🤔 Quem nos salvará de nós mesmos?

uma das praias nordestinas atingidas com o derramamento de petróleo cru
Foto: divulgação

Prejuízo ao turismo, à atividade pesqueira, férias na praia adiadas. Com um pequeno grau de variação esses são os focos predominantes do interesse das pessoas quando acontece dano ambiental de altas proporções no mar, como o recente derramamento de petróleo cru que chegou à costa do nordeste brasileiro. E sim, uma pequena dose de compaixão quando vemos animais aflitos em meio ao petróleo.

A consciência sobre o dano ambiental marítimo às vezes aparece nas horas em que os culpados pela poluição não somos nós. Que horror esse petróleo todo poluindo as praias! Resíduos industriais e domésticos? Oferendas? Despejo de esgoto sem tratamento? Plástico, muito plástico, objetos descartados nas praias e mares? Mais plástico. A lista não tem fim. Ninguém sabe explicar ao certo porque é preciso proteger as tartarugas marinhas, “é importante para a biodiversidade” dirão especialistas. Achamos horrível elas se afogarem em meio ao petróleo, queremos o culpado por isto, mas nem tanto se sufocadas nas redes de pesca.

Primeiro a Amazônia em cinzas, agora toneladas de petróleo derramado nos mares. O que mais precisa acontecer? O que acontece no mundo é sim um reflexo das nossas atitudes e de nossas escolhas “inocentes”, o que nos faz ponderar que, antes de apontarmos “culpados” exatamente como faz o governo, é preciso olhar para dentro e encarar o que nós estamos fazendo com a natureza e com os demais seres vivos, das mais variadas espécies, que aqui habitavam antes de nós. Só assim começaremos a construir um caminho diferente.

MAS E O GOVERNO?

A origem do derramamento ainda não se sabe. Mas a falta de preocupação verdadeira com o valor em si da vida marinha, sendo vista como fonte para exploração humana, a falta de preocupação com a vida de cada indivíduo e cada espécie integrante dessa biota, talvez possa nos dar uma pista da origem do descaso humano cujo espelho é o governo, da aparente fragilidade de um sistema de fiscalização e monitoramento governamental marinho (se é que existe), da inércia quanto à tomada de ações urgentes para amenizar as consequências de mais uma tragédia, apesar de todas as leis, normas, regulamentos existentes. Mais um crime contra as vidas dos animais! Crime contra a animalidade e contra a natureza! Biocídio, ecocídio, o nome que se queira utilizar para essa catástrofe oculta a diversidade de espécies sencientes atingidas, tampouco alude à cada indivíduo vitimado.

Em resumo, o mar e sua diversidade de habitantes sencientes e não-sencientes são vistos como “recursos naturais” à serviço econômico, comercial, turístico. É preciso mudarmos o padrão de pensamento de que a proteção da fauna e flora só é necessária quando obtemos algum benefício. Qual a diferença de nossos atos e dos atos do governo quando ambos se resumem à exploração, em maior ou menor escala? Peixes, crustáceos e moluscos chamados de “frutos do mar” – como se fossem oriundos de plantas – não são respeitados como seres sensíveis, mas servidos como alimentos para seres humanos que os retira de seu habitat natural, interferindo assim na cadeia alimentar marítima. Os oceanos são uma fonte “inesgotável” de predação, extração de petróleo, pré-sal, além de estarem sendo transformados em espaços repletos de plásticos e resíduos sólidos descartados por nós, seres humanos racionais e supostamente inteligentes.

A contaminação de praias consideradas paradisíacas do nordeste brasileiro também não parece ser um bom motivo para medidas emergenciais de contenção (nem de prevenção desse tipo de ocorrência), mas se houver um grande e incalculável prejuízo às atividades econômicas, isto é, uma grande perda financeira, é provável que autoridades comecem a se mexer. Também não parece ser o caso.

Segundo noticiado, o vazamento “poderia ter sido melhor controlado caso o governo tivesse colocado em prática o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional, previsto no decreto nº 8.127 de dezembro de 2013”. Tudo ignorado pelo governo Bolsonaro e pelo inepto Ricardo Salles.

Mas é tanto desprezo pela vida animal e ambiental que não dá para apontar culpados sem refletirmos antes sobre nossos atos enquanto indivíduos e coletividade.

