🗞️ A morte dos saigas e do guarda Yerlan Nurgaliev

Yerlan Nurgaliev com um filhote de saiga. Foto de Ospan Ali

A vida dos saigas, animais gregários, não têm sido fácil de uns tempos para cá. Eles foram capazes de atravessar o pleistoceno (entre 2.588 milhões e 11.7 mil anos), mas se aproximam cada vez mais da extinção conforme se agravam as consequências de uma era para a qual nenhum ser vivo está realmente adaptado: o antropoceno.

Esses antílopes bem pouco conhecidos dos brasileiros habitam regiões bem específicas do planeta conforme indica a Wikipédia: a Calmúquia, em três regiões do Cazaquistão, em duas áreas isoladas da Mongólia e outra pequena população vive em uma região da Rússia. Sua presença já foi abundante, mas quase se aproximou do fim pela primeira vez nos anos de 1920. Apenas com a presença da então União Soviética, mas a partir de 1950, essa espécie encontrou alguma proteção e conseguiu ter uma população de 2 milhões de animais. Só que com a derrocada do regime comunista, eles perderam a proteção que tinham e voltaram a ser alvo, principalmente, de caçadores. Hoje são apenas 200 mil saigas ainda vivos.

Os chifres dos saigas, formado por 12 anéis da bate ao topo, são utilizados na medicina tradicional chinesa e, por conta disso, despertam grande interesse comercial. Acontece o mesmo com outros animais, mas com o saiga foi diferente: ambientalistas, ante as terríveis notícias da diminuição da população dos rinocerontes caçados pelo mesmo motivo, o chifre, chegaram a incentivar caçadores a irem atrás dos saigas no intuito de poupar os rinocerontes. Obviamente uma estratégia infeliz, equivocada e totalmente especista.

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Mas não é só isso: em 2015 os saigas sofreram outro ataque, mas daquela vez a responsável pela alta mortalidade deles foi a bactéria Pasteurella multocida tipo B. Ela não era fatal para os saigas, eles vivem com ela no corpo, na verdade, mas desde 1998 a bactéria tem matado a todos os contaminados… Aparentemente a presença dela só se tornou um problema por consequência da emergência climática: com o aumento da temperatura do planeta, consequentemente elas entram em ação de maneira mortal se proliferando e invadindo a corrente sanguínea do hospedeiro.

Dito isto, chegamos a um homem: Yerlan Nurgaliev. Dois cazaques, na verdade, se considerarmos seu colega, Pyotr Nitsyk. Ambos são guardas da agência de proteção da vida selvagem, a Okhotzooprom, e trabalhavam na proteção dos saigas em uma reserva destinada a continuidade da existência dessa espécie – a maior população de saigas está justamente no Cazaquistão. Em janeiro de 2019, os dois tiveram a infelicidade de se depararem com caçadores violentos e Yerlan levou a pior: foi severamente agredido numa intervenção que tentava prender os criminosos (algo difícil de acontecer, porque apesar de ser crime caçar saigas, os caçadores geralmente se safam de condenações). Depois de dois dias de internação ele morreu no hospital. No mês passado ficamos sabendo das consequências: os três caçadores envolvidos na morte de Yerlan foram condenados à prisão perpétua.

Teria sido muito melhor se o Cazaquistão tivesse punido e impedido adequadamente os caçadores, coisa que não fazia, ao invés de atender o clamor meramente punitivista devido a um assassinato. Prisão perpétua e pena de morte não são soluções, são apenas uma forma de fugir dos problemas que originam crimes bárbaros. Há relatos de guardas indicando que, ao arriscarem suas vidas atrás de caçadores, àqueles os viam serem soltos sem nenhuma condenação. O trabalho dos guardas também não era valorizado pela população cazaque. Aparentemente a comoção social se deu só com a morte do guarda e não com a caça dos saigas propriamente que já vinha acontecendo e suas consequências para os animais e também para os guardas… É tudo muito estranho e errado nessa nova era chamada antropoceno.

Agora, em Almaty, a maior vila do país, ostenta um grande mural de homenagem póstuma (veja no vídeo acima). Nele estão Yerlan Nurgaliev e um filhote de saiga em seus braços. Nenhum dos dois recebeu a proteção que merecia…