeiro passo para o ancoramento de uma consciência ainda mais ampla.

Que caminhemos para uma consciência sistêmica de que também é preciso defender a natureza, que também é preciso apoiar – nas nossas práticas cotidianas possíveis – a efetivação dos direitos humanos fundamentais. Que haja mais consciência de que é preciso acreditar menos em figuras políticas, em marqueteiros da “proteção animal” (acadêmicos ou não), em novas leis que supostamente beneficiam animais, em defensores contumazes de tais leis, em “celebridades”, influencers etc, e acreditar mais na própria capacidade de ação e transformação.

Que 2021 seja um ano com mais consciência entre ativistas, não ativistas, veganos e não veganos. Atualmente existem informação e conhecimentos suficientes que possam beneficiar (portanto, libertar) os animais não humanos, inclusive no campo do Direito. Os animais precisam que a academia finalmente coloque em prática tudo o quanto hoje já se sabe, a partir do que já existe de mais avançado a fim de que sejam traçados caminhos eficazes para que sejam libertos os animais das insidiosas explorações.

Que em 2021 haja mais consciência entre defensores dos animais e ambientalistas em geral de que é preciso o desenvolvimento de um olhar sistêmico, sob pena de nada ou muito pouco alcançarmos em nossos legítimos interesses de uma sociedade melhor para os animais e a natureza. Para quem passou a apostar suas fichas de esperança no novo ramo que agora desponta no direito brasileiro, o chamado “Direito Animal”, muito provavelmente não sabe que o “Direito do Agronegócio” também está aí com tudo e certamente passarão por cima do movimento animalista como um trator, com grande possibilidade de composição com os interesses profissionais e acadêmicos dos operadores do direito adeptos do bem-estarismo. Mais uma vez, é preciso destacar: ninguém tem o poder de mudar nada se não muda a si mesmo.

E como não poderia me esquecer, que 2021 também traga mais consciência para defensoras e defensores dos direitos das mulheres, especialmente acerca das intersecções existentes entre as opressões do feminino (para além dos feminismos humanos) por uma adoecida sociedade patriarcal, assim como mais consciência para defensoras(es) do movimento negro e das classes sociais mais pobres acerca dos mecanismos estruturais similares que persistem nas opressões de todas as formas (racistas, classistas, especistas…).

Enfim, que o ano de 2021 que se aproxima com a inacabada pandemia cujos desafios se prolongam entre nós, traga mais consciência para todos(as) defensores(as) de direitos humanos, individuais e coletivos, defensores(as) da preservação ambiental e, claro, aos demais integrantes da sociedade. Que despertemos, todos nós, para maior consciência e lucidez a fim de derrubarmos preconceitos, barreiras e crenças equivocadas que nos separam dos “outros”, dos demais, afinal de contas, integramos e sustentamos um delicado sistema interdependente neste planeta Terra.