O “cartão postal” do Brasil na questão ambiental tem sido o da destruição, do descaso, do desrespeito, da matança. O nosso cartão postal!

Há um plano de ação! Depois do estrago feito, é verdade, mas há! Escrito e pronto para ser executado imediatamente após o derramamento de petróleo cru! Enquanto eu escrevia aqui esse texto, me deparei com essa importante informação. Segundo o citado artigo, o ex-ministro Carlos Minc diz ter contado onze pontos do plano de contingência que não foram observados. Passou um mês e nada. Enquanto isso, o governo federal segue com sua perseguição ideológica que extrapola qualquer limite aceitável, aponta culpados para tirar o foco de sua incompetência e estupidez apostando no manjado repertório de notícias falsas para 2022. Ou não tão manjado assim, afinal o seu “exército” conservador é alienado e fiel. Aonde vamos parar? Como protegeremos os mais vulneráveis?

Precisamos de uma mudança profunda em nossa sociedade, (re)educação e política. Precisamos recomeçar de algum lugar e esse lugar pode ter como ponto de partida os nossos atos, nossos hábitos.

Segundo divulgado na imprensa, o IBAMA informou também que “não há, até o momento, evidências de contaminação de peixes e crustáceos, mas que a avaliação da qualidade do pescado capturado nas áreas afetadas para fins de consumo humano é competência do órgão de vigilância sanitária”.

Até o momento parece não haver alerta dos governos sobre a pesca e o consumo de peixes nos estados afetados, muito embora alguns pescadores (do município baiano do Conde, por exemplo) estão sendo instruídos pelas associações a não pescarem ante o receio de contaminação humana em contato com esse petróleo nos peixes e ante o receio de que lhes recaia alguma responsabilidade através do consumo dos compradores.

O governo? Nenhuma palavra. Que a população continue consumindo peixes, ainda que contaminados, afinal de contas a economia não pode parar. O IBAMA já disse que não tem nada com isso. Nenhum abalo à indústria pesqueira, já habituada a varrer o mar, a matar diversos indivíduos sensíveis e inteligentes com suas gigantescas redes de pesca, a destruir a vida marinha para lucrar com o comércio de peixes e demais animais contaminados com mercúrio e outros metais pesados. Que diferença faz nova fonte de contaminação flutuando no meio do mar? Provavelmente é o que devem pensar.

“Sorte” de vegetarianos(as) e veganos(as)!

Sim, “nem peixe!” Aliás, um bom momento para deixar de contribuir com os destruidores e exploradores da vida animal marinha, hein!? Não se sensibilizou com as imagens de animais cobertos pelo líquido viscoso lutando pela vida? Não acha que tem alguma coisa errada nesse desprezo pela vida marinha? Pois então! Ajude os animais, salve-os também! Ajude a natureza a se regenerar!

Mais fácil acusar o governo brasileiro ou acreditar que o derramamento de óleo veio da Venezuela, já que quando falamos em mudança de hábitos alimentares e respeito integral à vida (inclusive aos seres marinhos), as pessoas de todas as classes sociais e de todos os espectros políticos tendem a apontar um culpado para garantir o “seu” peixe limpo e a próxima temporada de férias em lindas praias, com sorte mais limpas.

Um exemplo que traduz a “indignação” popular ante mais esse crime perpetrado contra a natureza marinha (e os animais que nela vivem) foi noticiado pelo jornal baiano: “os moradores do município do Conde não demonstraram muita preocupação com uma possível intoxicação”. 

Na matéria há foto de um peixe na areia da praia em meio a borra de petróleo. A “tristeza” que o humano sente ao ver o peixe afogado em meio ao petróleo parece uma só: “talvez” esse não possa ser comido!

Comer peixes e outros animais que tiveram contato com esse óleo pode ser fatal. Noticia a imprensa que, segundo o diretor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, “quem se alimentar de peixes e mariscos que ingeriram o óleo corre riscos de envenenamento – desde uma reação alérgica até algo mais grave”.

Quem se importa? Se o governo não está nem aí, quem escolhe comer também não. A vida oceânica está cada vez mais dizimada, poluída, destruída. Ah, mas o peixe não pode faltar na mesa do trabalhador! – dirão entusiastas de políticos de todas as matizes. Alienação (ou conveniência partidária) é o cenário de sempre para o fortalecimento de governos como o atual, mas não só, parabéns à esquerda por isto.

