🌲 Combate ao desmatamento é bom argumento em defesa dos animais “de produção”?


Um dos pilares muito utilizados por defensores dos direitos animais para a disseminação e importância prática do veganismo diz respeito a preservação ambiental, já que a agropecuária é a grande responsável pela degradação do meio ambiente. Como ativistas, sabemos que expressiva (senão a maior) parte do desmatamento de florestas e devastação de ecossistemas naturais acontece devido a conversão destas áreas em extensas zonas de pastagem, florestas que também são derrubadas para servirem de imensas áreas para plantações de monoculturas de grãos que servirão para alimentação de bovinos (e não para alimentação de humanos como alguns creem equivocadamente).

A pecuária, e somente ela, é apontada por instituições ambientais como a principal máquina que move o desmatamento da Amazônia, sendo uma das maiores causadoras das mudanças climáticas globais (aquecimento do planeta) devido à elevada emissão de gases de efeito estufa que esta atividade econômica desempenha, dentre outras consequências nefastas de alto impacto nos direitos humanos, mas nenhuma delas defende o fim dessa atividade perniciosa porque certamente ainda entendem ser importante para a economia, o que acaba sendo um paradoxo.

Pesquisas recentes apontam que a indústria pecuária polui mais do que as petrolíferas, onde a maior empresa de carnes do mundo, a brasileira JBS, lidera a lista dos maiores produtores de CO2, conforme relatório do Instituto de Agricultura e Política Comercial (IATP) em conjunto com a organização internacional Grain.

Estudo publicado em 2017 pelo Imazon mostra que a pecuária está por trás de 65% do desflorestamento da Amazônia.

O conjunto desses fatores nos leva a crer, num primeiro momento, que a relevância da questão ambiental (especialmente a do não desmatamento de reservas naturais) é bastante plausível como argumento para que pessoas, mais sensíveis à temática ambientalista do que à exploração e sofrimento animal, possam compreender um dos motivos pelos quais devem abdicar do consumo de animais.

Contudo, entendo que a defesa animalista não deve concentrar seus melhores esforços no argumento ambientalista de combate ao desmatamento quando o objetivo é defender animais “de produção” e defendê-los sob a ótica abolicionista. Explico.

No início desta década (2010) teve início no país a formulação de uma agenda nacional encampada pelo Greenpeace e organizações ambientalistas da sociedade civil pleiteando uma série de ações junto ao governo federal para o fim do desmatamento no Brasil, inclusive com proposta de lei de iniciativa popular perante o Congresso Nacional. Uma das pautas dessa agenda é o incentivo (!) à produção agropecuária sem desmate. Segundo tais organizações, uma das “soluções” propostas para desacelerar os efeitos das alterações climáticas, ao mesmo tempo em que dizem preservar florestas, seria o de aumentar em 50% a produtividade da pecuária bovina na Amazônia em áreas já desmatadas.

Bem sabemos que ambientalistas seguem na vanguarda do atraso quando se trata da proteção animal (que deságua na defesa ambiental, pois onde fica a urgência de redução da estratosférica emissão de gases de efeito estufa nessa história?).

Considerar o suposto “desmatamento zero” sem que se caminhe para o fim (ou diminua consideravelmente, para sermos mais factíveis) da “produção” de animais (na verdade a proposta é o aumento desta e, por conseguinte, aumento da emissão de gases de efeito estufa na atmosfera e muitos outros prejuízos ambientais não contabilizados), ativistas animalistas devem ficar atentos para o que possivelmente esteja por vir.

Defender os direitos animais (neste caso, direitos fundamentais de bovinos não serem executados para serem transformados em comida humana e outros produtos, tais como couro, acessórios, tintas, gelatinas etc) com justificativa no combate ao desmatamento, não compete aos defensores animalistas abolicionistas se o foco da defesa for os animais “de produção”. Ao que tudo indica, isso é tarefa para os adeptos do bem-estarismo, os quais ainda enxergam os animais como meios de satisfação humana.

Em paralelo à tal “pressão nacional do desmatamento zero” por entidades ambientalistas, métodos mais eficientes para a manutenção da exploração animal já vem sendo pesquisados e desenvolvidos, aqui mesmo no Brasil, a chamada “agrofloresta” que certamente será um prato cheio para bem-estaristas e ambientalistas que não largam o “seu” bife, “seu churrasco” e tampouco a escravização de seres vivos vulneráveis e sencientes.

O sistema agroflorestal que interessa aos pecuaristas, também chamado de silvipastoril, nada mais é do que um sistema de integração entre lavoura, pecuária e floresta, já sendo desenvolvido por pequenos produtores rurais e, conforme sustentam seus defensores, é simples o bastante para ser produzido em larga escala, com um maior retorno financeiro e aumento da produtividade, ou seja, um sistema mais que perfeito aos olhos da indústria e de seus acomodados consumidores-financiadores.

Este sistema, ao que parece, tende a ganhar força nos próximos anos, pois o que estará em voga serão os efeitos catastróficos das mudanças climáticas causados pela indústria pecuária – o que já vem sendo evidenciado de modo inequívoco. No entanto, é mais uma promessa ecológica falaciosa, pois ignora a insustentabilidade intrínseca dessa perniciosa atividade econômica.

O “desmatamento zero” combinado com o aumento da produção de animais para serem assassinados em prol da ganância humana, se sair do papel, certamente não poderá conter a alta emissão de gases de efeito estufa. O sistema “agroflorestal” também não, mas no formato como essas “novas ideias” já vem sendo vendidas e, claro, havendo apoio irrestrito das mídias de massa, tudo isso pode “dar uma forcinha”, inclusive aos bolsos dos “sofridos e pobres” pecuaristas, além de tranquilizar os incautos (ou nem tanto) ambientalistas.

Assim, é bastante provável que o atual modelo de agropecuária caminhará para uma nova reestruturação conforme já sinalizado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), de modo que ambientalistas e ativistas bem-estaristas terão um papel fundamental de incentivo e parceria com as grandes corporações capitalistas para que façam esta transição, ao passo que promoverão a “boa imagem” das respectivas empresas no mercado consumidor.

Aos animalistas abolicionistas, resta a incessante conscientização pública e luta política antiespecista ao lado das invisíveis vítimas de sempre, o lado dos animais não-humanos objetificados para consumo, já que o “revolucionário” sistema de gado na tal floresta em pé manterá a escravidão dos não-humanos com o agravante de uma invisibilidade perversa adicional: a exploração sob o manto da suposta defesa ambiental e ainda pseudoproteção animal (bem-estarismo), com todos aqueles selos e certificações que bem conhecemos. Pecuarista-friendly. O capitalismo agradece.

Conforme aponta Marcos Buckeridge, professor da USP e integrante do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), esse sistema deve trazer vantagens competitivas ao Brasil, já que os produtos passariam a ter um valor agregado: “leite carbono zero!” E tratando muito bem a vaquinha! Com sombra e água fresca! Segundo esse entusiasta da economia, a produção de leite, por exemplo, pode significar um aumento de até 35% apenas pelo fato de a vaca ter um conforto térmico maior. Mas que beleza, não é mesmo?

Que os/as ativistas animalistas estejam atentos/as para não se enrolarem em suas respectivas argumentações em defesa desses animais explorados, uma vez que ambientalistas deveriam ser um dos primeiros a levantar a bandeira do respeito à toda vida animal e lamentavelmente não o fazem. Vacas e sua cria, bois, animais de todas as espécies não merecem menos do que a liberdade desse brutal sistema de morte. Todos os animais merecem usufruírem de seus direitos à vida, à dignidade e integridade, bem longe das armadilhas predatórias do capital.