O REFORMISMO LEGITIMA O APRISIONAMENTO ANIMAL
Reformismo:
“Doutrina política segundo a qual a transformação da sociedade, com vistas a aperfeiçoar todos os seus aspectos, pode efetuar-se no quadro das instituições existentes, por meio de reformas gradativas, sem necessidade de mudanças bruscas, ou de métodos revolucionários”.
Dicionário Houaiss
Por vezes nos deparamos com pessoas que se apresentam como abolicionistas animalistas ou veganas, ao mesmo tempo em que defendem políticas reformistas que visam o (inexistente) bem-estar de animais aprisionados para exploração, como se fosse possível separar a ideologia ou crença de um único indivíduo em duas totalmente antagônicas, a pretexto de que “a sociedade não está preparada” para mudanças radicais ou de que “não podemos mudar o mundo”.
Ora, se defendem o bem-estar das indústrias e do mercado porque a sociedade atual é especista, não são abolicionistas. Se defendem a regulamentação de formas de sofrimento ou objetificação animal, não são praticantes do veganismo. É fácil nos autodeclararmos éticos, conscientes e compassivos. Pois comove, impressiona e, na atual sociedade, traz até uma vantagem moral maior a depender de quem o faz, sobretudo se goza de alguma notoriedade em seu meio. Difícil é praticar a ética e sustentar a possibilidade e a necessidade de práticas abolicionistas para os animais aqui e agora, isto é, no momento histórico presente.
É como se, em tempos idos, tais pessoas se apresentassem como pioneiras defensoras dos Direitos da Mulher, mas na condição de propriedade da figura masculina, do pai, do marido. Ou até mesmo defensoras das liberdades femininas, desde que dentro do ideário ocidental das mulheres no liberalismo, as quais reivindicavam a igualdade de direitos em relações aos homens sem propor uma mudança abrupta nos padrões sociais, ou seja, sem finalidade libertária ou emancipatória. Assim se apresenta o ideal bem-estarista ou reformista na suposta defesa dos Direitos Animais.
A ativista e filósofa americana Angela Davis, conhecida defensora das liberdades humanas devido sua trajetória na militância contra a discriminação racial e pelos Direitos das Mulheres, também vegana e defensora do abolicionismo penal, declarou na sua recente vinda ao Brasil:
Nós não reivindicamos uma reforma carcerária, nós queremos que o sistema carcerário seja extinto, abolido. A abolição ao sistema carcerário, não à forma do sistema carcerário.
Da mesma forma, também no abolicionismo animal, repetimos à exaustão a famosa frase do filósofo e ativista americano Tom Regan:
Não queremos jaulas maiores, queremos jaulas vazias.
Ante um flagrante sistema de injustiça que promove o aprisionamento, não há sentido em trabalhar pela continuidade do sofrimento do encarcerado por meio de melhorias no estabelecimento prisional ao invés de buscarmos restabelecer a justiça para a vítima na sua retirada do cárcere.
Em todo e qualquer movimento libertário, a primeira libertação a ser concretizada certamente é a da nossa própria mente. Já a liberdade física é um bem precioso demais para se abrir mão quando falamos de vítimas de um sistema brutal, de injustiça e de seres inocentes.
QUEM É A “SOCIEDADE?”
Quando é que a tal sociedade esteve “pronta” para alguma revolução?
Na questão feminista podemos tomar como exemplo histórico o pioneirismo das russas e soviéticas no que se refere à luta das mulheres por suas conquistas e pela sua libertação, sendo de fundamental importância a organização dessas mulheres em diversos processos revolucionários ao longo da história.
“Está na hora, finalmente, de compreender que o movimento feminista não tem como objetivo a luta contra o sexo masculino, mas sim está direcionado à organização das mulheres, à mobilização daquela metade da população que está inerte para o combate dos preconceitos, independentemente de quem seja o agente deles: homem ou mulher. (…) É por isso que as mulheres batalham tanto em favor dos interesses próprios, assim como em favor dos interesses de seus filhos e irmãos – cuja vida e felicidade consideram sua obrigação defender, como o fazem também os melhores dos homens.” (Anna Andréievna Kalmánovitch, Algumas palavras sobre o feminismo – 1907, em A Revolução das Mulheres).