Alguns municípios e estados atingidos tem seguido com medidas paliativas de limpeza. É o que temos!

Na mais remota hipótese de algum governo vir a proibir o consumo de animais marinhos, ainda que temporariamente, certamente virá a “revolta” de consumidores e setores econômicos alegando que a atividade pesqueira não pode ser prejudicada! E nem o turismo! O pré-sal é nosso! Vamos destruir tudo, mas “salvem os oceanos” assim como “salvem a Amazônia” mesmo quando a nossa própria ação é totalmente contrária ao nossos protestos e pedidos.

QUEM NOS SALVARÁ DE NÓS MESMOS?

Tartarugas, aves marinhas e costeiras, peixes, golfinhos, morte de inúmeros animais e contaminação de outros tantos, contaminação do mar, contaminação das praias, prejuízo ambiental incalculável. Tudo parece sem muita importância quando nos acostumamos a destruir e a explorar.

Não se sabe a origem desse petróleo espalhado no oceano Atlântico. O governo federal estaria investigando, afinal? O jornal El País Brasil noticia que ao menos 130 praias em nove estados do Nordeste foram contaminadas. A Petrobras afirmou que a análise realizada pela empresa em amostras de petróleo cru encontrado em praias do Nordeste “não é compatível com a dos óleos produzidos e comercializados pela companhia”. Apareceram barris da Shell no litoral do Sergipe e segundo o portal UOL, a empresa emitiu nota esclarecendo que “o conteúdo original dos tambores localizados na Praia da Formosa, no Sergipe, não tem relação com o óleo cru encontrado em diferentes praias da costa brasileira. São tambores de óleo lubrificante para embarcações, produzido fora do país. O Ibama está ciente do caso”.

E pode descartar barril de petróleo nos oceanos? Se não tem relação com esse derramamento de petróleo cru, está tudo bem? Meio surreal, não acha?

Criminoso não é quem joga lixo no oceano, barril de óleo lubrificante, mas só quem derruba ou despeja petróleo cru? Criminoso não é o Estado ou Estados que negligenciam a vida animal e ambiental?

Nenhuma dessas discussões acerca da busca por culpados importa. Em maior ou menor grau, somos todos culpados, tendo elegido Bolsonaro ou não. Sim, todos e todas. Eu e você! Importa a ação. Importa o salvamento, importa o resgate, importa fazer a diferença. Importa praticar o respeito incondicional à vida.

É preciso não embarcar nesse discurso acusatório e ir além do jogo leviano e marqueteiro de apontar culpados porque nesse cenário desolador, os únicos inocentes são os animais e ecossistema marinhos.

Como resposta a mais esse crime ambiental sem precedentes e que, na realidade, não contabiliza as vidas das vítimas sencientes não-humanas, o IBAMA afirma em nota que requisitou apoio da Petrobras para atuar na limpeza de praias e que, pasmem, será feita por moradores locais: “os trabalhadores que estão sendo contratados pela petrolífera são agentes comunitários, pessoas da população local, que recebem treinamento prévio da empresa para ocasiões em que forem necessários os serviços de limpeza. No entanto, o número efetivo de mão-de-obra dependerá da quantidade de pessoas treinadas disponíveis nas áreas”.

Isso mesmo. Deixa o plano de contingência pra lá, as leis etc., não vamos investigar a real origem do derramamento, vamos acusar nossos inimigos (Venezuela e esquerdistas) e vamos pedir ajuda do povo! Essa é a “política estratégica” do governo federal para tratar de um desastre ambiental dessa magnitude. Vamos chamar uns ativistas aí!

Enquanto isso, animais marinhos sobreviventes “aparecem” agonizando na frente dos que ali estão nas praias tentando amenizar a tragédia. “De 12 animais que apareceram cobertos com a substância, oito deles não resistiram e morreram. De 11 tartarugas marinhas resgatadas oleadas, quatro sobreviveram e passam por tratamento. Uma ave foi tratada mas não resistiu. A fauna afetada pode ser ainda maior, pois correntes marinhas tendem a não trazer os animais infectados para a costa”, informou a imprensa.

Mais uma vez o Poder Judiciário foi requisitado ante a inércia do Executivo, muito embora a “mente colonizada” de seus integrantes (assim como a das pessoas no geral) ainda não permite muitos avanços naquilo que realmente deveria importar: a proteção e preservação de todas as formas de vida como prioridade, a proteção indiscriminada da vida animal e dos ecossistemas marinhos, não às atividades extrativistas e predatórias.

Sendo assim, a Justiça Federal de Sergipe concedeu liminar determinando o prazo de 48 horas para o governo federal implantar barreiras de contenção do óleo a fim de proteger o litoral sergipano. “É fundamental proteger a cabeceira dos rios para que não haja uma maior contaminação das águas, principalmente dos rios utilizados para o consumo da população”, diz o juiz na decisão, segundo divulgado na imprensa.

É bastante comum danos ambientais ultrapassarem fronteiras territoriais. Magistrados(as) estão longe de serem santos milagreiros e atuam nos limites da sua jurisdição. Um desastre dessas proporções necessita de medidas urgentes e eficazes à nível federal (governos federal, estaduais e municipais na soma de esforços) no mínimo.

Ações estratégicas que tragam resultados para identificar e minimizar o sofrimento dos animais marinhos atingidos, para salvamento e proteção de vidas, para preservação do ecossistema local, além da saúde da população local que, sabemos, também não está no radar das preocupações governamentais.

Evidente que é da competência da União Federal a tarefa primordial de empreender todos os esforços que permitam identificar a origem do derramamento ou vazamento, o mapeamento de sua extensão, a contenção eficaz desse óleo, a identificação e reabilitação dos animais marinhos atingidos, medidas para proteção de toda a biota, a retirada dessa substância do oceano! Isso tudo já deve estar escrito com detalhes mas a incompetência e falta de vontade é tamanha que chega a deprimir quem assiste tudo sem ter o que fazer para ajudar.

Ainda que não houvesse um plano federal de contingência nem é preciso ser inteligente para se chegar a tais conclusões acerca de possíveis ações governamentais. Por tudo o que li, não querem amenizar e tampouco solucionar mais essa catástrofe ambiental com a responsabilização dos diretamente envolvidos. Isso deveria ser estranho, mas para o governo e para muitos, a vida marinha e seus habitantes só importam na exata medida do que podem nos propiciar de utilidade.

Certamente já morreram dezenas, centenas ou milhares de animais marinhos, desde os menores aos maiores seres por conta de mais esse derramamento. Como ninguém se ocupa em contar essas mortes, a mídia divulga apenas alguns poucos animais que “aparecem” no litoral casualmente arrastados pelas correntes marítimas.

Segundo informações, foi encontrado um golfinho morto com manchas de óleo em uma praia de Alagoas, o primeiro mamífero atingido que se tem notícia, e como novas manchas de óleo continuam aparecendo (porque nada de eficaz, ou muito pouco, está sendo feito), há suspeita de que o vazamento permanece ativo em algum local no mar!

Vamos continuar contando os mortos, um a um, trazidos pela corrente marítima?

Ante a sensação de impotência perante mais esse desastre ambiental que carrega consigo o assassinato de inúmeros animais não-humanos, fica registrada aqui a minha descomunal indignação na esperança de sensibilizar mais mentes e corações para o respeito à vida. A toda forma de vida, em especial à vida senciente. Nós integramos a natureza, portanto também somos a natureza. Existe a possibilidade de mudar, de agirmos com uma consciência ecológica mais profunda. Governo algum fará isso. A possibilidade latente que temos de enxergar novas maneiras de vivermos em ligação respeitosa com os demais seres vivos e com o nosso planeta em comum.

Apesar de algum desânimo, temos a potência da vida em nós! A animalidade! Podemos ser a nossa melhor versão naquilo que nos cabe. Vamos colocar a compaixão em ação!

Compartilho aqui a minha reverência à inteligência animal que é capaz de nos transformar em seres humanos melhores para que um dia tenhamos o resgate dessa sabedoria inata, da natureza dita selvagem, dos animais indomáveis que sabem viver integrados à natureza sem destruí-la, sem causar qualquer dano que possa colocar em risco a existência dos integrantes de sua própria espécie, de outras espécies animais e dos ecossistemas.