A citação aqui transcrita pode ser considerada uma boa analogia na luta pela libertação animal, pois o objetivo do ativismo em defesa dos Direitos Animais não deve ser o do exercício da vingança, do mero punitivismo e, tampouco, colide com os Direitos Humanos mas, sim, como ações voltadas a um combate radical (que vai na raiz) da violência humana dirigida contra os animais não-humanos – ainda solidificada na tirania do antropocentrismo.
Refletindo, ainda, sobre as palavras de Anna Andréievna, o movimento abolicionista animalista ou vegano traz a ética para o centro das relações humanas, com vistas a mobilizar grande parcela da população que está inerte acerca da injustiça histórica e social para com os animais não-humanos por meio da conscientização, da (re)educação, da abolição de práticas exploratórias de consumo, entretenimento, tração, experimentação, vestuário, esporte, comércio, do fim da objetificação animal em todos os setores sociais, da inclusão e do reconhecimento dos animais não-humanos como titulares de direitos fundamentais, tais como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à integridade, ao exercício da maternidade, à função ecológica, à perpetuação da espécie, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, dentre outros possíveis.
Os direitos dos animais não-humanos são deveres humanos.
A sociedade não é uma entidade inalcançável, nós compomos a sociedade, nós somos a sociedade. Cada pessoa que se coloca na vanguarda de sua época é corresponsável para fazer acontecer imediatamente a mudança necessária, através da mobilização de possibilidades de libertação existentes e, assim, abrir caminhos que servirão a quem também se dispuser a caminhar nessas direções. É preciso prática e engajamento constantes na construção de narrativas abolicionistas consistentes e que ultrapassem a aspiração e apenas o discurso.
Para a conquista ou reconhecimento de direitos não há “sociedade pronta” ou “ideal” e não há dúvida de que estamos em uma era de transição. Que saibamos, então, aproveitá-la para a revolução libertária!
A mudança social também é o reflexo do convencimento individual que promove transformação interna em cada indivíduo (sentir, pensar) e este, por sua vez, passa a se reorientar de modo diverso no seu cotidiano e nos ambientes em que se coloca (agir conforme suas convicções), tornando-se, assim, um revolucionário e potencial influenciador para que outros indivíduos sigam o processo dessa evolução na construção de um coletivo libertário e engajado. Essa é uma forma “invisível” do movimento por libertação animal em andamento e que precisa se organizar para viabilizar a abolição animal nos mais diversos espaços – agora mesmo.
ATIVISMO EM DEFESA DOS ANIMAIS NÃO-HUMANOS? ONDE?
Ao contrário do que muitos pensam, a proteção animal é um movimento de longa data no Brasil, no entanto, nos últimos anos vem perdendo a sua força política. Entidades pulverizadas pelo país com pouca ou nenhuma expressividade, falta de profissionalismo ou corpo técnico especializado, adoção de estratégias não libertárias ou ainda propagadoras da cultura especista e até mesmo as famosas fake news assombram a causa dos animais.
Quem é abolicionista constrói narrativas para a libertação e batalha para a concretização de discursos libertários que obviamente incluam os animais. Exemplo: necessidade de políticas públicas (com mobilização da sociedade civil, governos, instituições e empresas) para implementação de dieta vegetariana estrita nas escolas e hospitais todos os dias da semana, em benefício da saúde, do meio ambiente, de uma cultura de paz e educação humanitária nas escolas (que inclui o respeito a todos os seres vivos), no ensino de relações éticas, biocêntricas e socialmente justas, dentre outras tantas possibilidades.
Há a necessidade de constantes engajamentos que, efetivamente, libertem vítimas e não reformas de sistemas opressores. Enquanto a disputa pela abolição não acontece em um nível organizado e significativo, parte do ativismo em defesa dos Direitos Animais vem sendo aliciado por interesses outros que não a emancipação dos animais.
“O oportunismo é uma planta que cresce no pântano, multiplicando-se de modo luxuriante nas águas estagnadas do movimento. Se a água correr forte e rápida, a planta morrerá sozinha”. [Fala de Rosa Luxemburgo, em Rosa Vermelha, de Kate Evan]
Além de um ativismo desarticulado, falta de compreensão e divergências ideológicas acerca de temas que se relacionam com a defesa animal também acabam por influenciar o movimento abolicionista, e consequentemente, o desdobramento do ativismo entre os mais diversos grupos militantes.
Enquanto alguns políticos oportunistas usam a bandeira legítima da causa animal para adentrarem, ou se perpetuarem, nos espaços de poder encontrando apoio em uma base militante “animalista” politicamente fraca em prejuízo dos interesses animais, outros ativistas aplaudem o discurso do mercado (discurso liberal) ao apostarem que o fim da exploração dos animais não-humanos virá com a adesão das grandes empresas escravagistas na fabricação de produtos sem vínculo com a exploração animal, isto é, de produtos que não contenham insumos de origem animal e que não sejam testados em animais. Alguns ignoram o fato de que quando há muito poder envolvido e investimentos de bilionários para que tudo permaneça como está, falar em ética é sempre mais complicado, afinal a roda da fortuna do capital precisa se manter girando para lucrar de todos os lados possíveis e inimagináveis.
Onde está o ativismo pela libertação animal?
Em termos práticos, alienados, iludidos e oportunistas de todos os cantos usam ou contribuem com o uso dos mais vulneráveis, trabalhando em sintonia com os grandes capitalistas para legitimar ainda mais a exploração dos animais e, no máximo, se engajam em assuntos ou campanhas que visam pequenas (ou aparentes) reformas dentro das engrenagens exploratórias do sistema. Está claro que estas ações não servem ao abolicionismo animalista.
Grupos e ativistas “pelos animais” que possuem ideologia liberal e defendem o chamado “veganismo estratégico” ou “pragmático” estariam praticando a defesa, propriamente dita, dos (direitos) animais? A estratégia e o pragmatismo que desenvolvem atendem satisfatoriamente às demandas dos mercados da exploração animal, afinal a consciência do público consumidor vem se “ampliando” no tocante à situação dos animais explorados (especialmente os “de produção” intensiva) e, claro, os capitalistas não perderiam a chance de explorar mais esse filão. Ah, mas eles são muito bondosos e éticos com os animais (é bom esclarecer que aqui estou sendo irônica) e prestativos com seu público consumidor (que, por sinal, também se acha super ético ao consumir um “ovo orgânico” – e não é mera coincidência).
Tirar galinhas (que já sofrem extrema crueldade desde o nascimento) da gaiola para que permaneçam confinadas em galpões botando ovos até à exaustão e morte para continuar atendendo “melhor” o acomodado mercado consumidor (que ignora os riscos à própria saúde) é um exemplo do tal “veganismo estratégico”. É estratégico para o mercado que não abole a exploração, logo não há veganismo algum nisso.
Aliás, uma massa popular forte e crítica, ainda que de formação vagarosa, fatalmente se voltaria contra os mais diversos mercados da exploração, o que não seria nada estratégico para os mercadores da morte, mas absolutamente desejável pelos veganos e abolicionistas que boicotam (na medida do possível e praticável) e incentivam o boicote de empresas exploradoras de vidas animais (e não só) por um único motivo: a defesa das vítimas, indefesas e subjugadas.
O “veganismo de mercado” ou “veganismo estratégico” está presente nas instituições que defendem o bem-estarismo industrial (já que bem-estar animal não é possível por questões intrínsecas ao confinamento) e estas, por sua vez, promovem campanhas nitidamente contrárias ao fim da exploração animal (a exemplo das galinhas fora de gaiolas) ao mesmo tempo em que afirmam, em vão, estarem lutando pela abolição de modo “mais rápido e eficiente”. Com argumentos capciosos e bastante embromação retórica também são eficientes em ludibriar e confundir o público que se importa, de fato, com os animais.
Uma dessas organizações “em defesa animal” (que na realidade defende medidas para o bem-estar dos empresários da morte) foi desvendada pelo ativista estadunidense Gary Francione. O ativista, professor de direito e autor de obras publicadas sobre abolicionismo animal mostrou que a Mercy For Animals, em 2016, abandonou o discurso abolicionista que até então fazia (em 2014 promovia campanhas públicas sobre a crueldade da criação de galinhas também fora de gaiolas – sistema “cage-free”) depois que recebeu um milhão de dólares de um fundo de investimento bilionário para “executar campanhas corporativas de ovos sem gaiolas”.
Como é de se imaginar, outras organizações similares (bem-estaristas) também receberam e recebem investimentos milionários para executarem campanhas eficientes em prol da indústria pecuária. Percebe de quem é o bem-estar? Não se afasta a crueldade imposta aos animais, mas cria-se um fortíssimo marketing do faz de conta de que acabarão com o sofrimento dos animais confinados (a única forma de parar o sofrimento e a crueldade com esses animais é a falência dessa indústria) e, se não bastasse, ainda vendem uma imagem de que são éticos porque “respeitam” os animais e seus queridos consumidores. Tudo isso é extremamente cômodo e conveniente para muitos, menos para os animais não-humanos aprisionados e brutalizados.
De outro lado, a existência de um discurso um tanto semelhante no tocante ao estabelecimento das prioridades de alguns “ativistas veganos” que fazem hierarquização dos interesses animais: seres humanos (ou grupos sociais) em posição de destaque no chamado “veganismo interseccional” – não à toa já apelidado de humans first (indicativa da libertação prioritária de seres humanos) – em contraponto ao “veganismo estratégico” que tem exaltado o “mercado vegano” em expansão.
E os animais não-humanos?
No “veganismo interseccional” (diferentemente do “estratégico”) logicamente não existe a força do capital porque são lutas pela garantia de direitos dentro do espectro político da esquerda (e na perspectiva anticapitalista), mas e se existisse um modo de conquistar mais direitos (ou até mesmo mais “privilégios / poderes” humanos) à base da continuidade da exploração animal? Aqui não há absolutamente nenhuma diferença com o “veganismo estratégico”. O ativismo animalista abolicionista (ou o ativismo vegano) trata essencialmente sobre o holocausto que praticamos (enquanto humanidade) contra os animais não-humanos e não sobre nós, humanos. Veganismo não é sobre os nossos conflitos humanistas, embora possa haver uma correspondência, no campo da ética, com os conflitos humanos.
Em ambos espectros político-ideológicos, há um desejo comum presente em determinados ativismos em acrescentar nomes, novas ideias ou novos conceitos ao “veganismo” – termo ainda pouco difundido socialmente e também pouco compreendido, aliás, sequer praticado por alguns ativistas da “causa animal” -, e assim, todos acabam contribuindo com o reforço de uma cultura antropocêntrica e especista.
A liberdade humana não é ilimitada. A palavra “veganismo” já traz consigo um conceito totalmente inclusivo, sem necessidade de compor com outra palavra que melhor o defina, a meu ver. Além da perspectiva ética subjacente ao conceito do veganismo (a luta contra a opressão de seres sencientes), todos nós, seres humanos, somos animais, portanto, o veganismo já contempla a igual consideração dos interesses / direitos humanos! Afinal, qual a relevância prática de segregar ativistas ao estabelecer mais uma nomenclatura (“veganismo interseccional” – e todos os embates infrutíferos para a defesa dos animais não-humanos) quando precisamos, efetivamente, de cada pessoa consciente do especismo (e de outras práticas opressoras) que muda comportamentos e assim promove transformações no campo social?
Os diversos movimentos sociais – especialmente os progressistas – “mais do que ninguém” (por uma questão de coerência lógica e força moral às batalhas que travam), são os que devem incluir imediatamente os animais não-humanos nas suas considerações morais, pois os abolicionistas animalistas (veganos) já o fazem. Os direitos humanos fundamentais são, em última (ou primeira) análise, direitos animais, ante a natureza do ser senciente que somos.
Essas sutilezas não são observadas quando há tentativa de imposição, um tanto autoritária, por alguns ativistas de esquerda para adesão às novas práticas e rótulos dentro do ativismo vegano. Aliás, o que diabos significa para tais ativistas a tal “interseccionalidade” na defesa prática dos não-humanos é um enigma. Para os veganos animalistas (abolicionistas pela libertação animal), o “veganismo interseccional” reforça o especismo e o antropocentrismo, já que os envolvidos (movimentos sociais progressistas e seus integrantes) não demonstram pretenderem abrir mão da exploração e subjugação dos animais não-humanos, muito pelo contrário.
Se não podemos exigir militância de ninguém, ainda pedem uma nova militância de quem já milita na causa que escolheu? É a enfadonha patrulha ideológica que cerceia a liberdade de veganos e de outros ativistas que não integram o “universo binário”.
E a libertação dos animais não-humanos do especismo humano?
O “veganismo” estratégico / pragmático atende ao que dita o mercado (ideologia de direita) e o “veganismo” interseccional atende o que ditam os movimentos sociais por libertação humana (ideologia de esquerda). Ambos querendo estabelecer uma gradação ou ordem para o que imaginam ser a libertação animal, cada qual com seus interesses especistas e antropocêntricos.
Apesar da importância da identificação de conexões entre as diversas lutas emancipatórias (no campo político progressista), já que toda opressão é reprovável, estas também não se confundem com o movimento pela libertação dos animais não-humanos quando se faz a sobreposição de causas em uma valoração violenta, injusta e nitidamente especista (portanto, discriminatória) que passa a privilegiar imediatamente um direito humano (a exemplo de minorias historicamente oprimidas) em prejuízo de um direito animal igualmente importante, ou até mesmo mais importante conforme o caso.
SER RADICAL É BOM E TEM POTENCIAL REVOLUCIONÁRIO!
Se posicionar firmemente contra o racismo, contra o sexismo e contra práticas discriminatórias e abusivas é ser radical. O especismo é também uma discriminação violenta. Ser radicalmente contra a subjugação de uma vida senciente e contra toda forma de opressão que abusa, violenta, fere e mata pode ser bastante chato e incômodo para quem não respeita o outro ser, mas é bom e necessário para quem necessita de respeito e acolhimento: a vítima, inclusive a não-humana. Ser radical é bom!
Uma pessoa vegana é radical porque, através de ações efetivas e concretas (abstenção individual da exploração dos animais na medida do possível e praticável), ela vai na raiz das opressões que os seres humanos (das mais diversas etnias, gêneros, classes sociais etc) dirigem – desde o apogeu das civilizações humanas em uma base estruturante para perpetuação social, cultural e econômica da exploração animal – contra os grandes injustiçados: os animais não-humanos. Um vegano deixa de participar dessa barbárie, da matança, da crueldade e da covardia presentes nas mais diversas formas de exploração animal através de simples atos (políticos) do cotidiano que revelam a manifestação de uma consciência ética no sentido de que não há o direito humano de oprimir os animais e assim dá a sua contribuição pessoal com o exercício da justiça almejada para com estes seres sencientes e indefesos.
Os adeptos do veganismo não tomam para si essa discriminação brutal e bárbara que um dia haverá de envergonhar toda a humanidade: o especismo. Nenhuma vida vale menos. A vida de quem quer viver importa. Os animais não-humanos, assim como nós, também querem viver. Veganos combatem o especismo, que subjuga e mata seres vivos que querem viver! Por entendermos que não é ético matar quem não quer morrer, somos radicais.
Se somos pertencentes ao reino animal, humanos e não-humanos, não há justificativa alguma para violentarmos e brutalizarmos os nossos semelhantes, ou fisicamente não-semelhantes devido a diferença de espécies. A aversão às diferenças interespécies é um dos pilares de uma civilização humana dormente que aprendeu a justificar qualquer atrocidade e a banalizar o mal, subjugando o próximo (ser vivo). Permitir o domínio e ser conivente com o extermínio em massa dos animais não-humanos porque eles não são da nossa espécie humana dá suporte para outras violações éticas e discriminatórias: de etnia, de gênero, de classe social. Se aprendemos a violentar, podemos (re)aprender a amar o próximo, a respeitar.
A prática do veganismo é um exemplo vivo revolucionário e multiplicador. Salvamos os animais não-humanos e assim eles também nos salvam do pior de nós, da nossa tirania e egoísmo, uma via de mão dupla. A autotransformação evolutiva é um processo individual e só se torna possível quando nos dispomos a dar o primeiro passo, conscientes das práticas libertárias e da urgência necessária. Mudar o mundo é, antes de mais nada, mudar a nós mesmos a nível individual e coletivo.
Exigimos radicalmente o que é por direito aos animais, a libertação dos animais da opressão humana, o direito de viver, a dignidade e integridade. O veganismo busca a libertação animal na sua ampla acepção, a ética inclui os (animais) humanos. Lutamos para que todos os seres sejam felizes, daí a nossa radicalidade.
A LIBERTAÇÃO ANIMAL JÁ COMEÇOU!
O animalismo abolicionista é um movimento político e nesta condição cada pessoa vegana pode se reconhecer como coautora de um processo emancipatório, revolucionário em sua essência, que sacode as estruturas econômicas e sociais assemelhando-se às defesas das liberdades humanas.
Animalistas abolicionistas ou veganos sabem bem que é plenamente possível viver a própria vida sem participar da exploração de animais em atividades diversas (alimentação, vestuário, entretenimento etc) poupando-os da matança e do sofrimento. Esse movimento mundial está em curso.
A libertação animal não é algo de um futuro distante, já se iniciou e está acontecendo aqui e agora. Então podemos observar de longe, com indiferença e egoísmo, sem nos envolver, lutar para que a exploração continue (na defesa do bem-estarismo industrial) ou podemos (e devemos) nos sintonizar com o movimento abolicionista fazendo parte dessa revolução “silenciosa” aderindo ao veganismo, que certamente se funda em uma nova perspectiva ética, animalista e biocêntrica (animalismo que em sua amplitude moral abarca os seres humanos e a natureza) na construção de uma massa crítica potente que pressiona cada vez mais setores da sociedade civil para a abolição da exploração animal e ambiental.
Enxergar outros modos de pensar e sentir o mundo é mais do que possível, é desejável e praticável. É necessário lutar sem trégua por narrativas libertárias, despertando a sociedade para o movimento abolicionista em defesa animal, em contraposição às crescentes demandas bem-estaristas do mercado e às defesas arcaicas quanto a imaginária necessidade de uso, objetificação e exploração de animais. A não submissão à crueldade é um direito animal constitucional que deve ser considerado e assegurado.
A discussão contemporânea sobre o desmatamento da Amazônia e da emergência climática, do devido respeito às terras dos povos originários que estão demarcadas e por demarcar, são algumas das pautas que se relacionam diretamente com o movimento vegano / abolicionista animalista, o que reforça o entendimento da necessidade de adoção de uma dieta vegetariana estrita (vegana) para minar uma das maiores engrenagens que mais devasta a vida humana e planetária (abertura de pastos, monoculturas para alimentação desses animais, genocídio dos povos originários, destruição da flora e fauna silvestre, emissões de gases nocivos de efeito estufa, impactos nocivos à saúde humana): a “indústria da carne” e seus derivados.
SOMOS TODOS ANIMAIS: UM FATO INESCAPÁVEL
Se as práticas exploratórias e predatórias persistem e nos parecem cada vez mais crescentes, seja em escala individual (predação do valor intrínseco da vida), seja a nível global, os movimentos libertários e anti-opressões também crescem vertiginosamente, talvez não na mesma velocidade que gostaríamos, mas o fato é que nós existimos e resistimos, e assim, parece que outro caminho não há senão o da inclusão inexorável do respeito à vida animal e ambiental, aliados ao respeito à vida humana.
É preciso colaborar ativamente na construção de um mundo novo que inclua valores éticos e fraternos que nos são humanamente essenciais na construção de uma sociedade realmente justa, solidária e fraterna, sendo tais valores imprescindíveis para avançarmos daqui por diante, até mesmo como questão de sobrevivência em um futuro próximo que se vislumbra.
Que façamos acontecer a justiça socioambiental de modo a não deixarmos nenhum ser senciente vitimado para trás. É preciso que cada indivíduo coopere e se importe, sinceramente, com cada vida. Se não nos importamos com a vida alheia, quem se importará com a nossa?
Precisamos nos empoderar daquilo que minimamente nos cabe: vivermos a própria vida sem a exploração de outras vidas, na construção coletiva de uma justiça animalista, humana e ambiental, uma justiça universal inclusiva. O movimento animalista abolicionista ou vegano pode “salvar o mundo” se lembrarmos que também precisamos salvar a nós mesmos.
Na defesa dos direitos animais, temos a certeza da plausibilidade da construção de caminhos para a libertação. É preciso libertar aqui e agora. Se não nós (veganos / animalistas abolicionistas), quem? Se não agora, quando?
A humanidade passará a enfrentar cada vez maiores desafios devido à emergência climática em curso. Tal mudança veio para ficar, portanto nossas adaptações e transições, sobretudo as mais simples, precisam acontecer já. É absolutamente urgente. A vida é um movimento contínuo. Mudar hábitos ultrapassados que violentam outras vidas criando e expandindo a consciência ética é simples demais, basta disposição e iniciativa.
Cada vez mais, vem sendo desnudada a barbárie humana contra os animais não-humanos; o antropocentrismo já é decadente e o veganismo chegou para iniciar essa revolução até que o velho mundo calcado em bases predatórias e egoísticas se desmorone por completo cedendo espaço para o novo, para a concretização da consciência biocêntrica em respeito a todos os seres vivos.